A rapidez com que se julga tudo e a todos é, como todos sabem, um dos maiores fenômenos da contemporaneidade – em particular, desde o advento das redes sociais e seu consequente megafone aberto 24 horas por dia.
Esta hipotética, inédita e soberba “liberdade”, em igual medida, implica em responsabilidade –ou deveria implicar. Contudo, a despeito de não ser segredo, muitos se esquecem de que suas opiniões e manifestações podem tomar proporções exponenciais, singularmente quando polêmicas.
Ainda que em aplicativos de “tête-à-tête” ou grupos fechados – como o WhatsApp –, a possibilidade de “vazamento” das conversas é mais que real, senão óbvia em algumas situações.
O exemplo mais atual e contundente de episódio dessa natureza é protagonizado pelo deputado estadual Arthur do Val, o popular Mamãe-Falei (Porcaria Fedida, Deitei e Rolei em Cima – com o perdão ao “chiste”).
O nobre parlamentar paulista, como também é sabido por todos, foi à Ucrânia para promover uma ação humanitária, mas, de repente, sentiu-se na condição de um caça-talento de supostas prostitutas (“fáceis e pobres”) e deu início a uma sessão online de avaliações sobre as moças aos amigos, elogiando-as quanto à beleza, embora acentuando ser essa virtude muito mais significativa que o fato de elas e seus familiares estarem sendo expulsos do próprio país somente com a roupa do corpo, quando não simplesmente mortos.
Claro, exemplo desse naipe (que não por coincidência reverbera a postura de um determinado segmento político do país, marcado pelas indisfarçadas colorações neonazistas), poderia servir muito bem à reflexão por parte daqueles que, verdadeiramente, buscam pessoas “do bem” para representá-los na política…
Nesse caso, parece não haver dúvida quanto à índole insensível, desumana e oportunista do nobre parlamentar. Resta ver o que a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo decidirá sobre o futuro do colega – mais uma vez lembrando que caberia aos eleitores enquadrá-lo em julgamento muito mais contundente e duradouro. A ver também.
Por sua vez, embora em situação sensivelmente diferente, Tatuí passou a testemunhar outra manifestação em rede social que acabou por ganhar até o noticiário nacional: a acusação de racismo e misoginia enfrentada pelo vereador Cláudio dos Santos, conhecido como Claudião Oklahoma (PSL).
A denúncia é feita por uma profissional da área financeira, de 33 anos, a qual levou a pública uma suposta troca de mensagens entre o parlamentar tatuiano e amigos em um grupo de WhatsApp.
A esta altura, todos na cidade já tiveram acesso ao conteúdo das mensagens (com certeza), inclusive às partes, diga-se, não publicáveis em jornais, pela contundência das obscenidades, passíveis de ofender a muitos leitores.
A troca de mensagens teria ocorrido no dia 12 de março, vindo a público na madrugada do dia 28, quando coletivos feministas e antirracistas publicaram notas de repúdio contra o parlamentar.
Segundo informações de membros dos coletivos, as ameaças podem ter sido motivadas por causa de um atrito político entre o vereador e o esposo da vítima, “que faz parte da oposição”.
Conforme cópias da conversa, algumas das ofensas postadas no grupo foram: “carvão queimado”, “chita”, “diabo de feia”, “dragão desgraçada de feia”, entre outras.
Além dessas, que seriam direcionadas à vítima, o vereador teria desferido xingamentos contra o filho da mulher, dizendo: “É tão feio que acho que criaram a placenta e jogaram o feto fora”.
A O Progresso de Tatuí, a vítima (que não quis se identificar) afirmou ter sido informada sobre o teor das mensagens por um amigo, no dia 18. Na mesma data, ela registrou um boletim de ocorrência pela delegacia eletrônica. A vítima também declara ter sido procurada e ameaçada pelo vereador no local de trabalho dela.
A reportagem entrou em contato com Santos já no dia 29 de março, o qual afirmou que o conteúdo é “fake” e baseado em uma “montagem”. Já no período da tarde do mesmo dia, o parlamentar enviou uma nota à redação, reforçando que “as narrativas são mentirosas”.
Partes da nota (em reprodução exata, conforme o texto): “Ao receber o conteúdo e ao ser procurado, verifiquei que se tratava de montagens para me prejudicar, sem qualquer nexo e/ou verdade, produzidos por um desafeto que há tempos vem atacando eu e minha família, por razões políticas, principalmente por não ter cedido a pressões políticas para beneficiar – ilicitamente – tal pessoa”.
Santos sustenta que “a pessoa por trás desta manobra, utilizou a própria esposa para deflagrar as campanhas sociais, e inclusive, produziu conteúdo contra a ex-prefeita deste município, ironizando seu falecimento, atacando diretamente a filha e o marido, e mais, conhecido no meio político por criar ‘fake news’, e mais, respondendo à processos/procedimentos por criar tais conteúdos, inclusive, se intitula ‘destruidor de reputações’”.
Em desdobramento à denúncia, o advogado Raul Marcelo e as integrantes do coletivo Juntas de Tatuí e Região, Jenyffer Coelho e Kátia Silveira, entraram com representação tanto no Ministério Público quanto na Câmara Municipal contra o vereador, no dia 30 de março.
De acordo com a ação, o objetivo é que esses órgãos investiguem o caso e responsabilizem criminalmente o parlamentar por injúria racial.
Ainda na quarta-feira, 30 de março, foi protocolada uma representação pública que pede a cassação do vereador. O documento é de autoria do diretório do Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Ao vivo pelas redes sociais, nessa mesma quarta-feira, o vereador reforçou que as mensagens atribuídas a ele fazem parte de um complô.
O coletivo feminista Rosas da Revolução e o movimento Alvorada Antirracista também protocolaram denúncia de racismo e misoginia contra o vereador, na tarde do dia 1º.
Já nesta semana, segunda-feira, 4, em sessão marcada pela presença de inúmeros manifestantes, a Câmara Municipal aceitou dez representações contra Santos.
Na mesma ordinária, o Legislativo criou e definiu a composição da comissão a ser responsável por apurar as denúncias. Coletivos de direitos da mulher e contra o racismo pedem a instauração de processo administrativo disciplinar contra Santos.
Na sequência, através de sorteio, houve a constituição da comissão, a ser composta por: João Éder Alves Miguel (MDB), presidente; Cíntia Yamamoto Soares (PSDB), relatora; e João Alves de Lima Filho (Cidadania), membro.
A partir da aceitação das representações e da criação da comissão, Santos deve ser notificado. Após a citação, a comissão terá 90 dias para investigar as denúncias e apresentar o relatório de Cíntia. Posteriormente, o documento será votado em plenário, determinando a cassação (ou não) do mandato do parlamentar.
A O Progresso de Tatuí, após a sessão, Santos sustentou que, quando for notificado, fará uma manifestação oficial. “Estou aguardando, ansioso, para que tudo isso se resolva e ‘apareça’ a justiça”, declarou o parlamentar.
Como acentuado no início, o julgamento nas redes sociais é sempre bem mais rápido, embora não necessariamente justo – em geral, muito pelo contrário. Portanto, ainda é de se esperar pelos trabalhos da Câmara e da Justiça para se concluir por algo definitivo e concreto sobre as denúncias.
Porém, uma coisa já é certa e extremamente positiva, animadora quanto a um futuro menos ruim para este país infectado por extremistas macabros, travestidos de “gente do bem”: a paciência com essa gente está acabando e – pior para eles – tirando-lhes votos por antecipação.