Entre a Concha Acústica e o campo São Martinho, tem uma pequena ruazinha batizada de J. T. Correa Guimarães, ou rua Nhonhô da Botica. Ela começa na rua Cel. Lúcio Seabra e termina na rua do Cruzeiro. Em seu final, havia uma casa que foi demolida e ela, a rua, estendeu-se até o bairro Junqueira, mas com outro nome.
Essa antiga casa era rodeada por um grande terreno cheinho de pés de mexericas, jabuticabas e outras frutas que adoçavam nossa infância. Ela pertencia ao senhor Dito Maravilha, uma pessoa reservada e simpática.
Nesse tempo, nós éramos alunos do Grupo Escolar “Eugênio Santos” e, após as aulas, três ou quatro amigos, íamos bater palmas na porta da casinha do Dito, e éramos recebidos com grandes punhados de jabuticabas e mexericas.
Outras vezes, a molecada pulava a cerca e se fartava com as deliciosas frutas da época. A gente não pedia e ele fazia de conta que não estava vendo… Só quem passou por isso é que pode entender!
Um dia, antes de bater em sua porta, vimos uma tabuleta colada na parede, onde estava escrito:
– Procura-se uma mula!
Embaixo, um texto enorme:
“No dia 06 de outubro deste ano de 1962, sumiu de minha propriedade uma mulinha com as seguintes características: amarronzada, ferrada, um pequeno defeito na base da orelha direita, uma falha na crina, motivada por uma mordida de um jumento mal-intencionado, mansa e boa de montaria. Não sei quem a roubou, mas desconfio quem foi, mas como não vi, só posso pensar em quem praticou tamanha maldade. Quem souber onde ela se encontra, favor informar neste endereço, assinado: ‘Benedito Maravilha’”.
Muitos anos depois, quando soube que a casa seria demolida, fui até lá me despedir daquele pedaço de minha história e, surpreso, vi que a tabuleta estava ainda lá. Descolorida, quase apagada, mas lá estava ela… Cuidadosamente, tirei e a guardei comigo.
Não lembro se a mula teria sido encontrada e o Benedito Maravilha já reside no “Cristo Rei” há um bom tempo.
Dias desses, vasculhando meus quardados, deparei-me com essa mensagem, viajante do tempo! Relendo mais uma vez, cheguei a algumas conclusões. Ali tinha muito do Dito Maravilha, o texto era simples, mas transparente, insinuava que ele sabia quem roubara sua mula, mas, como não vira, ele não acusava, era ponderado, prudente e justo. Do seu jeito simples, descreveu o animal em detalhes e demonstra a sua tristeza na perda, entendendo como pura maldade o roubo. Guardei novamente a relíquia e retomei a vida do dia a dia.
São coisas da vida…
Descanse em paz, “seu” Dito Maravilha!