Cassação do mandato de vereador tatuiano tem unanimidade de votos

Leitura e apreciação de denúncias contra Claudião Oklahoma duraram 11h

Câmara recebe a presença de manifestantes pedindo a cassação de mandato (fotos: Lucas Santos)
Da reportagem

Cláudio dos Santos, conhecido e eleito como “Claudião Oklahoma” (PSL), não é mais vereador em Tatuí. Na manhã desta terça-feira, 12, por volta das 8h, o mandato dele foi cassado após denúncias de racismo e misoginia.

Em sessão de julgamento, realizada no plenário da Câmara Municipal, iniciada na noite anterior, por volta das 21h, os parlamentares seguiram o entendimento da comissão criada para investigar as denúncias e optaram pela cassação por quebra de decoro parlamentar.

A única das dez denúncias, protocoladas no início de abril, que teve prosseguimento foi a apresentada pelo Núcleo Feminista Rosas da Revolução, juntamente com o Coletivo Alvorada Antirracista, representados por Regiane Heloísa de Lima.

A base das denúncias são mensagens discriminatórias supostamente enviadas pelo parlamentar, por meio de aplicativo de conversa, dentro do denominado “Grupo do Jaum”, contra uma mulher negra. Além de ofendida, a vítima teria sido procurada e ameaçada pessoalmente pelo edil no local de trabalho dela.

Mandato de vereador foi cassado após
denúncias de racismo e misoginia

Conforme as representações, os atos, mais que configurar crime, também constituem uma “quebra de decoro gravíssima, totalmente incompatível com o exercício do cargo”. Os responsáveis pelas denúncias ainda solicitavam que, após a conclusão do processo, o mandato de Oklahoma fosse cassado.

Durante a sessão, o plenário da Casa de Leis teve lotação máxima, além de muitas outras pessoas, que não foram autorizadas a entrar e permaneceram manifestando-se do lado de fora. Dezenas delas, ainda continuaram no local, por mais de 11 horas, até o encerramento da votação.

Advogado de Oklahoma, Bruno Giovani Santos solicitou que as cerca de 440 páginas do relatório entregue pela comissão fossem lidas na íntegra, incluindo os mais de 6.000 nomes que assinaram um abaixo-assinado contra Oklahoma, o que durou quase dez horas.

O documento foi elaborado relatora Cíntia Yamamoto Soares (PSDB), integrante da comissão processante, ao lado do presidente João Éder Alves Miguel (MDB) e do membro João Alves de Lima Filho (Cidadania).

Ao jornal O Progresso de Tatuí, Cíntia declarou que foram mais de 30 horas para a elaboração relatório final, sem contar o período dedicado para análise da denúncia, apresentação e tomada de depoimentos de testemunhas de acusação e defesa.

Ela afirmou que a comissão buscou respeitar o direito de defesa do denunciado e, por conta disso, não fora manifestada qualquer decisão anterior. “Ainda que solicitados, em vários momentos, quanto a informações e opiniões, a comissão processante não se manifestou até que o denunciado apresentasse todas as alegações de defesa”, ressaltou.

“Inclusive, a comissão não se manifestou até quanto ao uso da defesa oral durante a sessão de julgamento. Isso tudo, repito, para ter respeitado o direito de defesa do denunciado”, completou Cíntia.

Após a leitura do processo, cada vereador tinha até 15 minutos para falar em tribuna, mas somente José Eduardo de Morais Perbelini (Republicanos) manifestou-se. Antes da votação, Giovani Santos e Oklahoma tinham até duas horas para a defesa, das quais utilizaram pouco mais da metade do tempo.

Entre diversas argumentações, o advogado garantiu que Oklahoma não era o autor das mensagens que motivaram as denúncias, alegando que elas já estariam no grupo e ele teria somente as encaminhado.

Giovani Santos apontou que, ao serem copiadas do WhatsApp e, depois, “coladas”, as mensagens não constam como encaminhadas.

“A comissão entendeu da mesma forma: enviar e encaminhar as mensagens. No entanto, não está sendo tratada a autoria das mensagens, as quais não são de autoria de Oklahoma, pois elas já estavam no grupo”, disse. “Até o marido da vítima disse, em depoimento, que a foto dela e as mensagens já estavam no grupo”, reforçou.

Giovani Santos alegou que o denunciado encaminhara as mensagens em um “momento de descontração” e, provavelmente, após ingerir bebidas alcóolicas. Segundo ele, não deve ser considerada quebra de decoro parlamentar uma ação ocorrida na vida privada, até porque abriria precedentes.

“Se Oklahoma for cassado por mensagens encaminhadas, poderemos fazer uma ‘enxurrada’ de pedidos de cassação por algo feito no privado”, declarou. “Vamos abrir precedentes que, talvez, não sobrem vereadores nesta Casa”, completou.

De acordo com o advogado, a ata notarial que embasou o processo de cassação foi feita de forma “equivocada”. Ele reconheceu, a ofensividade das mensagens, mas ressaltou que, por ser o conteúdo classificado como crime, as apurações teriam de ser do Poder Judiciário e não do Legislativo.

“Não cabe ao Legislativo (a investigação). Não trouxemos nenhuma questão técnica do processo (para defesa), pois isso será discutido, caso necessário, a quem compete: no setor Judiciário”, justificou-se o advogado.

De forma breve, Oklahoma relatou que, no dia em que as mensagens foram divulgadas, ele recebeu mais de 1.500 mensagens com ataques pessoais. E assumiu que cometera erros, apontando que “todas as pessoas são passíveis de erros”.

Ainda na tribuna, pouco antes da votação, Oklahoma afirmou que, caso os parlamentares optassem pelo voto contrário à cassação do mandato, eles “não estariam livrando um santo, mas um homem justo”.

Com exceção de Oklahoma (por ser o investigado) e de Eduardo Dade Sallum (PT) – que auxiliou na coletar de provas para as denúncias -, os quais não puderam votar, todos os vereadores foram a favor da cassação. Sallum, inclusive, foi substituído na votação por Dione Batista, primeiro-suplente de vereador.

Com a cassação do mandato de Oklahoma, a cadeira dele será ocupada em breve pelo primeiro-suplente do partido dele, Levi Pinto Soares (PSL), conhecido como “Levi do PAT” (Posto de Atendimento ao Trabalhador). Nas eleições municipais de 2020, Soares recebeu 455 votos.

Vitória das mulheres

A decisão tomada pelos parlamentares foi considerada pela maior parte do público que ainda estava no local como uma vitória às mulheres. Para Cildete Saroba Vieira dos Santos, ainda não é possível entender a “dimensão história” da cassação de Oklahoma.

Assistente social da Secretaria Municipal de Direitos Humanos, Família e Cidadania e atuante em coletivo – inclusive, no Núcleo Feminista Rosas da Revolução, que apresentou a denúncia -, ela afirma que a “conquista histórica na luta das mulheres tatuianas engrossa as correntes da luta feminina de todo o país e do mundo”.

Presidente da Comissão da Mulher Advogada e dos Direitos da Mulher da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) – Subseção de Tatuí, Bruna Maéli Antunes da Silva, afirmou que, “como cidadãs e militantes da Justiça e do combate à discriminação racial e de gênero, a comissão sentiu a obrigação de se posicionar, emitindo uma nota de repúdio a Oklahoma e de apoio à vítima”.

“Consideramos muito importante que casos de racismo e machismo sejam tratados com tamanha seriedade, pois somente assim poderemos alcançar uma sociedade livre do preconceito e de toda a forma de opressão”, destacou Bruna.

Cildete ressaltou que o Núcleo Feminista Rosas da Revolução, assim como outros coletivos, comissões e movimentos locais, teve uma importante participação nos últimos 90 dias que culminaram com a decisão dos vereadores.

Conforme ela, a cassação é um alerta a toda a sociedade, de que não será tolerado nenhum tipo de preconceito. “Estamos nessa luta por uma sociedade igual, pois nós queremos um mundo no qual onde olhemos para o outro e digamos: ‘Ele é igual a mim e eu não sou melhor e nem pior do que ninguém’”, afirmou.

“Queremos negar e abominar a onda de violência, revolta e intolerância que vem crescendo a cada dia no país. Lutamos por um movimento de afeto e de amor, pela justiça, igualdade e felicidade mútua de todos”, finalizou Cildete.