Cidade registra 24 denúncias de abandono





Ocorridos recentemente, 24 casos de abandono de incapazes em Tatuí geraram repercussão regional. O descuido de pais e responsáveis tem colocado crianças em situação de risco na cidade, aponta o Conselho Tutelar.

O CT recebe, aproximadamente, 120 denúncias por mês. Do total, 20% das ligações são para delatar casos de crianças e adolescentes deixados sozinhos em casa. São perto de 25 casos de abandono de incapaz mensalmente.

De acordo com o presidente do conselho, Daniel Gomes Belanga, o problema é recorrente na cidade. Desde que o atual colegiado tomou posse, em 10 de janeiro, o grupo tem acompanhado diversos casos dessa natureza.

Em um dos fatos, ocorrido na sexta-feira da semana passada, 19, um casal de avós perdeu a guarda de três netos por ter deixado as crianças sozinhas em casa enquanto assistiam a um culto em uma igreja, na vila Esperança.

O caso foi denunciado e levado à Polícia Civil, após vizinhos flagrarem uma das crianças – uma garota de apenas dois anos de idade – andando sozinha e chorando, próxima ao ribeirão Manduca.

Além do caso ocorrido na vila Esperança, outro chamou a atenção dos tatuianos no final do mês passado. Três crianças – de cinco, sete e oito anos – foram deixadas sozinhas pela mãe, em casa, por mais de 20 horas.

Elas estariam sem comida, alimentando-se somente com restos de arroz amanhecido, deixados em uma panela. A mãe, quando encontrada pela Polícia Militar, foi presa em flagrante.

“Nos últimos três meses, tiveram alguns fatos que chamaram a atenção. São casos em que não há nenhum tipo de tolerância, geram crime de abandono de incapaz”, declarou Belanga.

A maioria dos casos ocorre por desconhecimento dos pais. Eles não teriam consciência de que deixar criança ou adolescente sozinho em casa é crime previsto no Código Penal. O abandono de incapaz também abrange ocasiões quando idosos e pessoas sem condições de cuidarem de si próprias são deixados sozinhos.

“O abandono se dá a partir do momento em que um adulto ou responsável deixa a criança sozinha. Ele tem responsabilidade de cuidar, mas não cuida. Acaba deixando a criança para terceiro irresponsável (menor de idade), ou para ninguém”, explicou.

De acordo com Belanga, alguns pais deixam crianças sob os cuidados de adolescentes, o que também é proibido. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) preconiza que qualquer pessoa menor de 18 anos não pode ser responsável por si própria, nem por outra pessoa.

“Não se pode deixar uma criança com um adolescente, pois configura abandono de incapaz. Um adolescente de 17 anos, por exemplo, nem poderia ficar sozinho, mesmo que os pais digam: ‘Mas ele tem responsabilidade’. A lei não permite”, sentenciou.

Quando os pais precisarem se ausentar, o ideal é deixar as crianças e adolescentes com algum adulto, que pode ser o vizinho, tios, avós, ou, até, irmãos com idade superior a 18 anos.

Os casos de abandono de incapazes crescem nos períodos de férias. Sem aulas, as crianças acabam ficando em casa ou nas ruas enquanto os pais estão trabalhando.

“Os pais deixam (a criança sozinha) por inocência. Mesmo que estejam trabalhando, eles precisam se responsabilizar pela criança. Antes de serem trabalhadores, eles têm a responsabilidade de pais”, disse.

Das denúncias recebidas por conselheiros tutelares, 60% são consideradas “vazias”. Belanga garantiu que o conselho apura “todos os casos” informados.

“Dia desses, recebemos uma ligação, em hora elevada da noite, de que três adolescentes estariam sozinhos em uma casa enquanto os pais estariam em um bar, bebendo. Chegamos lá e a família estava toda junta e os meninos, dormindo”, contou.

O presidente atribui a denúncia sem fundamento a problemas entre vizinhos, mas, principalmente, à separação conjugal. “A criança acaba se tornando um instrumento de ataque”.

Segundo Belanga, “aos olhos do ex-parceiro”, a mãe ou o pai nunca está cuidando bem da criança, ou faz a denúncia por interesse pessoal, para ganhar a guarda do menor de idade.

“As pessoas tentam usar o Conselho Tutelar como um meio de ameaça às outras, como um tipo de sanção ou castigo. Por mais que não haja violação ao direito da criança, acabam nos chamando para achar algum erro ou defeito na criação”, criticou.

Quando um caso de abandono é confirmado pelos conselheiros, o órgão recolhe a criança, registra boletim de ocorrência no plantão policial e o Ministério Público é acionado.

Em paralelo, a Polícia Civil instaura inquérito para apurar as responsabilidades e se, realmente, houve crime. “O delegado pode indiciar os pais, abrindo processo penal. A partir daí, o Ministério Público fica responsável pela ação”, explicou.

A pena para abandono de incapaz varia conforme a gravidade. Em casos comuns, a detenção varia entre seis meses e três anos. Em ocorrências que envolvem lesão corporal, a punição vai de um ano a cinco anos de prisão.

Quando o abandono de incapaz resulta em morte da vítima, a penalidade é maior. A privação de liberdade é de 4 a 12 anos. “O abandono gera risco de vida porque ninguém sabe o que pode acontecer com uma criança sozinha, ela não tem como se cuidar”, afirmou.

A primeira opção dos conselheiros em casos de abandono de incapaz é entregar a criança – ou adolescente – para familiares, como tios e avós. Quando ninguém é encontrado, o menor é levado a um abrigo.

Tatuí possui três abrigos para menores de idade. A Casa do Bom Menino atende garotos, enquanto o Lar “Donato Flores” recebe meninas. Ambas as casas têm como público crianças de até seis anos.

A partir daí até os 18 anos incompletos, o atendimento é feito pela Casa de Acolhimento Municipal. A instituição recebe menores tanto do sexo feminino quanto masculino.

O abandono de incapaz pode ocasionar prisão em flagrante do responsável pela criança. Para que responda em liberdade, o pai ou mãe deve pagar fiança, que varia entre um salário mínimo (R$ 880) e cem salários mínimos (R$ 88 mil).

“Se for constatado o abandono e a mãe aparecer, ela pode ser presa em flagrante. Os casos mais simples são afiançáveis, porém, com qualificações de lesão corporal ou morte, a fiança não é mais possível, por causa da pena”, disse.

De acordo com o presidente do Conselho Tutelar, as famílias usam “as mais variadas desculpas” para justificar o fato de terem deixado crianças sozinhas. “O mais comum é falar que estava procurando emprego”, observa.

Os casos de abandono de incapaz são mais comuns nas regiões sul e norte da cidade. O presidente evitou citar os bairros onde a incidência é maior.

“As regiões sul e norte são as que têm maior incidência de ocorrências no Conselho Tutelar. São bairros complicados, onde tem alto índice de criminalidade e também incidência maior (de desrespeitos aos direitos das crianças)”, declarou.

Ele afirmou que o CT está visitando escolas e realizando reuniões com pais e professores para esclarecer os direitos e deveres dos menores de idade.

“Estamos fazendo (as reuniões) com orientação do Juizado da Criança e do Adolescente, estamos planejando com eles. Já passamos em algumas escolas, falamos com pais, para nós prevenirmos esses problemas”, afirmou.

Segundo Belanga, o Conselho Tutelar está viabilizando reuniões nas mesmas datas das reuniões de pais e mestres que acontecem bimestralmente nas redes estadual, municipal e privada de ensino. “O trabalho é gradativo, demorado e requer muito planejamento”.

A esperança do presidente é que tanto o índice de abandono diminua quanto o número de faltas dos alunos caia com a conscientização. “Não queremos remediar, queremos prevenir”.