Embora não represente a totalidade da população – tampouco da tatuiana -, vale o registro de um singelo episódio, ocorrido nesta semana, significativo do ponto de vista dos desafios enfrentados para se levar a público informações corretas e isentas, compromisso maior da imprensa.
Uma figura – mulher, aliás – cuja carência de educação e sobra de insensibilidade bem exemplificam o que há de mais ignorante e desprezível no ser humano, deu-se ao trabalho de telefonar ao jornal para um questionamento deveras incomum.
Queria saber a distinta dama – refinada e elegante tal um suíno brutalhão a rebolar após o banho de lama –se o jornal “ganhava para noticiar a morte das pessoas”… E curioso (embora não espantoso) é o fato de a cuca tatuiana “não acreditar” que pessoas estão morrendo em Tatuí (e no mundo, por certo) em razão da Covid-19…
Naturalmente, ninguém próximo à medusa “pé vermeio” – sejam familiares ou amigos – teve o desfortúnio de enfrentar a doença – caso contrário, dificilmente o negacionismo do capeta persistiria.
Isto implica em outra crença satânica: a de que existe uma conspiração mundial, firmada entre a ciência, organismos internacionais, megaempresas e a imprensa – claro! – para enganar as pessoas, com algum propósito pouco racional.
Contudo, como justamente o irracional sobrepõe-se na atualidade, não estranha a persistência de ideias insanas. Complicado, não obstante, é entender por qual motivo a desinformação é acompanhada, par e passo, pela falta de empatia, pela insensibilidade e, até, pela maldade.
Que a cuca tatuiana menospreze a dor alheia e, por conseguinte, acabe trabalhando pela morte, faz parte não apenas do serviço macabro dela, mas até da formação familiar – possivelmente,originada pelo matrimônio da mula sem cabeça com um caipora boçal.
Mas, a despeito da ausência de finesse da jabiraca municipal, é importante reafirmar (lembrando que com a matemática não se discute): em janeiro, o jornal O Progresso fez um levantamento com relação ao número de óbitos locais ocorridos nos anos de 2019 e 2020.
O resultado apontou aumento de cerca de 140 mortes de um ano para outro – exatamente o número então somado, oficialmente, pelas fatalidades creditadas à Covid-19. Não há o que discutir, portanto.
Então, por que o caldeirão de poções de ignorância e maldades continua a fervilhar em Tatuí e no Brasil? Para a resposta, há inúmeras hipóteses, embora ao menos duas possam ser destacadas: falta de informação correta e o despudor nas manifestações de insensibilidade, estimulado por uma política nacional explicitamente afeita à chamada extrema-direita.
Neste aspecto, é justo apontar a maior expressão desse ideário político na história da humanidade: o nazismo de Hitler, o qual carrega características já sabidas por todos – mesmo pelos mais convictos ignorantes -, como, entre outras, a crueldade, o extremismo, o racismo e a invariável solução pela morte.
Era assim (e pelo visto se quer isto para o Brasil): Está dando trabalho? Mata! Há problema na segurança pública? Aproveita para armar a população, a pretexto de que ela deve se defender, mas com o propósito final de contar com esse contingente belicista para um golpe de estado!
Oposição? Mata! Demais poderes (Legislativo e Judiciário)? Fecha e mata! (não necessariamente nessa ordem). Imprensa? Quê? Essa imprensa que inventa mortes? Provavelmente, a solução seria a fogueira pública – e não apenas dos jornais, mas dos próprios jornalistas!
Ou seja, cabe à população em geral – que não foi educada, feito a cuca local, pela cartilha “Caminho Nada Suave” – decidir se quer mesmo deixar-se levar pela desinformação, pela insensibilidade, pelo obscurantismo, pelo atraso civilizacional, pela maldade!
A observação não é sem motivo, especialmente neste momento – e não apenas, claro, pela manifestação sinistra da feiticeira caipira (sem desapreço à nossa cultura regional, que é rica e belíssima).
Isto porque o Brasil acaba de entrar na “zona vermelha” da liberdade de imprensa – feito as classificações de restrição social por conta do novo coronavírus.
Pela primeira vez em 20 anos, o Brasil passou à “zona vermelha” do Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa dos Repórteres sem Fronteiras, divulgado neste dia 20.
O país está classificado, ao lado de Bolívia, Nicarágua, Rússia, Filipinas, Índia e Turquia, como uma nação na qual a situação para o trabalho da imprensa é considerada difícil.
“Consideramos que é uma posição indigna de uma grande democracia como o Brasil”, declarou ao jornal Folha de S. Paulo Emmanuel Colombié, diretor regional para a América Latina da ONG Repórteres sem Fronteiras.
Antes, o Brasil estava na zona laranja, em que a situação da imprensa é considerada sensível. Em relação ao ano passado, o país teve queda de quatro posições no ranking, passando da 107ª colocação para a 111ª. É o quarto ano consecutivo de queda do país, que em 2018 estava na 102ª posição.
Segundo Colombié, o Brasil já enfrentava problemas estruturais no campo da liberdade de expressão. É o segundo país da América Latina com o maior número de profissionais de imprensa mortos na última década, atrás apenas do México.
Além disso, segundo ele, a mídia brasileira ainda é muito concentrada, o que prejudica o pluralismo, e o sigilo das fontes é regularmente ameaçado, com jornalistas se tornando alvos de processos judiciais abusivos. Mas o trabalho da imprensa brasileira tornou-se muito mais difícil desde que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, diz a ONG.
Sustenta ela que “os ataques seguem uma estratégia cada vez mais estruturada de semear desconfiança no trabalho dos jornalistas, de destruir a credibilidade da imprensa como um todo e, gradualmente, construir a imagem de um inimigo comum; essa imagem que já foi introjetada pelos seguidores do presidente e mancha as redes sociais com linchamentos online de profissionais da mídia e veículos de comunicação. Além de incitar o ódio, a estratégia foca evitar que essas autoridades tenham que prestar contas à sociedade sobre o que as notícias trazem à tona.”
Pode até não ser matemático, mas o óbvio quanto ao interesse de se atacar a imprensa é explícito, em cuja lógica está o atentado contra a própria democracia.
Finalmente, é imprescindível lembrar que, ao contrário de toda e qualquer ditadura (que não só odeia a imprensa, mas a liberdade e dar satisfações ao povo), a democracia ainda é, apesar das imperfeições, a luz mais segura e intensa da humanidade em sua evolução social e política.
O avesso disso encontra-se no misticismo nefasto, na ignorância abissal, nas trevas – algo que não beneficia em nada a população – embora pareça ser de seguro agrado da politicada mal-intencionada, da manada incauta e da cuca tatuiana. Cruz credo!