Turfe é palavra que teve sua origem na Inglaterra, de onde surgiu também outro esporte bretão, o futebol. Hoje, usa-se “horse racing” (corrida de cavalos), e coloquialmente o “turf”. O esporte surgiu em meados do século 17, com os cavaleiros da nobreza saindo em montarias com suas trompas de caça a tiracolo e cães para a aventura. Esses animais, no passado, eram “confiscados” em batalhas, como os puros-sangues árabes, que hoje chegam a valer fábulas de dinheiro.
Não entendo de turfe, apenas óbvio: o objetivo é ver o animal em que você aposta chegar em primeiro, em placê (segundo lugar) ou em combinações. Há longos anos, um primo levou-me ao Jockey Club do Rio de Janeiro, na Gávea, onde há uma bela pista, plateia onde as grã-finas desfilam seus lindos chapéus, luvas, vestidos de grife, joias e binóculos. Em uma rodada fiz um placê, que me levou a continuar apostando até perder tudo – como em qualquer jogo a dinheiro. O esporte é para o criador milionário, haja vista o tratamento de beleza de “socialite” para o cavalo, veterinário, vitaminas, aluguel de haras, treinos diários, salários e bônus para jóqueis, que não devem pesar muito além de 50 quilos. Esse esporte chegou ao Brasil em meados do século 19, e sua tradição ainda tem o molho inglês, cujo gosto transparece nas competições.
Não consegui precisar quando foi que, para evitar confusões, alguém inventou um sistema que amarrava uma cordinha ao disparador de uma câmera fotográfica (das antigas “lambe-lambe”), bem na linha de chegada, cuja travessia consagrava o animal vencedor. Ao romper a cordinha, o disparador era acionado e uma foto, registrada. Havendo dúvida, a chapa era revelada – e não só ela, o vencedor da disputa. Daí o dito “venceu por um nariz”, ou seja, o campeão chegou poucos centímetros à frente do segundo colocado.
Voltado a outro assunto, o “contratema” musical, há alguns anos reflito sobre aquele esporte bretão, o futebol, onde são férteis as dúvidas sobre a honestidade do árbitro, dos bandeirinhas, e frequentemente enseja vaias, gritarias e ofensas (extensivas até às mães dos profissionais). Claro que, em um esporte de apaixonados, um certo teatrinho faz parte, como o “deixar-se cair” após um esbarrão, fingir um pênalti “sem querer, querendo” e outras artimanhas. E, claro, se foi jogador do meu time, foi bola na mão, e não mão na bola! (E vice-versa se aconteceu com o adversário). Falta do meu time? Não senhor, pois o outro “levou vantagem”. São todas expressões que, na boca de milhões de torcedores-técnicos, apontam deslizes dos árbitros e insinuam até propinas e outras práticas nada castiças. Na mesma lavagem, jogam Fifa, cartolas, bandeirinhas e até países interessados nessa ou naquela vitória ou derrota. No jogo de estreia Brasil x Croácia, nesta Copa de 2014, houve um pênalti que dividiu juiz, bandeirinha e o estádio. “O juiz viu, eu vi”, disse o técnico Felipão, do alto de sua toga imaginária de magistrado.
Muitos questionam a ausência de dupla jurisdição, reivindicada a torto e a direito no caso “mensalão”, fora recursos e embargos de diversas naturezas, como os infringentes, tudo que o exército de advogados dos réus, no STF, usou como água benta. Mas, espere! O apito do árbitro do futebol é uma decisão “monocrática” (de um só juiz), e pela lógica não seria passível de recurso? Mas, não é. Lavre-se o Pric! (“Publique-se, Registre-se, Intime-se e Cumpra-se”). O inacessível recurso à vontade absoluta do árbitro joga toda a responsabilidade e mesmo o resultado de um jogo ou campeonato nas mãos de um só, e as ilações sobre erros ou suspeitas de suborno viram assunto de autoridades e aperitivo dos “técnicos” de botequins.
Pensando em um artifício simples como a velha câmera fotográfica das corridas de cavalos, hoje devidamente substituída por meios eletrônicos, filmes, congelamentos de imagem e medições computadorizadas, as dúvidas foram praticamente zeradas. De volta o futebol, e a dupla jurisdição, muito questionada com a bola já correndo em campo, digo, plenário, pelos doutos defensores dos réus do STF, depois de incontáveis petições, agravos, recursos, embargos e sustentações orais. Perdão, mas preciso voltar ao futebol. E se cada partida fosse filmada com várias câmeras, e, uma vez impetrado recurso por uma das partes, fosse suspenso o jogo para uma segunda instância com três árbitros superiores, que decidiriam sobre o “dúbio”, a dúvida. O filme, a foto, nesse tribunal instantâneo, ajudariam a julgar o recurso em pouquíssimos minutos, “duela a quien duela”, como disse um ex-presidente. (Drummond escreveu: “Itabira é apenas um retrato na parede, mas como dói”).
Claro, leitor, as decisões dessa segunda corte deveriam ser tomadas por voto unânime (‘V. U.’, no jargão forense). Mas, e se não houver unanimidade? E se houver, na decisão, um voto destoante? Poderia ser interposto, então, um embargo infringente, pois que a maioria se deu por um voto apenas? O vocabulário do “football” e suas regras são tão antigas quanto o esporte: “penalty”, “goal”, “corner”, “foul”, “kick”, todas palavras já abrasileiradas do velho inglês. Mas as novas regras teriam de ser aceitas por todos os países, abandonando a hegemonia inglesa “goela abaixo” para que essa nova “constituição” já não comece, ela própria, como na brigalhada da discussão das regras de uma simples pelada de várzea, por uma Babel generalizada. Venceriam as normas do prolixo direito latino ou a concisão do anglo-saxônico?