“Estou aqui em nome da rosa, a rosa que é a flor mais pura. Estou aqui para falar para vocês do Carnaval da Cidade Ternura”.
Samba da Ternura, 1976 (composição: Voss)
Bem, eu como sempre, com as minhas voltas ao passado nesta cidade maravilhosa, aconchegante, carinhosa, musical, doce, amiga, chamada Tatuí. De repente, ao passar pelo Centro Cultural de Tatuí, “ex-Alvorada Clube”, fui conferir a exposição “Tatuhy – Passarela de Alegrias e Alegorias”. Entrei e voltei aos velhos Carnavais.
Neste ano, a mostra focou no Carnaval de 1952 (lá se vão 66 anos), quando eu nasci. Mas tem umas pinceladas rápidas pelos anos 80. E aí, voltei no tempo. E me lembrei dos meus primeiros Carnavais ingênuos e infantis no Clube Tatuhyense, que ficava com as suas portas de entrada onde hoje é a Secretaria de Esporte, Cultura, Turismo, Lazer e Juventude, defronte ao nosso legendário Pinheirão.
Lembrei-me que a entrada do clube era na boca enorme do Rei Momo, muito bem desenhada e mística, pois, na minha primeira vez, achei que seria engolido por aquela boca enorme e colorida. E que, de fato, fui e caí na folia, eternamente. Aí começam as lembranças doces e sadias.
No domingo de Carnaval, de manhã, havia tanta serpentina e quilos de confete que era necessário ser retirado de caminhão. Porém, como eu era menor de idade, só podia entrar na matinê, das 16h às 18h. E aí veio à lembrança o senhor Jaime – avô do doutor João Carlos Arruda –, que saía no meio do salão com uma caixa de papelão entregando balas para as crianças.
Lembrei-me do primeiro bloco de Carnaval que montei com os meus amigos. Acredito que eu tinha entre 15 e 16 anos, mas, incrivelmente, não tenho nenhuma foto dos “Homens das Cavernas”.
Fizemos uma fantasia com um brim marrom e algumas manchas amarelas, imitando pele de onça, e na cabeça, uma peruca de corda desfiada e lavada para tirar a goma.
Bem, depois de todo esse sacrifício, tínhamos que penteá-la, e, após esse tratamento capilar, ficávamos com os cabelos crespos e compridos, parecidos com os da Elba Ramalho (risos). Até aí tudo bem, porém, aquela corda dava um calor e uma coceira daquelas!
Naquele tempo, era comum todas as lojas de armarinhos, roupas, todos vendiam artigos carnavalescos. As máscaras de personagens da época: índios, palhaços, homens feios e mulheres horrorosas. Porém, como a censura era muito forte, não se tinha máscaras de políticos. Mas, o que era muito bom de brincar era com os espirradores. O que eram e para que serviam?
Eram tubos plásticos com um buraco na parte superior, o qual era completado com água gelada, e aí se colocava uma tampa com um furo nela e, quando você apertava, saía um jato de água. E, assim, nós saíamos molhando uns aos outros. Até que um dia algum infeliz inventou o famoso “Sangue de Diabo”. O que seria isso? Teria a ver com as festas de Momo na antiga Roma?
Não! Apenas isso: você comprava folha de papel de seda vermelho, mergulhava essas folhas na água, para se desfazerem e soltarem a tinta. Passava pela peneira para não entupir a ponta do espirrador e saía manchando as roupas das pessoas. Porém, quando molhava, tinha que ser lavada imediatamente, senão a roupa ficava eternamente manchada e você acabava de conseguir um inimigo.
Mas, à noite, as festas tinham um famoso spray gelado, denominado “Lança-Perfume”, da Rhodia, que era usado para refrescar as pessoas e perfumava o ambiente – às vezes, meio carregado pelo cheio da massa popular.
Após certo tempo, foi proibido seu uso, apesar de que era nos anos 80 e até agora fabricado de forma artesanal, clandestina e importado da Argentina, com o nome de desodorizador de ambiente, o qual, pelo seu uso diferente do qual foi fabricado, já levou muitos foliões a óbito. E seu uso é proibido por lei.
O tempo avança, começamos a desfilar o corso carnavalesco, fazendo barquinhas que eram o ponto alto do Carnaval. Eram quatro ou cinco pessoas conduzindo uma barca feita com armação de bambu e coberta com panos, com alguns dizeres da época. Numa dessas barcas, fizemos o “Barco do Além”, que tinha na tripulação eu, Didi Sobral, Betão, Paulo Guelo, meu irmão Dió e Carlinhos Sorocaba.
Nos anos 60, tínhamos uma série de TV infantil na qual havia um personagem chamado Herman – O Monstro, que, na verdade, era um Frankenstein desastrado. E eu e meus amigos fizemos o bloco dos monstros, sendo que o tal personagem fui eu, por ser magro, alto. E, aí, fiz um sapato com uma plataforma de madeira, de 15 centímetros, com o qual fiquei muito alto e andava devagar para não cair do salto.
Completando a fantasia, o seu Aldo Orsi fez para mim uma armação com dois parafusos soldados que ficavam escondidos naquela cabeleira, dando um ar bem sinistro. Aí, não lembro se foi o Kéka, o Reizinho ou o Paulo Sérgio, tio do vice-prefeito Luiz Paulo, que me deu a ideia de que eu fizesse uma mistura de anilina verde bem grossa e passasse no rosto para dar um ar mais tétrico.
Fiz o que sugeriram. Conclusão: fiquei mais de 15 dias com o rosto verde. E olha que, naquele tempo, o Hulk não existia. Para arrematar essa minha fantasia, consegui uma tampa de caixão de defunto roxa, e chegava nas pessoas e dizia: “O próximo será você”. E completava a cair na folia.
Dentre as minhas lembranças carnavalescas, esta é muito especial. Como eu morava na rua Santa Cruz e era vizinho da Madeireira São Pedro, de propriedade dos senhores Pedro Vieira e Gilberto Loretti, conversamos com eles, os quais nos cederam o seu caminhão FNM, e fizemos uma armação de madeira para montarmos uma piscina com encerado na carroceria do caminhão.
Tudo ficou perfeito, fomos até o banhado – onde até hoje existe um poço de água da Prefeitura – e enchemos a carroceria com água até o limite. Bem, imaginem vocês que, para subirmos a rua 11 de Agosto para desfilar, tivemos que desviar, fomos para a Praça do Junqueira, a rua Coronel Bento Pires e para a rua José Bonifácio, onde lavamos a tudo e a todos.
Começam os anos 70, surge no Alvorada Clube a Thunder, e ela passa a ser o point da galera, discoteca, encontros, amigos, Carnaval. E surge a ideia de montarmos um bloco de Carnaval. Como tínhamos bons ritmistas, resolvemos montar uma escola de samba, batizada de “Banda Bandida”. Como não tínhamos instrumentos, emprestamos a fanfarra do “Barão de Suruí”.
Em 1976, Tatuí completava 150 anos, ou seja, o sesquicentenário, e eu compus o primeiro samba-enredo do Carnaval de Tatuí, que foi o “Samba da Ternura”. E a Banda Bandida cantou na rua o refrão que consta no início deste texto.
Puxa, lá se vão 43 anos. Nessa época, eu já cantava com o New Sound Six, uma banda de baile de Cesário Lange. Ao lado do Og, Thiers, Dirceu, Zé Luiz, João Preto e outros, tocamos e cantamos durante dez anos na Associação Botucatuense, de 1972 a 1982.
Em Tatuí, o Rizek criou o baile “Vermelho e Preto”, na Associação Atlética XI de Agosto, que era na sexta-feira de Carnaval, e eu tive o prazer de cantar e agitar o primeiro Vermelho e Preto, em fevereiro de 1980.
Também cantei com a SamJazz do maestro Neves em outros anos. Num desses anos, o Bigorna trouxe para Tatuí uma cantora chamada Loalwa, que fez muito sucesso no mundo da música com a Banda Kaoma, cantando “Dançando Lambada”.
Também montei a “Bandalegria”, ao lado dos amigos Cláudio Gaúcho, Firmino, Tato do Sax, Azeitona, os irmãos Geraldo e Roberto Geladeira, entre outros.
Nos anos 90, fui convidado a cantar no Carnaval em Cerquilho com a banda Sal da Terra, do meu amigo Xyro, um músico muito exigente, que adorava tocar frevos, Caetano, Gil, Gal Costa, Elba Ramalho, Moraes Moreira, Alceu Valença, entre outros, e que exigia dos músicos muito treino e rapidez nas notas.
Essa banda era um supershow. Inclusive, nas matinês, fiz uma fantasia de paquita, juntamente com o cantor Valdir, de Boituva, que foi de noiva. Aí, imaginem, no meio do Carnaval, um casamento do paquitão e a noiva. E lá, na Associação São José, o “bicho pegava”.
Dentro das minhas inúmeras lembranças de Carnaval, está uma na qual eu desfilei no Cordão dos Bichos, ao lado do saudoso Moacir Peixoto, pai de meus amigos Betão e Marião, de borboleta azul e com direito a usar meias amarelas listradas de preto, o que parecia uma taturana listrada.
Esse momento era mágico, ao lado daquele gorila e da bruxa, que, com seu nariz e a vassoura, corria atrás das pessoas, que até hoje arrancam risos e correrias das crianças. Muitas saudades.
Os anos 80, com o surgimento dos trios elétricos na Bahia, com música ao vivo, como tínhamos o programa “Salada Mista”, pela Rádio Notícias de Tatuí, onde tocávamos de tudo – marchas, sambas-enredos -, o Gonzaga e a equipe, juntos, resolvemos montar um caminhão de som, usando músicas gravadas em fitas cassetes e em rolos dos gravadores japoneses Akay.
Nasce, aí, uma forma inovadora de o povo ir atrás do caminhão da alegria. Lá em cima, iam Rei Momo, Rainha, parte da corte e nós, falando e agitando o povo em um enorme caracol no entorno da Praça da Matriz.
Num desses Carnavais, teve um lance que ficou imortalizado na minha memória: nós estávamos cantando, jogando confetes, serpentinas no caminhão de som defronte ao Hotel Del Fiol.
Tudo caminhando bem quando, no meio da folia, um senhor me chamou e pediu que eu parasse o Carnaval, porque ele havia perdido os óculos e não conseguia enxergar nada.
Bem, parece impossível, mas fizemos o que ele pediu, paramos o Carnaval, falei no microfone e pedi para o pessoal procurar no chão, no meio das serpentinas e confetes, e, acreditem, alguém achou os óculos!
Esse senhor era o Paulinho Romualdo do XI, que foi bicampeão de futebol pela Égua Vermelha. Inclusive, no dia do enterro dele, com autorização dos familiares, eu comentei essa passagem, e como ele era uma pessoa muito alegre, gostaríamos que se lembrassem dele sempre feliz, que era a sua marca registrada.
Aí, em 1991, compus ao lado do Xyro a marcha carnavalesca “Saddan, Deixe para Amanhã”, na qual aproveitamos uma guerra boba e convidamos esse ditador a parar a guerra e vir passar o Carnaval no Brasil.
Foi um grande sucesso na época. Numa dessas ondas de criatividade, ao lado do Rizek, José Galvão, Corintinha e outros, surgiu na segunda-feira de Carnaval o bloco do “Vai Quem Quer”, que se tornou famoso e atraía milhares de pessoas de todo o estado. E o nome era esse: vai quem quer.
Bem, o Carnaval passou e a cidade viveu um momento ímpar. Um Carnaval seguro para todos os foliões. A nossa juventude não precisa mais seguir a música do Chico Buarque: “Tô me guardando para quando o Carnaval chegar”, porque todo final de semana surgem eventos, baladas, e uma grande agenda de festas que faz com que o Carnaval seja apenas quatro dias a mais de folias e alegrias. As rádios e TVs nem dão muita ênfase ao reinado do Momo.
Sei que os velhos Carnavais não voltam jamais, mas nos novos Carnavais também você pode sorrir e esquecer os problemas. Pelo menos de sábado até a Quarta-feira de Cinzas, você se divertiu, sorriu e ficou feliz. Da quarta-feira em diante, tudo volta ao normal e a vida segue.
Um forte abraço a todos e até a próxima.