Verdade que haverá eleições neste dia 30?

Independentemente de quem vença as eleições neste final de semana, uma fragorosa derrota já pode ser antecipada: a da “verdade”! Em razão do volume de fake news ocorrido a partir de 2018, prometeu-se aos brasileiros que, desta vez, a terra sem dono da internet seria domada. Ledo engano, como se diz – para não emplacar o termo “mentira deslavada”.

A aposta em manipular a opinião pública foi redobrada com teorias das conspirações as mais diversas e estapafúrdias, tal como distorções de fatos e invenções descabidas, acabando por esculachar de vez com o processo eleitoral e, tragicamente, impedir a avaliação plenamente justa quanto aos melhores candidatos – ou menos ruins, como queiram.

A esculhambação chegou ao nível de se alcançar ainda mais resultado prático na deliberada e artificial confusão entre “liberdade de expressão” e direito à mentira.

São conceitos aplicados a situações absolutamente distintas, as quais apenas não têm seus contornos nítidos para quem optou pela abstração política (senão moral), seja por interesses pessoais muito práticos ou monetários, por sectarismo ideológico incauto ou por puro apreço ao caos – como se dele tirasse proveito e não ajudasse a arruinar o futuro do país.

Um dos aspectos mais inacreditáveis neste cenário é visto, inclusive, quando autoridades da “Republica” – cônscios de suas obrigações para com o país e não com grupos partidários – faz de conta não saber a diferença entre dar opinião e mentir… Qual seria, afinal, o interesse de figuras dessa natureza?

Na dúvida, um exemplo simples da desigualdade pode ser exposto se você, leitor ou leitora, imaginar-se na condição passiva dentro da guerra de “narrativas” (odiosa expressão da atualidade a disfarçar as manipulações sustentadas por cascatas). Nele, seria, digamos, comerciante de bengalas.

Aí, você abre suas redes sociais e vê nelas que um indivíduo se manifesta defendendo a “opinião” dele de que, na verdade, bengalas não servem para nada, mesmo a pessoas idosas, as quais, deveriam, segundo esse grande pensador, substituir o utensílio por aulas de lambada, “unicamente eficazes para rejuvenescer os músculos e, assim, garantir mais segurança e força física aos longevos”.

Mais até: o Aristóteles do “Zap” ainda diz que você, leitora ou leitor empreendedor (a), “deve torcer” para que as calçadas sejam cada vez mais danificadas, esburacadas, para que, dessa forma, mais idosos caiam, machuquem-se e venham a comprar seus produtos de suporte.

Até aí, apesar da evidente demonstração de carência cognitiva e excesso de má-fé, o sabichão do Zap estaria apenas, realmente, levando a público suas opiniões, exercendo, portanto, seu direito à liberdade de expressão – ainda que obtusa.

Não obstante, leitora ou leitor, se esse mesmo paladino do livre pensar usa de qualquer meio de comunicação para, digamos, afirmar que “bengalas não ajudam os claudicantes” e que, bem pior, você está fazendo buracos nas calçadas, durante as madrugadas, para causar acidentes propositadamente, aí, trata-se de mentira! Nada mais.

Então, chega-se à seguinte situação: você ficaria quieto (a) em nome da (falsa) “liberdade de expressão”? Ou, sentindo-se prejudicado (a) e ofendido (a), buscaria a Justiça (com “J” maiúsculo)?

A segunda opção parece mais razoável, até porque você ponderaria, com razão, que seu negócio de bengalas estaria em risco se a grande maioria dos lesionados ou muito idosos viesse a acreditar nas baboseiras e parasse de comprar seus produtos.

Haveria, pela hipotética situação, uma real “lesão” a seu empreendimento, com perdas materiais e de imagem concretas, não lhe deixando alternativa senão reagir e torcer para que a opinião não seja confundida com mentira e, afinal, a tal “verdade” liberte a todos – ou pelo menos que a “Justiça seja feita”, preferivelmente antes de sua empresa ir à falência.

Mas, não só: pessoas seriam levadas maliciosamente a erro, como aquelas que, entre tantos exemplos bizarros, temendo contraírem Aids, deixam de tomar vacina contra a Covid-19 (aqui em nossa história, seriam pessoas se estabacando desnecessariamente no chão porque perderam a fé na bengala…).

Só que não para por aí: em meio à perigosa farofada de fake news, ainda se encontram ofensas e ameaças – como se, de repente, dissessem-lhe que, ou você para de produzir bengalas, ou vão botar fogo em sua fábrica (atirar em você com armas do Exército ou jogar granadas em sua direção, também como queiram).

Novamente, se não procurar o Judiciário, sobra-lhe fazer o quê? Apesar de o problema não ser de difícil compreensão, a má política de se embaralhar fatos somente para confundir e tirar proveito da confusão não só aumentou, mas ganhou suporte até de alguns setores da própria Justiça. Inacreditável!

Buscando entender melhor a distopia causada pela confusão maldosa, em artigo recente, Joel Pinheiro da Fonseca, economista e mestre em filosofia pela USP, acentuou algumas das mais nocivas consequências da guerra de fake news. Ele descreve:

“Fake news, calúnias e todo o resto são muito danosos à ordem social. Primeiro porque nos afastam da verdade. Segundo, porque empobrecem o debate. Canibalismo, pedofilia, tráfico sexual e tortura de crianças, satanismo, maçonaria, orientação sexual, falso atentado. Essa foi a agenda das últimas semanas enquanto o Brasil se prepara para definir seu futuro. Terceiro, porque intimidam os participantes e tolhem a liberdade de expressão.

E em quarto lugar porque promovem o fanatismo e a polarização que estão destruindo a sociedade. Lembrando que polarização não é a existência de ideias divergentes, mas o ódio e a desconfiança que fazem cada lado ver no outro, não um adversário legítimo na democracia, mas um inimigo a ser extirpado. O tipo de política que ela elege, dado a grandes mostras simbólicas de radicalismo, mas incapaz de entregar resultados, também contribui para a disfuncionalidade da política.”

A desinformação, portanto, é tamanha, carregando tanta confusão e dúvidas, que chega a ser pouco surpreendente até se questionar, a esta altura, se haverá mesmo eleições neste final de semana. Bom, pelo menos até o dia desta redação, o pleito ainda estava na agenda.

De qualquer maneira, a considerar-se tantas trágicas disfuncionalidades, seria muito interessante considerar um critério, segundo o qual, talvez os candidatos que mais mentem deveriam ser aqueles menos dignos de voto.

Fica a sugestão, e que todos tenhamos neste segundo turno um dia de paz, ordem e, ao final, motivos para festejar a manutenção desta que é uma das maiores conquistas do Brasil em seus mais de 500 anos: a democracia!