Roberto Rohregger *
A humanidade já passou no decorrer da história vários períodos em que surtos de novas doenças causaram uma quantidade enorme de vítimas. Desde a primeira grande pandemia que temos registro, a peste negra, que ocorreu no período de 1347 a 1351 e que matou em torno de 75 milhões de pessoas, até a epidemia da Aids, com outros milhões de mortes.
De forma geral, nestes momentos temos um quadro de eventos que normalmente a sociedade e governos não estão preparados para tratar, e normalmente a resposta a estas epidemias são lentas, causando pânico entre a população.
Estamos vivendo uma nova pandemia, apesar de vários avisos de ocorrências em um passado recente, como o ebola.
O mundo ainda não está totalmente preparado para o combate a estes acontecimentos, e, é fato que neste período extenso de quarentena e de severas medidas sanitárias, com a economia profundamente afetada, a população está ficando cansada e insegura.
Aliado a estes fatores, ainda temos uma certa politização da pandemia, com informações conflitantes entre governos, cientistas e muitas fake news, contribuindo ainda mais para um quadro de confusão em relação aos procedimentos, e cuidados.
Neste momento, a maior esperança que se tem propagado é do desenvolvimento de uma vacina, que seria uma grande vitória. Várias instituições no mundo inteiro estão pesquisando o desenvolvimento de uma vacina, a partir de diversas concepções, e algumas encontram-se em um estágio bastante avançado.
A última e inesperada novidade é a vacina desenvolvida na Rússia e anunciada num clima de vitória por Wladimir Putin.
Esta notícia, porém, foi recebida com muita cautela por toda a comunidade científica, primeiro por não haver nenhuma publicação de estudos consistentes sobre o desenvolvimento da vacina e, pela falta de transparência com relação aos testes efetuados para a aprovação.
O risco nisto tudo é que, também o desenvolvimento de uma vacina possa ser politizado, e neste caso a pesquisa não siga os rígidos preceitos necessários, desde o seu desenho até a fase final com a devida comprovação de sua eficácia, afinal uma vacina além de comprovadamente eficiente contra o vírus, também tem que garantir que não haja efeitos colaterais que possam ser piores que o bem que promete.
Neste momento é preciso ter prudência tanto na divulgação de uma efetiva cura, quanto ao tempo em que uma vacina possa ser disponibilizada para a sociedade, visando não gerar falsas expectativas e assim vir a tornar-se mais um empecilho em relação à manutenção dos cuidados de prevenção ao contágio.
Na concepção clássica das virtudes, a prudência sempre foi considerada uma das mais importantes, como afirma Tomás de Aquino, na Suma Teológica, “é a principal em uma ordem superior, é a mãe das virtudes”.
Na contemporaneidade, o filósofo Hans Jonas afirma, no livro “Técnica, Medicina e Ética”, que “a cautela se converteu em virtude superior, perante a qual retrocede o valor da ousadia, melhor ainda, esta se transforma inclusive no valor da irresponsabilidade”.
Desta forma é preciso exigir que governos atuem com prudência, obedecendo os preceitos necessários de testes e de segurança, haja visto que um dos preceitos da bioética é o princípio da não maleficência. Deve-se garantir que um procedimento, além de promover o bem, também garanta que não haverá efeitos negativos, que signifique riscos para a saúde dos indivíduos.
A vacina é uma ótima notícia, mas deve ser encarada de forma realista, e os governos devem agir de forma transparente, informando a sociedade, e submetendo-se aos necessários rigores da ciência.
* Teólogo e mestre em bioética. Professor do curso de teologia do Centro Universitário Internacional Uninter.