Quando uma criança entra na escola, começa a se afastar dos pais. Em vez dos cuidados da mãe, fica durante algumas horas do dia sob as vistas de professores, que cuidam das crianças como verdadeiros pais e mães. A infância é a primavera de nossas vidas.
Eu, quando entrei no primário, minha professora era dona Célia Liberatoscili Menezes da Silva. Lembro-me que, em algumas ocasiões, me atrapalhei e a chamei de mãe na sala de aula. Pudera, uma mulher tão boa, suas aulas eram agradáveis, ela muito cuidadosa com todos, era muito fácil confundir com a mãe. Isso no Grupo Escolar “Eugênio Santos”, nos idos de 1959.
Bons tempos! Logo que fui alfabetizado, comecei a ler gibis. Mickey e Pato Donald. Antes de saber ler, meu pai sentava-se em uma poltrona, e eu e minhas irmãs sentávamos nos braços da poltrona, ou em seu colo, olhando as figuras enquanto ele lia em voz alta. Pato Donald, Mickey, Sobrinhos do Capitão (Hans e Fritz), dentre outros…
Daí não precisava mais que outros lessem para mim. Isso tudo graças à dona Célia, a professora que me alfabetizou.
Enquanto escrevia isto aqui, lembrei-me de uma tia-avó que não sabia ler nem escrever. Coisas de outros tempos, do início do século 20. Ela morava na zona rural, e escolas eram distantes. Não sabia ler, mas fazia de tudo e ninguém a enrolava. Mas, sempre tem um “mas”, de vez em quando fazia algumas confusões. Claro, era irmã de vovô Ernestino, que nunca se apertava e sempre encontrava uma solução à sua moda…
Pois então, certo dia, um dos filhos dessa minha tia-avó estava com alguns problemas na escola. Não conseguia memorizar suas lições. Assim, alguém lhe recomendou que desse fósforo à criança, pois esse mineral é essencial para turbinar a memória.
Alguns dias depois, essa pessoa que lhe indicou esse “remédio”, perguntou se continuava dando mineral, conforme indicado. Eis sua resposta:
– Ah, eu tô dano fórfe pra ele, mais num tá miorando! – contou. E explicou:
– Eu acendo treis fórfe, apago numa xicra d’água e dô pro minino bebê!
Não ia melhorar mesmo!!!
Mas voltando aos alfabetizados. Era mesmo fácil confundir a professora com a própria mãe. E quando a primeira professora é a própria mãe?
Bom, nesse caso não dá para chamar a professora de “dona”, nem mesmo de “tia”. É chamar de mãe mesmo.
Esse foi o caso da professora Maria Cristina Olivier Lima França, que, ao entrar no primeiro ano da escola, sua mãe, dona Celina Olivier Lima, era também sua primeira professora.
Assistia, orgulhosa, sua mãe escrevendo na lousa. Sentia-se privilegiada, pois a professora, a dona Celina, era a sua mãe e não dos demais coleguinhas. Em sua classe era a única que chamava a professora de “mãe”! Apesar de ser tatuiana de nascimento, Maria Cristina morou em Tietê durante alguns anos de sua infância, pois seu pai, Wilson “Cinderela” Lima, trabalhava por lá.
Como era costume na ocasião, os alunos todos formavam filas antes de entrar na sala de aula, tanto no começo do dia letivo, quanto depois do recreio e até no momento de sair. Tudo organizado. Da mesma forma que as carteiras eram fixadas no piso da sala de aula, devidamente ordenadas. Ordem era o princípio de tudo. E todos aprendiam. Nada mais é assim nas escolas. Poucos aprendem. E aprendem pouco, apesar da propaganda oficial!
No Dia da Árvore, 21 de setembro, a diretora da escola explicava aos alunos a importância daquela data, que também marcava o início da primavera, a estação das flores.
Para interagir com os alunos, a diretora perguntou, com certa insistência, se havia um aluno que soubesse uma poesia ou uma música em homenagem à estação florida que se iniciava naquele dia.
Como ninguém se manifestou, Maria Cristina, inconformada de que os alunos mais velhos não atendiam à diretora, tomou coragem e levantou sua mão, dizendo que sabia uma música sobre a primavera.
Dona Marta, a diretora, feliz por aparecer uma aluna disposta a cantar, pediu que ela viesse à frente, cantar para toda a escola.
E ela foi, orgulhosa, e começou a cantar a música da propaganda do papel higiênico Primavera, que passava constantemente nessa época, na televisão.
Dona Celina ficou roxa de vergonha. As demais professoras, rindo, olharam imediatamente para ela, que não tinha como se esconder desses olhares. A diretora, um tanto aborrecida, interrompeu a cantoria e mandou que Maria Cristina voltasse ao seu lugar na fila. A menina ficou sem graça, não entendeu o porquê de a diretora impedir que continuasse cantando.
Assim que entraram na sala de aula, perguntou à mãe professora:
– Por que dona Marta não deixou eu terminar a música da primavera, mãe?
E dona Celina explicou:
– Filha, é uma música de papel higiênico, não é da estação das flores!
O tempo passou – ah, e como passa! – e Maria Cristina também foi mãe e se formou professora. De repente, a roda da vida girou e, por incrível que possa parecer, foi a professora de sua filha no primeiro ano do agora denominado ensino fundamental, tal qual havia sido aluna de sua mãe.
A diferença, de quando foi professora para com o tempo de aluna, é que em sua classe promovia cantoria, poesia, dramatização, teatro de fantoches, adivinhações e informações indispensáveis aos alunos, além da comemoração de todas as datas importantes de Tatuí e do Brasil.
Mas ninguém mais cantou a música do papel higiênico em comemoração à primavera em escolas!