Ganhou repercussão o caso, acontecido em janeiro, do professor da Paraíba que quis comprar quatro celulares por R$ 4. Para quem ainda não conhece a história: um cartaz de oferta, em uma loja de celulares, dizia: “Oferta imperdível. Chip Vivo R$ 1 com aparelho”. Quando o professor, que leciona filosofia, história e sociologia, quis levar quatro celulares por R$ 4, o atendente lhe disse que a oferta consistia em que o cliente, ao comprar qualquer aparelho de telefone celular na loja, poderia adquirir também um chip da determinada operadora por um R$ 1. Insistindo que a oferta dizia outra coisa, o professor chamou a polícia, o que resultou em um acordo com a loja em que ele recebeu um vale de R$ 100, com o qual levou um aparelho com dois chips. Ele ainda deixou R$ 1,30 de gorjeta.
Em comentários em redes sociais e sites de notícias, as opiniões se dividiram. Uns acharam que o professor se aproveitou da confusão de quem escreveu o cartaz – porque admitiu que percebeu o erro e quis “dar uma lição” -, e outros acharam que a loja é que abusou da ambiguidade da frase para atrair clientes desavisados.
Responsabilidades à parte, o caso ilustra como a falta do domínio da linguagem padrão pode causar mal-entendidos. As regras gramaticais, presentes na gramática tradicional ou normativa, que norteiam a linguagem formal – também chamada de norma culta – nada mais são do que uma padronização. Essa linguagem padrão está presente em documentos, reportagens, relatórios, textos científicos, etc. e deve servir para auxiliar na comunicação.
Mesmo com seus preciosismos dispensáveis, a padronização que a gramática normativa proporciona à língua deve servir para que os falantes dessa língua, principalmente em alguns terrenos em comum, entendam-se da melhor forma possível.
Naturalmente, a língua não é estável e não se pode ignorar – e isso não ocorre somente na língua portuguesa falada no Brasil – que em uma realidade de trocas culturais intensas e constante evolução, a língua se faz muito variada. Não nos podemos esquecer também de que essas diferenças acabam se tornando, em muitos casos, motivo de preconceito e distinção. Entretanto, como sustenta o linguista brasileiro Luiz Antônio Marcuschi, a gramática não tem um fim em si mesma, mas sua finalidade é permitir que os falantes façam uso da língua. E é como diz o gramático, também brasileiro, Evanildo Bechara: nossa língua não nos é imposta, nós é que nos servimos dela para nos expressarmos.
Eu diria o mesmo a respeito da gramática normativa e da linguagem formal, que integram a língua. Não queremos que elas nos limitem, mas sim dispor delas quando e como quisermos e precisarmos.
* Jornalista, mestre em língua portuguesa e sócio-diretora da Grafema, empresa que ministra cursos e oficinas de gramática e comunicação.