A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), anunciada em 25 de junho de 2024, de descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal no Brasil é realmente profunda com relação às políticas de drogas no país.
Após julgamento de nove anos, interrompido diversas vezes, a maioria dos ministros decidiu que o porte de maconha para consumo próprio não constitui mais um crime, mas uma infração administrativa.
Conforme o especialista em direito constitucional Faustino da Rosa Júnior, a decisão do STF “representa um avanço significativo na jurisprudência brasileira, refletindo uma mudança na abordagem do sistema jurídico em relação ao consumo pessoal de drogas.”
A decisão não legaliza o uso de maconha, mantendo-o como uma atividade ilícita. O consumo em público continua sendo proibido, e a Lei de Drogas (11.343/2006) permanece em vigor, estipulando medidas como a prestação de serviços à comunidade e cursos educativos para usuários.
No entanto, a posse de maconha para uso pessoal não acarretará mais consequências criminais, como prisão ou registros criminais por reincidência.
“A descriminalização do porte de maconha para uso próprio não apenas busca reduzir o encarceramento injusto, mas também promove uma abordagem mais humanizada e baseada em evidências para lidar com o uso de drogas no Brasil”, sustenta Rosa Júnior.
A definição da quantidade que diferencia o uso pessoal do tráfico de drogas foi estabelecida pelo STF no dia seguinte, 26 de junho. O limite é de 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas como critério para diferenciar usuário do traficante.
Victor Quintiere, professor de direito penal do Centro Universitário de Brasília (CEUB), analisa a decisão também como um marco na legislação brasileira.
Ele reforça o fato de que a decisão do STF não legaliza o uso da maconha, mas elimina a criminalização para o porte em pequenas quantidades destinadas ao consumo pessoal.
“Isso representa um avanço na despenalização da conduta, focando em uma abordagem mais centrada na saúde pública e menos na punição criminal direta”, acentua.
Quintiere destaca que a decisão terá implicações imediatas nos processos em andamento e que, a partir da publicação do acórdão, o impacto será direto nos procedimentos judiciais em curso, potencialmente encerrando muitos casos baseados no artigo 28 da Lei de Drogas.
“Muitos processos baseados no artigo 28 da Lei 11.343 estão sendo revistos quanto ao reconhecimento da reincidência. A tendência é que, com a decisão do STF, esses processos sejam revistos e as pessoas absolvidas.”
O professor explica que a decisão não altera a necessidade de uma política nacional de controle de entorpecentes, sendo as campanhas de conscientização sobre os riscos das drogas fundamentais para a saúde pública.
“Estamos discutindo critérios como indicativos de uso pessoal. Essas definições são fundamentais para a aplicação prática da decisão a partir de agora”, diz ele.
De acordo com a votação recente, os indivíduos encontrados com pequenas quantidades poderão enfrentar sanções administrativas, mas não penais. “Isso representa uma mudança significativa na abordagem do Estado em relação aos usuários de drogas”, esclarece o docente.
Trata-se de uma transformação na abordagem legal das drogas no Brasil. “A decisão atuará na promoção de uma política mais equilibrada entre saúde pública e ação penal”, reforça.
O artigo 28 da lei 11.343 trata do porte de drogas para consumo pessoal, considerado uma infração menos grave. O artigo especifica que a compra, guarda ou porte de drogas sem autorização está sujeita a advertência sobre os efeitos do uso de entorpecentes, prestação de serviços à comunidade e participação obrigatória em programa educativo.
A caracterização do consumo pessoal leva em conta diversos fatores, como a natureza e quantidade da substância apreendida, a forma e o local da apreensão, as circunstâncias sociais e pessoais do autuado, além de sua conduta e antecedentes criminais.
Entre os posicionamentos contrários à descriminalização, há muitos coerentes e embasados, alheios aos discursos politiqueiros oportunistas de sempre (ainda mais acentuados em ano eleitoral), os quais merecem respeito, naturalmente.
Um deles sustenta o argumento de que essa medida – mormente quando confundida com “liberação” (embora sejam coisas distintas na prática) – pode estimular o consumo de maconha e, por consequência, de outras drogas.
Em que pese esse justo respeito, o fato de o consumo de todas as drogas em geral ser crime, claramente, não está inibindo ninguém há muito tempo, senão enriquecendo o tráfico e o próprio “crime organizado”.
Inibir pelo medo, portanto, não está funcionando, e pensar que apenas pela possibilidade da “não” prisão poderia levar mais pessoas a se drogarem também não parece ser algo muito coerente, até porque a busca pelas drogas não ocorre por motivos necessariamente racionais, muito menos jurídicos.
Por outro aspecto, não há dúvida de que, no final das contas, quando os usuários são pegos, quem acaba sofrendo as maiores punições são aqueles com menos dinheiro, tão somente porque não podem pagar as melhores defesas, por meio de advogados mais capacitados.
Não por outro motivo, por sua vez, quem vai para a cadeia mais ágil e severamente costuma ser o pequeno traficante, quando não o “intermediário”, que se expõe na ponta do tráfico, mantendo o maior criminoso na obscuridade e sendo ele mesmo, não raro, também um “consumidor viciado”.
Diante desse panorama extremamente injusto, no mínimo, seria mesmo fundamental não punir de forma desproporcional os que cometem os menores crimes (como o consumo) com as maiores penas, como se fossem estes os criminosos de fato.
De resto, se o estado falha em prestar seus serviços na área de segurança e, principalmente, nas instâncias da Educação, social e de saúde pública, inibindo esse interesse todo pelas drogas, seria muito útil o reconhecimento dessa incompetência, com consequentes mudanças reais no combate às drogas, distantes da mera e simples punição.
Resumindo, resumindo, seria, entre tantas, uma mudança de realidade no seguinte sentido: cadeia para os “grandes” traficantes, com um trabalho de evolução constante da “inteligência” no sistema de segurança pública.
E mais importante: perspectiva de futuro e informação junto aos jovens, levando-os a reconhecer que, apesar dos possíveis lucros rápidos e consideráveis, não é bom negócio servir ao tráfico, porque isso “implicaria” em perda de um futuro digno e decente – senão da própria vida.
E, finalmente, que, a despeito dos prazeres momentâneos que os entorpecentes proporcionam, vale muito – mas muito mais mesmo – dizer “não às drogas”, dado não ao medo de prisão, mas à consciência sobre seus profundos males.