Da reportagem
Duas praças, uma área para café com banheiro masculino e feminino e um guarda-corpo para acesso visual. Essa é, basicamente, a descrição do “Memorial do Rugby 1928”, projeto aprovado pelos conselheiros do Comtur (Conselho Municipal de Turismo) na quarta sessão ordinária do ano.
O encontro, realizado dia 3, teve apresentação e votação da proposta. Antes da deliberação, membros do conselho divergiram a respeito da alocação do recurso de R$ 615 mil e debateram sobre o prazo de apreciação das propostas relacionadas ao turismo – apontado como geralmente pequeno – e a ausência de um “banco de projetos”.
A ideia da prefeitura, com o espaço, é valorizar um dos veículos mais estimados do município: o Ford Rugby 1928, e, por meio dele, formar um novo complexo turístico. O conjunto de atrativos englobaria, além do memorial, o novo paço municipal – inaugurado em setembro do ano passado –, e o futuro MIS (Museu da Imagem e do Som), que teve as obras de restauração do edifício iniciadas em julho de 2020, com expectativa de ser concluído em breve.
“O memorial vem para dar mais estrutura ao público que já visita a região”, conforme defende o secretário municipal do Esporte, Cultura, Turismo e Lazer, Cassiano Sinisgalli. Ele sustenta que “os recursos serão bem aplicados, pois viabilizarão para as pessoas acesso a sanitários e áreas para descanso e alimentação”.
Sinisgalli ainda argumenta que o memorial trará mais recursos aos cofres públicos, “fazendo girar a economia e consolidando, de vez, a região do novo paço municipal como turística”. “Muitas pessoas que vêm ao município são levadas para conhecer a nova prefeitura, ou passam para ver. Isso já acontece”, diz.
Com o memorial, a previsão é de que o movimento aumente. Em particular, pela curiosidade em torno do veículo. Patrimônio de Tatuí, o carro antigo pertenceu ao médico Gualter Nunes e está em processo de restauro. A recuperação deve custar entre R$ 15 mil e R$ 20 mil. Já o memorial será mais caro.
A explicação está no custo dos materiais e no tipo de construção. O projeto do memorial é assinado pela arquiteta Veridiana Pettinelli, inspirado na “cultura viking” e fruto de um pedido feito à profissional, há pouco mais de dois anos, pela ex-prefeita Maria José Vieira de Camargo, falecida em agosto de 2021.
A intenção de criar um espaço apropriado para o veículo surgiu em 2019, durante uma visita da prefeita à primeira etapa do MIS. “Andando pela obra, ela me disse que seria interessante colocarmos o Rugby lá, ao invés de deixá-lo no museu (Museu Histórico ‘Paulo Setúbal’)”, relembra a arquiteta.
Veridiana conta que Maria José repassou o desejo para o secretário da Cultura, que, mais tarde, solicitou a projeção de uma obra. Na época, Sinisgalli havia pedido um projeto “mais simples”.
“Só que a imaginação de arquiteto vai longe. E eu decidi fazer algo mais imponente, mais bonito, para ser lembrado, porque não é qualquer cidade que tem um Rugby 1928”, diz a arquiteta.
O carro antigo pertence atualmente ao acervo da casa de cultura e será cedido para exposição permanente. “Ele continuará sendo do museu, mas vinculado ao MIS, que será um órgão do ‘Paulo Setúbal’”, pontua o secretário.
Na apresentação aos conselheiros, a arquiteta enfatizou que o memorial acompanha um legado deixado pela ex-prefeita. Veridiana citou que “a obra é uma tentativa de dar continuidade à missão iniciada por Maria José”.
Respondendo aos questionamentos dos conselheiros quanto ao prazo de apresentação, Veridiana disse que o projeto não havia sido apresentado antes em função de compromissos profissionais.
A arquiteta precisou readequar a proposta original, que estava pronta havia dois anos, mas se perdera em um dos servidores da prefeitura. O equipamento, conforme Sinisgalli, queimou.
Junto com ele, a secretaria e demais órgãos da municipalidade perderam propostas que já estavam prontas e poderiam ser submetidas ao crivo dos respectivos órgãos.
Entre elas, um projeto de R$ 1.113.067,96, escrito em 2019 e apresentado no mesmo ano, para restauração do armazém de cargas do conjunto da antiga estação ferroviária do município. A proposta previa captação de recursos junto ao FID (Fundo Estadual de Defesa dos Interesses Difusos).
A O Progresso de Tatuí, Sinisgalli explicou que convocara os conselheiros para votação às pressas porque temia perder o prazo de inscrição de projetos para a utilização do recurso do MIT (Município de Interesse Turístico) deste ano.
O período terminou na quinta-feira, 12, e, caso o projeto não fosse aprovado pelo conselho, o município não poderia inscrevê-lo e perderia o recurso direcionado pelo Dadetur (Departamento de Apoio ao Desenvolvimento dos Municípios Turísticos).
De acordo com o secretário, o município poderia ter um prazo “um pouco mais elástico” para pleitear a verba, entretanto, implicaria em algo mais arriscado.
Nesse sentido, o órgão poderia esperar para inscrever o memorial – ou outra proposta deliberada – até o fim do ano. “O problema é que, por ser ano eleitoral, o nosso medo era de que, com a troca de governos, o recurso pudesse ficar contingenciado”, explicou.
Durante a apresentação do projeto, todos os conselheiros concordaram com a necessidade de se garantir o recebimento do recurso estadual, embora parte deles tenha acentuado a importância de mudança na dinâmica quanto à votação dos projetos em termos de tempo e opções.
O professor Luiz Antonio Galhego Fernandes, por exemplo, pontuou que sente falta de uma metodologia de planejamento de projetos. Lívia Amara Rodrigues de Oliveira, gerente do jornal O Progresso de Tatuí, questionou sobre a utilização do recurso em um único dispositivo.
Fábio Rogério Vieira, gerente-geral do Hotel Del Fiol, também se posicionou de maneira crítica, ressaltando a recorrência da falta de tempo para a apreciação dos projetos.
Selma Regina Pineda Vicente, representante técnico-administrativo da Faesb (Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara), aprovou a proposta do memorial com ponderações. Ela mencionou a necessidade de o conselho e da secretaria estabelecerem um modelo de trabalho. “Precisamos elaborar projetos urgentemente, a partir do mês que vem”, ponderou.
Eric Proost, empresário do setor de turismo, também comentou sobre o prazo de votação. Ele argumentou que os projetos deveriam ser analisados pelo Comtur com antecedência.
Sobre as questões, Sinisgalli respondeu que os projetos levados ao conselho – mesmos os com prazo curto – estão em consonância com o Plano Diretor de Turismo de Tatuí.
Declarou, ainda, que há projetos aprovados pelo conselho e que aguardam recursos. Entre eles, o que prevê a instalação de totens com informações turísticas. Contudo, essa iniciativa necessitaria de uma verba menor, carecendo de ajustes.
“Mas penso que o interessante é trabalharmos durante o ano novos projetos. Nós precisamos de participação mais ativa dos conselheiros para construirmos juntos. Cada um pode ajudar a pensar em novas soluções”, completou.
Além da colaboração, Sinisgalli informou que a prefeitura já contratou uma empresa especializada em projetos. Entretanto, antecipou que ela não atenderá exclusivamente à pasta da Cultura. Dividirá atenção com os demais setores.
A verba de 2022 é a maior já obtida pela administração municipal desde que a cidade ingressou no programa de incentivo ao turismo do governo de São Paulo. Em princípio, ela será alocada para uso na “primeira fase” do memorial.
Sinisgalli explicou que a medida foi tomada pela pasta para garantir que o projeto tenha continuidade, no caso de os R$ 615 mil não forem suficientes. Nessa situação, uma segunda ou uma terceira etapas poderão ser solicitadas.
Apesar de considerável, a arquiteta argumentou que o valor está condizente com o mercado. Veridiana declarou que a construção civil está tendo alta nos materiais em função da procura e da escassez no mercado interno, por conta da exportação de minérios (ferro, principalmente) e cobre. Ela acrescentou que uma construção de médio porte custa em torno de R$ 650 mil.
“Parece muito dinheiro, e realmente é, mas, para obra, hoje em dia, depois da pandemia, e com o mercado aquecido, acaba sendo o necessário”, justificou.
Centro das atenções
A ideia do projeto é colocar o Rugby no centro das atenções. Para isso, o veículo ficará entre duas praças. Entretanto, ele estará em uma área isolada do público. “Ninguém vai poder por a mão”, disse Veridiana. “O público poderá olhar, tirar fotos, mas sem sentar e tocar no veículo”, adicionou.
Segundo ela, o projeto prevê uma área de acesso para manutenção e limpeza do carro. Ele ficará em exposição dentro de uma espécie de célula, coberta com um telhado projetado especialmente para o memorial e revestida com vidro.
As vigas da cobertura terão dois metros de altura, sendo implantadas por meio do MLC (madeira laminada colada). De acordo com a arquiteta, trata-se de um sistema construtivo utilizado somente por três empresas no Brasil. Veridiana contou que já havia tido contato com o método em uma viagem à Noruega.
Lá, visitou um barco viking, de aproximadamente mil anos de idade, construído com a mesma estrutura. O sistema que será implantado no memorial é um pouco diferente, sendo sustentável, porque utiliza madeira de reflorestamento.
Além da durabilidade, outra vantagem é que o MLC garante uma “plástica diferenciada” ao projeto. A arquiteta explica que, como o material é feito prensando-se e colando a madeira, ele fica mais maleável, podendo ser moldado.
O memorial contará com duas praças, com bancos, uma área para café e dois sanitários. O Rugby ficará em cima de um deque, “descansando” em um talude e sob a sombra de uma cobertura de madeira.
“As pessoas vão circular ao redor dele”, descreveu Veridiana. O carro ficará dentro de área protegida por um guarda-corpo (uma proteção à meia altura) de vidro espesso.
A obra conta com uma rampa para a retirada do carro, uso da equipe de manutenção e limpeza, ou para que o veículo possa ser utilizado em eventos como o desfile cívico de 11 de agosto.
“É algo que não tinha quando ele estava exposto na praça do museu. Ficava parado lá e desprotegido. A ideia é enaltecer o veículo, que é uma raridade”, complementou.
O projeto final é menor que o original e prioriza elementos modernos para contrastar com o veículo, mais antigo. “Há poucos itens, cimento, madeira e a cobertura metálica pintada em preto, além dos vidros para os dois lados”, enumera.
O vidro terá película de proteção UV (ultravioleta) e a cobertura receberá um tratamento especial, por conta do calor. O objetivo é evitar que o sol agrida a pintura do veículo ou deteriore partes do estofado. Há planos, inclusive, de instalação de ar-condicionado na estrutura, para controlar a temperatura.
A ideia do projeto é que ele não ofusque a beleza do veículo. Por isso, o memorial será instalado no segundo platô do terreno em que está a nova prefeitura. Ficará entre o paço municipal, no primeiro patamar, e o futuro MIS, no terceiro.
O público que visitar o veículo poderá descansar nas praças ou consumir alimentos no café. Também haverá uma área de recepção para informações, distribuição de folders e materiais informativos e de cunho turístico.
No total, serão 227,12 metros quadrados de área construída, somando a cobertura, com 194,40 metros quadrados, e os banheiros, que terão 32,72 metros quadrados. O deque, que não está na soma, totaliza 475,2 metros quadrados.
O prazo de construção do projeto, a partir da aprovação no Dadetur e da finalização da licitação, é de um ano. A expectativa de Sinisgalli é de que o restauro do Rugby fique pronto no mesmo período que o memorial, quando da inauguração dele.
O veículo está sendo restaurado pelo Antigomobilismo Clube de Tatuí, em parceria com a prefeitura e voluntários. Aos conselheiros, o secretário da Cultura antecipou que o Executivo já cedeu os pneus. “Eu me coloquei à disposição para tentar, através de empresários, conseguir outros recursos”, mencionou.
Outros projetos
Durante a reunião, três outros projetos voltados ao turismo chegaram a ser mencionados pelos participantes. Eles tratam da restauração da estação ferroviária, do Mercado Municipal “Nilzo Vanni” e do complexo fabril São Martinho.
No entanto, o secretário explicou que não há projetos concluídos (básicos e executivos). Por enquanto, o que existe são intenções. Além disso, Sinisgalli lembrou que as revitalizações exigiriam valor maior que os R$ 615 mil.
Para esses trabalhos, a meta é que o Comtur trabalhe na elaboração de requisitos. Sugira, por meio de um documento, quais ações considera mais relevantes.
Com o registro em mãos, a secretaria poderá apresentar a uma eventual empresa contratada, como no caso do Mercadão, que tem terceirização autorizada.
A ideia é compartilhada pelo presidente do Comtur, César Augusto de Araújo. Ao jornal, ele declarou que o papel dos conselheiros é sugerir e provocar transformações. “Não é só vir, sentar e ouvir”, ressaltou.
Na avaliação dele, o encontro foi positivo, uma vez que determinou a urgência do início das atividades do banco de projetos turísticos e estimulou a apresentação de ideias divergentes, mas democráticas.
Além disso, o encontro marcou a retomada das discussões efetivas de forma presencial. O presidente relembrou que, por conta da pandemia, o Comtur realizou eventos apenas virtuais, dificultando a apresentação de novas ideias.
“A indústria do turismo ficou parada. O turismo foi o que mais sentiu com a pandemia. O setor de alimentos continuou vendendo, até vendeu mais. A economia nesse sentido cresceu, mas o turismo, realmente, ficou parado: hotéis sem hospedes, as pessoas sem poder viajar, sem recursos emergenciais, e o conselho sem conseguir apresentar projetos novos”, concluiu.