Em virtude da campanha de desinformação nacional – que poderia muito bem ser entendida como oficial não fosse oficiosa, promovida na penumbra digital das redes sociais -, o assunto mais surreal da semana, entre outros vários, foi novamente a acusação – leviana e sem provas, claro – de supernotificação das mortes por Covid-19.
Mais uma vez, embora o episódio ocorra no cenário nacional, não deixou de afetar Tatuí, abrindo margem a questionamentos, também, quanto aos falecimentos a ter como causa oficial o novo coronavírus.
Antes dos números, algumas observações pertinentes a uma avaliação minimamente baseada em fatos inegáveis e propósitos evidentes.
A causa da semana a jogar falsa notícia quente na fogueira das fake news teve como pirotécnico o líder maior da nação, que insiste em minimizar o drama da pandemia, inclusive com relação ao número de mortes, e que agora ainda busca queimar o uso de máscaras.
No chamado “cercadinho”, utilizou-se de suposto relatório (posterior acórdão) do Tribunal de Contas da União, que apontaria menos mortes por Covid-19 que as divulgadas, como combustível para as labaredas digitais, atiçando-as, oportunisticamente.
Na sequência, houve o desmentido, tanto do TCU quanto do presidente. Não obstante, mais essa queimadura no esgarçado tecido da verdade já estava ardendo.
Pior, já expunha ainda mais a urdidura de um modos-operandi político que não abre mão da desinformação, seja para eximir-se do morticínio, seja porque já em campanha para as próximas eleições – se elas vierem…
Importante lembrar, portanto, um fato inquestionável: as fake news, mesmo com os desmentidos posteriores, já servem ao propósito maior, que é o compartilhamento das faíscas de mentira, as quais ganham status de verdade na mesma proporção em que se propagam (ou seja, quando pela abrangência a “versão” passa a valer mais que a “verdade”).
A estimular as chamas, ainda há o fato de que, nas redes sociais, não se observa o “tempo” tanto das mentiras quanto das verdades.
Até agora, por exemplo, compartilha-se uma postagem em que o médico Drauzio Varella sustenta ser a Covid-19 uma gripezinha mesmo – apesar de a declaração ter acontecido há um ano e meio e de o profissional já ter se desculpado por ela dezenas e dezenas de vezes e em vários meios de comunicação. Não importa; a “versão” perdura.
Justamente por este aspecto, tanto faz para quem atua com más intenções se há desmentido, por este simplesmente não ser compartilhado pela rede de desinformação.
Importa é seguir a versão queimando tudo pela frente digital. E aqui o propósito evidente: ludibriar a população, incinerando-lhe a inclinação de enxergar a realidade com clareza, dados os muitos mais de 50 tons de cinza causados pela névoa de mentiras.
Quanto à hipotética – na verdade, patética –supernotificação de óbitos, seria esse procedimento criminoso somente possível – isto é também inquestionável – com a cumplicidade de médicos e cartórios de registro a favor de governos estaduais e municiais. Ou seja, mais uma trágica – senão cômica – teoria das conspirações.
Mas, ok. Imaginando ser ela realidade – tal as minhocas como matéria-prima dos hamburgueres de fast food e o pica das Galáxias brasileiro, o ET de Varginha, já aposentado e desfrutando de seu merecido descanso na aprazível cidade mineira -, aí fica a dúvida, pelo menos em Tatuí, da razão pela qual houve registro de menos falecimentos por Covid no mês passado.
Aqui na cidade, o número de declarações de mortes por causas naturais levado ao Cartório de Registro Civil apresentou queda em maio deste ano. A redução é observada na comparação com o mês anterior, de abril, e em relação ao quinto mês do ano passado.
Os dados são apontados por levantamento divulgado no Portal da Transparência do Registro Civil, órgão administrado pela Arpen-Brasil (Associação Nacional dos registrados de Pessoas Naturais).
O compilado, conferido neste dia 3, apontava 183 óbitos em abril deste ano, enquanto, em maio, 80 pessoas perderam a vida por causas naturais – o que representa queda de 56,28%
Por sua vez, o índice de declarações de óbitos em maio deste ano é 12,08% menor em relação ao do quinto mês do ano passado, quando o município registrou 91 óbitos.
Já em comparação a maio de 2019 (antes da pandemia do novo coronavírus), o número de mortes de 2021 apresenta acréscimo de 19,04%. No quinto mês de 2019, 67 certidões de óbitos foram emitidas pelo cartório municipal.
Graças à incógnita, resta especular, mesmo frente ao extraordinário imponderável: a razão desse retrocesso oficial nas mortes seria a de que, já prevendo o futuro e, assim, sabendo do tal relatório bombástico, o cartório de registro tatuiano e os médicos locais – responsáveis pela assinatura dos atestados de óbitos – resolveram dar um tempo nessa enorme conspiração macabra, com medo de serem “desmascarados” pelos paladinos do negacionismo?
Talvez, quem sabe, outro motivo seria porque estão acabando os repasses do governo federal, os quais precisam, então, além de ser investidos na Saúde, servir ao rateio tenebroso não apenas entre governadores e prefeitos, mas cartórios e médicos – que jogam seus diplomas e carreiras na lama para ganhar um troquinho a mais, decerto…
E tudo com a conivência de batalhões de funcionários públicos, enfermeiros, tribunais de conta, auditores etc., que testemunham a farra do boi na roleta-russa da Covid e não abrem a boca para denunciar. Quem sabe, seja isto mesmo, porque, realmente, não há dinheiro a bastar para corromper tanta gente…
Para quem aprecia teorias das conspirações globais (também estaduais e municipais agora), não há grande dificuldade em acreditar em alguma dessas hipóteses sobrenaturais.
Com elas, entretanto, cada vez menos pessoas concordam, salvo as que, entre o culto à cloroquina e ao purgante, ainda buscam benefícios terapêuticos lambendo as costas do sapo.