Mouzar Benedito *
Um dos personagens que eu mais admirava nos meus tempos de criança, o Rosário, era um poeta analfabeto de tudo, não sabia nem assinar, mas tinha uma memória danada.
Era o cronista da cidadezinha em que morávamos, declamava suas poesias, que chamava de décimas, contando tudo que acontecia lá. E quando pediam um assunto novo, criava uma décima na hora.
Mas arrumava muita encrenca, porque contava coisas que às vezes irritavam algumas pessoas. Isso sem falar que, quando estava irritado por qualquer motivo, saía rimando versos que falavam mal de todo mundo que encontrava pela frente.
Quando eu tinha uns sete anos de idade, cheguei a andar dois dias inteiros atrás do Rosário, admirando as suas décimas e suas provocações. Um dos sujeitos que encontrou foi o Zé Passarinho. Falou pra ele:
“Eu queria me encontrá
com esse tal de Zé Passarinho,
pra metê o pé nos ovos
e botá fogo no ninho”.
O Zé Passarinho riu, não se importou.
Um dia, no meio da manhã, o Rosário chegou na barbearia do meu pai pedindo: “Ô, Tõe Germano, eu vim aqui procê me cortá o cabelo”. Meu pai respondeu: “Tá bom, eu corto e não cobro nada, mas primeiro me faz uma décima”.
“Qualé o assunto?”, perguntou o Rosário. Meu pai respondeu: “Cê que sabe… Já que tá vindo da roça, conta alguma coisa que aconteceu lá”. O poeta não vacilou nem um segundo, foi logo falando para uma plateia de desocupados que frequentava a barbearia:
“A dona Maria Perpétua
assentô de passeá,
viu a égua do Batista
e assentô de amuntá.
A comadre Maria Justina,
por sê uma véia regateira,
deu uma varada na égua,
que deu co’a outra véia na poeira.
Lá evém o Batista Gana,
com seu zóio remeloso:
“Põe um lombio nessa égua
que eu sô um pião famoso”.
Lá evém o Batista Graia,
tirando satisfação: “Tudo pode sê,
mas brinquedo co’a minha égua não!”
“Essa égua aqui é braba,
lá em casa ela é mansinha.
As criança lá de casa tira leite na maminha
– epa! Na maminha da égua”.
Ganhou assim um corte de cabelo. Mas ganhou também quatro perseguidores: as senhoras Maria Perpétua e Maria Justina, o peão Batista Gana e o dono da égua, Batista Graia, que sofreram muita gozação por causa dessa história.
* Jornalista, escritor e contador de causos.
Livros do Mouzar Benedito pelas editoras Boitempo, Limiar e Terra Redonda.
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