Paulo Magnus*
Um ano após o início oficial da pandemia da Covid-19 no Brasil, em março de 2020, estamos vivenciando o pior momento de uma crise sanitária sem precedentes. Nesses pouco mais de 365 dias, porém, pouco foi feito para resolver a questão do subfinanciamento do SUS para os leitos de UTI.
A vacina, para evitar esse colapso pré-anunciado, é conhecida há tempos, mas pouco evoluiu no sentido de salvar o sistema responsável por atender mais de 75% da população brasileira.
O subfinanciamento das unidades de internação em terapia intensiva não é só um risco para a sustentabilidade do setor de saúde; trata-se de um risco de vida para todos os brasileiros.
Afinal, como manter aberto um leito de UTI, cuja diária custa entre R$ 2.000 e R$ 4.000, a depender da complexidade, com a remuneração da tabela do SUS a R$ 478 na maioria dos casos e, no máximo, R$ 800 nas redes prioritárias?
É quase impossível garantir disponibilidade de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos de enfermagem, alimentação, medicação, insumos, tudo em esquema 24/7 e em internações que, na média, duram pelo menos cinco dias para qualquer doença de baixa complexidade.
Imagine a complexidade de ajustar esses processos no tratamento da Covid-19, que, nesta fase que vivenciamos agora, registra internações com duração média de 22 dias.
O problema, claro, não é novo e sequer pode ser considerado um fruto da pandemia, embora tenha se agravado com ela. A nossa Constituição é soberana ao afirmar que “Saúde é um direito de todos e dever do Estado”. Só que esse suposto direito garantido pela nossa Carta Magna acabou por se tornar um périplo para aqueles que precisam do serviço.
Não é de hoje que, como uma liderança do setor de saúde, observo a cruel falta de leitos de UTI em quase todo o Brasil. Mesmo na maioria das capitais, sempre houve filas com mais de cem pacientes à espera de uma vaga.
E, quando enfim essas pessoas são agraciadas, seu estado já se agravou tanto que pouco é possível fazer – e, na maioria das vezes, elas sucumbem.
Então veio a pandemia e, com ela, o “big brother” chegou à saúde, mostrando a realidade nua e crua do colapso sempre existente no SUS. O próprio Ministério da Saúde reconheceu, em março de 2020, que os R$ 478 que repassa para financiar os leitos de UTI são insuficientes.
Tanto que elevou o repasse para R$ 800 (portaria n° 561/20) e, depois, para os atuais R$ 1.600 (portaria n° 568/20) – mas somente para os casos de pacientes com Covid-19.
Mas, cedo ou tarde, a pandemia vai arrefecer. Não digo que vamos vencer totalmente o vírus, mas ele vai se tornar mais controlável com a vacinação em massa.
Só que há doenças tão ou mais preocupantes – como câncer, problemas cardiológicos, AVC – se desenvolvendo agora mesmo em muitos brasileiros, especialmente aqueles que deixaram de buscar assistência por medo de contrair a Covid-19 ou, ainda, porque os atendimentos foram interrompidos para focar os recursos e esforços na pandemia.
O que será desses brasileiros quando, com patologias agravadas pela falta de acompanhamento, precisarem de um leito de UTI do SUS? Os R$ 478 vão cobrir os gastos? A resposta, você já sabe: é não.
Sem o financiamento adequado dos leitos de UTI, os hospitais filantrópicos, mais endividados do que nunca após um ano enfrentando a Covid-19, estão fadados ao colapso.
O último censo feito pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira, a Amib, ainda no pré-pandemia, apontava que, dos 25 mil leitos SUS disponíveis no Brasil, metade está em instituições filantrópicas.
Elas são, portanto, as grandes responsáveis por atender quase 75% da população brasileira. Em muitas cidades, essas organizações são o único ponto de acesso a serviços especializados de saúde, como é o caso dos leitos de UTI. Se eles acabarem, o que será da população?
Não é de se estranhar, portanto, que, mesmo diante de uma das maiores taxas de desemprego da história do país, os brasileiros estejam, novamente, buscando planos de saúde suplementar.
As operadoras de saúde contabilizaram 47,6 milhões de beneficiários em janeiro, número que não era alcançado desde 2016, segundo a Agência Nacional de Saúde (ANS).
A maioria entra no sistema pago por planos coletivos por adesão, que lidera o número de contratos ativos atualmente. Essa modalidade é oferecida aos associados de entidades de classes profissionais.
O plano de saúde é o terceiro maior desejo de consumo do brasileiro, atrás apenas de educação e casa própria, segundo dados do Ibope. E quem não tem essa opção? Segue dependendo do SUS e de seus leitos de UTI subfinanciados.
Para mudar essa realidade, temos que repensar o que queremos de assistência e qual a responsabilidade da União nesse processo.
Precisamos usar a crise da Covid-19 para planejar a assistência nos próximos anos, a começar por uma remuneração mínima e sustentável para os hospitais filantrópicos, responsáveis, reforço, por quase 50% das internações do SUS. E é o mínimo que nós, lideranças da saúde, podemos defender em um momento em que vemos pessoas sufocando até a morte no jornal das 20h.
*CEO da MV e empreendedor da área de saúde.