O rio Sarapuí, bem na divisa entre Tatuí e Capela do Alto, sempre foi piscoso. Piscoso e frequentado por muitos pescadores, principalmente nas proximidades da ponte da rodovia Senador Laurindo Minhoto. Em uma das margens, há um local apropriado para pescaria, na propriedade de João Guerino, homem bastante conhecido e querido na cidade, e que permitia a frequência de pescadores.
Certa ocasião, em um frio mês de julho, três amigos resolveram passar a noite pescando por lá. Com rede, o que atualmente é proibido. Eram eles: João Preto, que na época era baterista dos Filtsons, Pão Doce, um coveiro do cemitério municipal, e o Malagueta, irmão do MacGaule Silvestre.
Combinaram, prepararam os apetrechos e se encontraram na hora marcada para pegar um ônibus até o local. João Preto apareceu carregando, além dos apetrechos de pesca, um caldeirão com a tampa amarrada. Era a comida que ele mais gostava: macarrão com feijão. Uma tia sempre preparava esse prato para ele. Considerava o manjar dos deuses.
Os outros companheiros carregavam apenas duas garrafas da pinga Rosa.
– Ué? O que vão levar para comer? – João perguntou.
– Ah, nem precisa, pois assim que pegar uns peixinhos, assamos por lá mesmo! – os dois responderam.
Nisso, chegou o ônibus e os amigos embarcaram. A tarde estava fria, anunciando que a noite seria gelada. Mas estavam prevenidos, com roupas quentes para aquecer o exterior e a pinga para o interior.
Lá chegando, lançaram a rede com cuidado. Tudo preparado, e a pescaria ia ser boa.
João colocou seu caldeirão em um local seguro. Não havia risco de tombar e derramar seu conteúdo. Mantinha os olhos nele, por garantia. As conversas, regadas a cachaça, estavam animadas quando a noite caiu. Futebol, política e, principalmente, fofocas eram o assunto dominantes.
O frio estava doendo. Como era inverno, na beira do rio a temperatura estava em 5º C. Acendendo uma lanterna, João aproximou-se do rio para verificar a situação da rede. Tomava cuidado para não cair na água, pois, com aquele frio, não haveria aguardente que esquentasse.
Enquanto isso, percebendo que o caldeirão estava “dando sopa”, Malagueta e Pão Doce deram uma espiada. Ihhh. O cheiro deu de encontro com a fome.
– Vamos experimentar um pouquinho? – um deles deu a ideia.
O “pouquinho” quase acabou com o caldeirão. João Preto, ao perceber o ataque ao macarrão com feijão, ficou furioso. Forte como era (e ainda é), pegou o Pão Doce pelo colarinho e, para se vingar, obrigou-o a entrar no rio para arrumar a rede… Se a água não estava congelada, o pobre coveiro ficou o resto da noite ao lado da fogueira, entanguido como um pássaro molhado.
Quem me contou esse caso foi o Ari Machado (mais conhecido como Ari Bicheiro), que também pescava nesse local, mas em outras ocasiões. E contou também outra, da cobra do Sarapuí.
Disse que havia uma cobra que morava no bambuzal próximo do barranco. Era uma cobra mansa, tão mansa que o João Guerino a chamava pelo nome: “Menina”. A regra para os pescadores conviverem pacificamente com a cobra era a seguinte: o primeiro peixe deveria ser dado a ela. Na boca.
João Guerino acostumou a cobra com isso. Cada vez que ia pescar, a cobra aparecia por lá. Quando pescava o primeiro peixe, colocava na boca da cobra, que, imediatamente, ia embora e entrava no matagal.
Alguns amigos dele testemunharam isso em suas pescarias no Sarapuí, inclusive o Ari e o Jânio do Bairro 400. João Guerino avisava a todos que a cobra, ao notar movimentação no barranco, aproximava-se dos pescadores para ganhar seu peixinho. Era só colocar um peixe na boca da serpente que ela desaparecia. E assim a coisa prosseguiu durante bastante tempo.
Um sábado, como costumava fazer, colocou sua roupa de passeio e veio à cidade. Nisso, um pessoal de Sorocaba foi pescar naquele barranco. Como ele não estava por lá, não avisou o pessoal sobre a cobra.
Ah, assim que se instalaram no barranco, a cobra apareceu. Um susto geral. Com o primeiro pedaço de pau que encontraram, macetaram a cabeça do réptil até esmagar. Depois penduraram a cobra morta em um galho de árvore.
Mais tarde, João Guerino voltou da cidade, colocou sua roupa de guerra – calça de brim, camiseta e botina rangedeira – e foi até a beira do rio, ver como estavam as coisas. Chegando lá, viu a cobra pendurada em um galho, com a cabeça esmagada.
– Minha Menina! Quem fez isso com a Menina? – furioso, perguntou aos homens que lá estavam.
– Que menina? – perguntaram.
– A cobra! – João respondeu.
– Ah, apareceu essa cobra e nós matamos a paulada! – um deles respondeu.
– Pois então vocês vão se dar mal! – Guerino ameaçou e saiu de lá correndo em direção à casa dele.
Os homens imaginaram que voltaria com uma espingarda. Não pensaram duas vezes, correram ao automóvel que estava estacionado no acostamento e nunca mais voltaram ao rio Sarapuí.
Ari Bicheiro garante que não é lenda, mas sim fato verídico. Talvez seja necessário buscar confirmação com outras testemunhas, mas as pessoas que ele citou já faleceram. Vamos, então, acreditar que seja verdade. Ou não?
Bem, são histórias de pescadores…