Não, Tatuí, a Capital da Música, está fora do radar da política internacional, toda focada, nesta semana, nas eleições norte-americanas. Contudo, há um aspecto a transpassar os continentes, influenciando a todos – sobretudo eleitores, neste momento: a consciência quanto à “desinformação”.
Embora não exista unanimidade sobre o tamanho da influência das tais fake news na eleição de Donald Trump em 2016, é indiscutível ter sido a mentira um instrumento poderoso, manuseado por meio das redes sociais.
Um dos resultados dessa verdade é a crescente perda de credibilidade desses veículos digitais, os quais se movimentam na tentativa de sustentar a confiança dos usuários.
O Twitter, por exemplo, proibiu já no ano passado a publicidade política em seus conteúdos, e o Facebook anunciou igual medida a partir deste dia 3 de novembro – quando se encerraram as eleições nos EUA.
Observando os dois cenários – lá e cá -, seria presunção demais crer que hackers russos estão interessados nas eleições da Cidade Ternura, mas nem por isto a desinformação escapa às fronteiras locais.
Neste ponto, entretanto, é fundamental observar as diferenças entre opiniões e fake news, desejos e ofensas, piadas e acusações. Por ser impossível a unanimidade, sempre haverá ideias divergentes, sendo a expressão do dissenso sagrada à democracia.
Há ideias distintas tanto lá quanto cá, e isto é ótimo, vez que, sem oposição, inexiste real democracia. Da mesma forma, porém, há investimento (de tempo, dinheiro e neurônios) em manipulação de informações, invencionices e meras ofensas como estratégias de campanha.
Neste ponto, as redes sociais acabaram sendo vitais tanto nos Estados Unidos, em 2016, quanto no Brasil, em 2018. A aposta de muitos, aparentemente, continuou (lá) e continua (aqui) a ser a mesma.
Houve avanços a favor da democracia, não obstante. Por um aspecto, as redes sociais – bem ou mal – conseguiram mitigar razoavelmente as fake news, fragilizando a política da detração – ou do esculacho, como queiram.
Em 2020, as empresas passaram a figurar alertas, diminuir o alcance orgânico e derrubar posts que infringem regras de uso, como informações sem comprovação científica que “ameaçam a saúde pública” (cloroquina como cura à Covid-19), “glorificação da violência” (endosso à repressão de atos antirracismo) e “ameaça à integridade do processo eleitoral” (afirmações, sem comprovação, de que a votação pelo correio, nos EUA, seria fraudada).
A jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, lembra em reportagem publicada nesta semana que “parte das mensagens rotuladas e com alcance reduzido era do próprio Trump, disseminando mensagens de que a votação seria fraudada e estimulando pessoas a votarem duas vezes, ‘só para garantir’”.
Certamente, contudo, as grandes redes sociais não se movimentaram contra as fake news por amor aos princípios iluministas, mas tão somente por serem empresas de comunicação e, nesta condição, sujeitas a perder “clientes” e, assim, dinheiro quando a credibilidade é comprometida.
Ou seja, chegou-se ao ponto em que os políticos começaram a dar prejuízo, sendo “expulsos” das redes tanto na publicidade quanto em inúmeros posts considerados “fakes”.
Obviamente, isto é muito positivo à democracia, a qual exige um mínimo de informação de confiança, por parte dos eleitores, para a decisão acerca de escolhas menos inconscientes.
Outra questão vital nos pleitos anteriores e ainda muito presente nos atuais – lá e cá – é justamente a tática da desconstrução, do ataque sistemático – com ou sem justificativa, ou seja, com os “adversários” carregando culpa ou inocência na Justiça. Não importa, desde que se ameace, grite, acuse e xingue mais.
A campanha de suposto “outsider incendiário” – de Nero tuiteiro – deu certo em 2016, lá, e 2018, aqui. Portanto, piromaníacos digitais continuam a incendiar postagens em redes sociais – especialmente as anônimas.
Conscientemente ou não – até por existir um farto laranjal de coitados não só dispostos a fazer o trabalho sujo quanto a se colocar, inadvertidamente, à beira do espremedor da Justiça –, muitos ainda estão apostando na desinformação e no esculacho.
Razões não faltam, infelizmente. Nesta semana, na mesma reportagem da Folha de S. Paulo, comenta Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas da USP: “A gente sabe que fake news colabora em alguma medida, mesmo que seja para radicalizar as pessoas e fazer elas votarem”.
E segue o pesquisador: “O compartilhamento de mensagens desinformativas está muito associado a sentimentos fortes de raiva, ódio, medo e indignação, todos eles muito mobilizadores”.
“Não é à toa que o pessoal gasta dinheiro produzindo conteúdo desinformativo. Mas desinformação, sozinha, não ganha eleição. Ela faz parte de um grande conjunto de estratégias políticas. O que está claro é que, ao acirrar a polarização, a desinformação corrói a democracia”, conclui.
La, as eleições já se encerraram, indicando, independentemente do resultado, o arrefecimento das fake news; aqui, ainda seguem, com algumas explícitas apostas em desinformação e ostensividade.
Se como lá, a revalorização da política de conciliação, da lucidez, da verdade e de um mínimo de “empatia” também valerá para cá, logo saberemos. Para lembrar ao avesso a máxima atribuída ao imperador romano Júlio César, “o azar está lançado”!