Da reportagem
A Justiça Restaurativa de Tatuí esteve representada pelo juiz de direito do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Marcelo Nalesso Salmaso em reunião virtual promovida pelo Núcleo de Incentivo em Práticas Autocompositivas (Nuipa).
O evento aconteceu no dia 3 e, segundo a organização, teve como objetivo “a apresentação do projeto de práticas restaurativas na área de infância e juventude no âmbito do Ministério Público de São Paulo”. Em Tatuí, Salmaso atua como membro do grupo gestor da Justiça Restaurativa e coordenador do núcleo local.
O magistrado falou da importância de convidar toda a comunidade para “repensar a lógica de convivência social, atualmente pautada por diretrizes que fomentam a competição entre as pessoas”.
“Assim, podemos mudar nossa visão de mundo para construir uma lógica pautada pelo diálogo, tolerância, reparação de danos e responsabilidade coletiva. Quando seres humanos são pautados pelo cuidado, menos danos são gerados”, sustentou.
Na abertura da reunião, a coordenadora do Nuipa e assessora do Centro de Apoio Operacional Cível (CAO Cível), Sirleni Fernandes, explicou o papel da Justiça Restaurativa para o enfrentamento de conflitos por meios que vão além dos métodos tradicionais.
“Nosso objetivo é qualificar ainda mais o trabalho de quem lida com a mediação de contendas”, acentuou. Outro propósito é “criar espaços seguros para novas formas de pensar e agir”, acrescentou Sirleni.
De acordo com ela, entre os princípios do núcleo, estão a adoção de postura diferente diante de conflitos e a compreensão do ato a partir de danos causados às pessoas e relações, assim como a busca por resultados voltados à responsabilização ativa, reparação dos danos e identificação da corresponsabilidade individual e coletiva.
Em Tatuí, Salmaso lembrou que, no final de 2017, foi assinado o termo de cooperação entre a prefeitura e o Tribunal de Justiça de São Paulo, constituindo formalmente o Núcleo de Justiça Restaurativa.
“Foi algo pioneiro no estado de São Paulo, e Tatuí passou a ser uma referência para outros municípios, sendo, hoje, uma vitrine não só para o Brasil, mas também para o mundo”, afirmou o magistrado.
Segundo o juiz, a principal característica do projeto realizado na cidade é o fato de não ser utilizado apenas como uma técnica de resolução de conflitos, mas como instrumento de transformação social.
“A JR surge como um contraponto à concepção tradicional da Justiça criminal, propondo um novo paradigma na definição de crime e dos objetivos da Justiça”, ressaltou.
Salmaso comentou que “se entende o crime como violação à pessoa e às relações interpessoais, e o papel da Justiça deve ser o da reparação dos danos causados não somente à vítima, mas também à sociedade”.
“O juiz, por exemplo, faz parte da comunidade em que atua e, ao estar na proposta da Justiça Restaurativa, ele não está na sua função jurisdicional comum e, sim, passa a ser um gestor de um projeto em parceria com os demais setores da sociedade”, explicou.
“Temos o Poder Executivo, o Judiciário, o Legislativo, a sociedade civil organizada, a Polícia Militar, autoridades civis, todos juntos dialogando e alinhando em prol do bem comum, e isso é de grande importância para fortificar as ações do programa”, defendeu.
De acordo com o juiz, a violência doméstica sempre existiu em razão da cultura patriarcal e machista. “Antigamente, isso era algo abafado, que ficava escondido dos holofotes. Agora, as mulheres estão se empoderando, não toleram mais esta ideia e estão se encorajando para denunciar as questões envolvendo violência”, afirmou.
O magistrado lembrou que “todos são seres complexos, multidimensionais, frutos das influências, das suas histórias e relações, porque são seres relacionais”. Isso, contudo, não os exime de suas responsabilidades pelas decisões”.
“Tudo isso se constrói a partir da nossa história, de tudo aquilo que recebemos neste contexto inter-relacional em que estamos envolvidos”, mencionou.
O papel do grupo gestor interinstitucional para implementação da JR foi destacado pela promotora de Justiça Fernanda Gomez Damico, que trabalha na comarca da cidade de Pontal. “Esse comitê é o ponto inicial para desenvolvimento do projeto”.
Bruna Varejão, promotora em Cajuru, classificou o órgão como uma “revolução social”. “Queremos um projeto de lei que permita a institucionalização da iniciativa”, pediu. Ela ainda falou sobre o curso de formação para conselheiros tutelares desenvolvido no grupo da Justiça Restaurativa.
Para o juiz de direito Egberto de Almeida Penido, responsável pelos trabalhos do grupo gestor da Justiça Restaurativa e integrante da coordenadoria da infância e juventude do TJSP, a JR “se caracteriza pelo olhar não só sobre o esgarçamento relacional, mas também a respeito de violências estruturais e simbólicas”. “Precisamos analisar nossas próprias crenças e ver como elas são cúmplices de um sistema construído na lógica do poder sobre o outro”, pontuou.
“Para quem está inserido na Justiça Restaurativa, ela vira uma filosofia de vida. Ganhamos melhor compreensão, por exemplo, sobre o núcleo familiar e o papel da escola na solução de conflitos”, concluiu Ana Paula Flores, do Instituto Acolher.