Aqui, Ali, Acolá
José Ortiz de Camargo Neto *
Frase do dia: Recordar é viver o passado no presente
Caros amigos:
Eu era menino. Nem vou dizer há quantos anos. Na saudade não existe tempo nem espaço. Só sei que a vida sorria, aberta em flor, e a felicidade parecia a coisa mais natural do mundo. Na casa vizinha da nossa, na praça Manoel Guedes, vivia o senhor José Brasílio e a esposa.
Era um homem já de idade, magro, simpaticíssimo, andava sempre de paletó, parecia o James Stuart, e sofria de um problema de enfisema pulmonar, suponho que uma consequência dos cigarros que talvez fumara longo tempo.
Do muro do quintal de minha casa eu podia ver o quintal deles ao lado. Havia uma piscina rasa, onde sempre o Clóvis del Fiol e sua irmã Cláudia vinham brincar. Às vezes eu ia lá brincar com eles também. O céu era azul, o sol uma roda de ouro, a vida era alegre e bela.
Uma casa depois dessa era a morada do seu Frank Del Fiol, dono de uma grande fazenda, cujo cuidado passara a seu filho Luís. Era o pai da Marcinha del Fiol, nossa companheira de brincadeiras. Nossa, digo, minha, da minha irmã, da Maria Clementina Chegan, de sua irmã Deise e do Neno, seu irmão.
Para nós, a Maria Clementina era simplesmente a Nin. Ela morava na esquina da praça, era da família Chegan, que tinha comércio de refrigerantes, e às vezes ganhávamos uma garrafa deliciosa de Taubaína (era assim que chamávamos).
Seu Frank era pai do Toninho del Fiol, o famoso apresentador do Mappin Movietone e locutor da Jovem Pan. Após se aposentar, seu Frank ficava debruçado no peitoril da área de sua casa, vendo o que acontecia na rua. Era sério e calado. Minha irmã, que estudava piano no Conservatório, treinava no piano da Marcinha.
Subindo a rua da praça Manoel Guedes, em direção à Praça da Matriz, havia a casa do Chiquinho da dona Imaculada. Ela, uma simpática senhora, estava sempre na janela e mexia com quem passava.
Era mãe do Chiquinho, do Ulisses, do Gordo e do Arquimedes, todos grandes barbeiros da cidade, o primeiro um músico também da orquestra do Conservatório. Também mãe da querida Jacira, que nos recebeu tão bem quando voltamos da Europa. Não conheci o marido da dona Imaculada, mas devia ser um homem culto, pelos nomes gregos que deu a seus filhos.
Agora que escrevo, revejo todos esses queridos personagens da minha infância, vivida entre a rua e as estrelas, entre o quintal de nossa casa e o universo.
De fato, recordar é viver o passado no presente.
Até breve.