Da reportagem
O STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou, neste dia 6, a decisão que condenara o ex-prefeito Luiz Gonzaga Vieira de Camargo por improbidade administrativa e o tornara-o inelegível nas eleições de 2018.
A decisão, proferida pelo ministro Sérgio Kukina, anulou acórdão dos embargos de declaração, em agravo ao recurso especial (RE) ajuizado pelo ex-prefeito e determinou o retorno dos autos ao TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), para que sejam “sanadas as omissões existentes no julgado, nos termos da fundamentação apresentados pela defesa”.
O ex-deputado e ex-prefeito de Tatuí ficou inelegível nas eleições de 2018 para deputado estadual em decorrência da condenação em segunda instância, em caso envolvendo o médico e ex-secretário municipal Paulo Borges. O geriatra ocupou a então Secretaria Municipal do Meio Ambiente entre os anos de 2008 e 2012.
Antes das eleições, a defesa de Gonzaga impetrou embargos de declaração sobre a decisão do TJ-SP por entender que a condenação não estava correta. O tribunal de segunda instância não acatou o recurso e a defesa recorreu ao STJ.
O ministro Sérgio Kukina sentenciou: “Logo, uma vez que tais omissões não foram sanadas, apesar da oposição de embargos de declaração, resta evidenciada a afronta ao art. 1.022 do CPC/2015”.
Em nota, a assessoria de Gonzaga sustenta que, como a ação vai voltar a ser julgada pelo TJSP, “o motivo que impediu o ex-prefeito de se candidatar não mais existe”.
A O Progresso, Gonzaga disse estar gratificado com a decisão do Superior Tribunal de Justiça. “Embora a Justiça tenha sido feita com um pouco de atraso, ela foi feita, e eu, ao longo da minha vida, sempre acreditei na Justiça”, declarou.
“Tem alguns adversários maldosos que dizem e ficam repetindo: ‘Gonzaga é ficha suja’, mas eu gostaria de dizer que essa decisão vem mostrar, mais uma vez, que eles estão redondamente enganados”, sustentou.
E acrescentou: “Não existe, em todos os processos que eu já venci, nenhum tipo de desvio, nem sequer um centavo do dinheiro público. Jamais houve qualquer decisão minha que trouxesse prejuízos erários. São discussões de direitos que estou vencendo na Justiça, com a graça de Deus, por isso que fiquei feliz”, acentuou.
Mesmo sendo legível perante a Justiça Eleitoral, o ex-prefeito lembrou que, neste ano, ainda é impedido de disputar as eleições municipais por conta da legislação eleitoral. Contudo, não descartou possíveis pleitos e reforçou estar “legível” novamente.
“Não pretendo disputar cargo público nas próximas eleições, até porque estou impedido. Em razão de ser marido da prefeita, não posso ser candidato nem a vereador”, explicou.
Gonzaga ainda salientou que a decisão “faz Justiça” com o ex-secretário. “Borges foi um grande secretário e foi um absurdo a condenação dele, porque ele trabalhou todos os dias. Não existe, no processo, uma única linha que diga que ele faltou ao trabalho ou que ele tenha cometido qualquer irregularidade”, disse.
“Ele é um cidadão tatuiano, não é nascido aqui, mas eu tenho certeza que ele se considera um tatuiano e que foi tremendamente injustiçado. Mas, com esta decisão, a Justiça corrigiu essa sentença, que era injusta”, disse o ex-prefeito.
A decisão do STJ ainda pode interferir no quociente eleitoral do PSDB na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado). Conforme Gonzaga, o partido está analisando juridicamente o processo e pode pedir que os votos conquistados pelo ex-prefeito, no pleito de 2018, sejam contados para o partido.
“Com isso, pode ser que mude a posição do partido na assembleia. Eu não teria direito de assumir, mas o primeiro suplente tem direito, sim, e pode ter alteração. O partido está estudando essa possibilidade”, concluiu Gonzaga.
O caso
O MP ajuizou ação de responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa em desfavor do ex-prefeito Gonzaga alegando que Borges teria acumulado, indevidamente, o cargo de secretário com o exercício da atividade privada de médico junto à Santa Casa, em consultório privado e, ainda, na Unimed.
O ato se enquadraria em violação ao Estatuto do Servidor Público da Comarca, que veda ao servidor comissionado o exercício de qualquer outra atividade laborativa, mediante vínculo público ou privado.
O TJ confirmou a sentença de procedência do pedido a partir das premissas: (a) o Estatuto dos Servidores do Município de Tatuí, no artigo 19, impõe aos ocupantes de cargo em comissão a dedicação integral, o que implica vedação ao exercício concomitante de qualquer outra atividade laboral, pública ou privada; (b) carece de credibilidade a alegação de que o segundo réu daria plantões de apenas uma hora na Santa Casa; (c) o exercício da medicina em caráter privado em entidade subvencionada pelo SUS caracteriza conflito de interesse em relação ao cargo de secretário municipal.
Na decisão do ministro do STJ, consta que “a disciplina do regime de tempo exclusivo, que proíbe o exercício de qualquer atividade laborativa, não é sinônimo de regime de tempo integral” e que, em nenhum momento, o Estatuto do Servidor Público de Tatuí impõe exclusividade para os cargos em comissão.
O STJ ainda diz que, no artigo 19 da Lei Municipal 4.400/2010, não há vedação expressa do desempenho de outra atividade privada, apesar de exigir disponibilidade em tempo integral, em caso de requisição do ocupante de cargo em comissão.
“Acresça-se que o Estatuto de Servidores de Tatuí cuida dos servidores em cargo efetivo e em comissão, mas não trata dos secretários municipais, que são cargos políticos, na qualificação de auxiliares imediatos do chefe do Executivo municipal”, diz a sentença.
O documento ainda destaca que “o referido dispositivo legal não pode ser interpretado isoladamente, mas em harmonia com o princípio constitucional da liberdade de trabalho e o permissivo constitucional da cumulação, quando houver compatibilidade de horários, que proíbe a acumulação remunerada de dois cargos públicos”.
Para o STJ, a “exclusividade” que impediria o exercício de qualquer outra atividade remunerada sequer é exigida no caso de duas funções públicas. “O agente político tem, na verdade, integral dedicação ao serviço, podendo a administração convocá-lo, a qualquer tempo, para comparecer a reuniões de trabalho, a outros órgãos, a festividades, a inaugurações etc.”.
E segue: “Efetivamente o então secretário nunca se esquivou de suas funções. A verdade é que o exercício da medicina por Paulo Borges, em horários alternados era totalmente compatível com seu cargo público. A atividade de medico não causou qualquer prejuízo ao exercício do cargo de secretário municipal. Se fosse correto o raciocínio adotado no acordão recorrido, médicos competentes não poderiam ser secretários de saúde ou meio ambiente. Aliás, nem mesmo os advogados poderiam ocupar cargo de secretário de Justiça”.
Segue afirmando que “também não restou demonstrada a presença do elemento anímico necessário à configuração do ato de improbidade ou, ainda, de prejuízo ao erário, mormente se considerado que não há notícia de inassiduidade ou de que o secretário de Meio Ambiente não tenha desempenhado a devida jornada de trabalho, de modo que, se não há lesão, não cabe reparação de danos, sob pena de enriquecimento ilícito do ente público”. E, ainda, “que seriam desproporcionais as sanções de suspensão dos direitos políticos e de ressarcimento ao erário”.