Cristiano Mota
Luiz dos Santos Netto divulgou que o aumento foi verificado no período de dez dias do mês passado
Crimes e “infrações administrativas” previstos no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e cometidos por pais contra os filhos tiveram “alta” na cidade, em abril. O diagnóstico, divulgado pelo presidente do Conselho Tutelar, advogado Luiz dos Santos Netto, acompanha uma constatação.
A O Progresso, Netto afirmou que situações de abandonos são atípicas em Tatuí. Conforme ele, o órgão não verificou a existência de “uma crescente” – alta progressiva mês a mês. Por esse motivo, o número de crianças atendidas pelo órgão surpreendeu até mesmo os integrantes.
Casos de negligência e abandono ficaram mais evidentes no final do mês passado. Nos dias 26 e 27, último domingo e segunda-feira de abril, respectivamente, 12 crianças estiveram envolvidas em crimes constatados pelo conselho.
Um deles ganhou repercussão por conta de divulgação de um vídeo, repassado pela Polícia Militar a uma emissora de televisão. O material contém imagens de sete crianças encontradas sozinhas em uma residência (o bairro não foi divulgado).
A PM aguardou a chegada das mães, de 25 e 28 anos, por um período de três horas. Enquanto esperavam, os policiais teriam notado indícios de maus-tratos. As mulheres foram levadas até a delegacia da Polícia Civil e detidas. Elas pagaram fiança e responderão processos em liberdade.
Conforme explicou Netto, a mulher de 25 anos é mãe de quatro crianças. As outras três são filhas da que tem 28 anos. A situação das mulheres e dos filhos serão decididas pelo juízo da Vara da Infância e da Juventude.
Em função do flagrante de abandono, o conselho tomou medidas administrativas. Elas incluem o afastamento das crianças da convivência com as mães.
“Quem vai dizer se vai ser retirada a guarda ou se ela será devolvida vai ser a autoridade judiciária, que é quem detém competência para isso”, iniciou o conselheiro.
Segundo ele, quando há constatação de maus-tratos ou negligência, o conselho tem autorização para afastá-las. O órgão toma a decisão com base em dois artigos do ECA, o 98 e o 249, que tratam de medidas de proteção.
Os conselheiros também levam em consideração a situação. “Isso tudo, partindo de um pressuposto que existe materialidade e indícios de autoria”, disse o presidente.
Quando não há esses indícios, ou constatação evidente, um processo de apuração é aberto. Nesse caso, o conselho solicita relatórios das equipes da chamada “rede de proteção à criança e ao adolescente”. Depois de obtidas as informações, encaminham o caso ao Ministério Público.
Netto informou que é o MP o órgão que entra, ou não, com pedido de afastamento de convivência familiar, no caso de não haver indício num primeiro momento. Dependendo da decisão, o juiz defere, ou não, o afastamento.
Quando há verificação de crimes, a dinâmica é outra, como no caso das sete crianças. Em se constatando flagrante, o presidente do conselho disse que os próprios membros podem optar por retirar as crianças do convívio dos pais.
Nessa situação, o juiz tem 48 horas para analisar se mantém a decisão adotada pelo conselheiro, ou se devolve a criança ou adolescente para a mãe. No caso da mulher com quatro filhos, as crianças permaneceram com parentes naturais (pai na impossibilidade da mãe, e vice-versa) e extensivos (tios, avós).
As crianças da mulher de 25 anos são filhas de três pais diferentes. Um deles ficou com a guarda provisória e, conforme o conselheiro, já cuida de outro filho mais velho (tendo a guarda definitiva), fruto do relacionamento que ambos tiveram. As outras três crianças ficaram com os respectivos avós paternos.
Com relação à mãe de 28 anos, duas das crianças ficaram com o pai. A terceira teve de ser levada para acolhimento, em função de o conselho não encontrar, “no momento do flagrante”, familiares com condições mínimas de cuidar dela.
Em função do registro de boletim de ocorrência, Netto disse que as mães podem, provavelmente, responder a dois processos. Um, na esfera criminal, e outro, na cível.
“Especificamente, o relacionado à guarda vai para a competência da Vara da Infância e da Juventude. O criminal será distribuído para uma das duas varas criminais. Mas, um juiz pedirá informação para o outro”, comentou o presidente.
Conforme ele, os procedimentos a serem adotados variam conforme os casos. Em determinadas situações, as mães podem responder somente a processo cível. “Às vezes, não houve nada que pudesse se ensejar em boletim por qualquer crime tipificado no ECA, ou no Código Penal”.
Nas situações verificadas, os responsáveis pelas crianças já eram acompanhados pelo conselho. Conforme Neto, os pais das cinco crianças atendidas no domingo, sendo duas delas encontradas sozinhas, respondiam processo na esfera cível.
Segundo relatou o presidente do órgão, os pais e dois irmãos das crianças localizadas sozinhas estão presos. Elas tinham sido deixadas aos cuidados de outro irmão, de 23 anos. “Ele deixou a desejar, e o conselho teve de intervir”, disse.
Ainda em abril, no dia 24, o CT atendeu outro caso de abandono de incapaz. Cinco crianças precisaram ser afastadas do convívio dos pais pelo órgão. “Esse é um caso que nós estamos acompanhando há um tempo”.
Também no final de abril, o conselho precisou abrigar outras duas crianças – um menino e uma menina. Elas estavam com uma mulher detida por tráfico de drogas no dia 30, véspera do feriado de 1º de maio, Dia do Trabalhador.
“Como não havia pessoa da família para cuidar delas, nós acabamos tendo que acolhê-las. Esse caso também vai para o Judiciário, porque a mãe está presa por envolvimento com droga e traficava junto com as crianças”, comentou.
A mulher vai responder a dois processos, um pelo tráfico e outro que vai decidir sobre a guarda das crianças. Nessa situação em específico, Netto afirmou que a mãe não praticou nenhum “crime direto” contra os filhos, mas “violação administrativa”, prevista no ECA, por conta de colocá-los em risco.
No mesmo dia, o órgão precisou retirar do convívio familiar outra criança, de três meses de idade. “A mãe é bastante conhecida do conselho e, nesse caso, nós mandamos os elementos para o fórum e o juiz determinou a busca e apreensão. A mãe, nesse momento, não tem condições de cuidar dela”.
O número grande de crimes cometidos por pais contra os filhos e registrado nos últimos dez dias de abril é considerado atípico pelo conselheiro.
Conforme ele, o que se tornou mais recorrente são situações em que os pais perdem a guarda dos filhos em função do envolvimento com o tráfico de entorpecentes.
“Isso reflete na situação dos filhos, porque eles acabam sendo presos e não têm quem possa assumir as crianças. Elas acabam vindo até nós”, disse Netto.
Todo acolhimento é comunicado à autoridade judiciária e gera processo na Vara da Infância e da Juventude. Dependendo da idade da criança, o juiz pode mantê-la no acolhimento até que a situação criminal dos pais possa ser resolvida.
Na visão de Netto, o problema é que, em algumas situações, o processo criminal traz reflexos no cível. “O juiz não pode deixar um bebê se desenvolver num abrigo, não é essa a ideia do acolhimento”, argumentou.
De acordo com ele, o ideal é que as crianças fiquem no acolhimento “o mínimo possível”. “Se a situação dos pais se complicar na esfera criminal, eles vão perder a liberdade por um bom tempo. E a criança não pode ser penalizada por isso. Os pais têm direito a defesa, mas uma coisa está vinculada à outra”.
A mãe detida por tráfico é um dos exemplos citados pelo presidente do conselho como situação que gera processo criminal e cível, mas este, não por negligência.
Ela já estava sendo atendida pelo conselho e, conforme o presidente, tem outros quatro filhos de outro relacionamento sendo cuidados por familiares.
“Em geral, é o lado paterno que acaba assumindo a guarda provisória. Quando a condição é para o lado da mulher, a família materna não aparece”, revelou.
Por esse motivo, Netto disse que as mulheres são as mais prejudicadas quando se envolvem com o tráfico de drogas. Conforme o conselheiro, muitas tendem a entrar “nesse mundo” por falta de estrutura ou dificuldade financeira. “O problema é que isso acaba refletindo na vida dos filhos”.
A entrada de crianças na Casa de Acolhimento é uma das últimas medidas adotadas pelo CT no caso de negligência. O órgão pode determinar, antes da decisão de um juiz, que a criança vá para uma casa transitória quando encontra indícios de maus-tratos e quando não localiza parentes naturais ou extensivos.
Dependendo dos casos, as crianças podem ser levadas para “famílias substitutas”. “Aí, já é caso para adoção”, disse Netto. O procedimento envolve cadastro de pessoas interessadas, em lista de espera, sendo que o procedimento de entrega das crianças é realizado por meio da “autoridade judiciária”.
O conselho também pode, dependendo das circunstâncias, entregar as crianças retiradas do convívio dos pais para parentes. A única exigência é que as pessoas tenham as condições verificadas (financeiras, psicológicas, entre outras).
Em Tatuí, os casos analisados pelo conselho chegam por “vários canais”. Netto informou que o CT registra denúncia direta, obtém informações via “Disque 100” e por meio de ocorrências da Polícia Militar e Guarda Civil Municipal.
“Quando há interação com a PM e a GCM, às vezes, nós somos acionados; às vezes, nós acionamos, quando precisamos de apoio”, comentou o presidente.
Também conforme ele, a maioria dos crimes contra crianças e adolescentes registrados em Tatuí está ligada à condição financeira dos pais. “Quando se fala no afastamento e no acolhimento, sempre está condicionado à situação social”.
Segundo o presidente, os casos que geram acolhimento são “muito raros em famílias fora da faixa social”. Em geral, as crianças e adolescentes que têm os direitos violados são filhos de pais que vivem em condições precárias, de mães separadas e com pouca idade, sem emprego e residência própria.
Para Netto, a falta de moradia gera um “desequilíbrio do ambiente familiar”. Como exemplo, citou a família que teve os cinco filhos retirados do convívio e reside no Jardim Europa.
Segundo ele, os pais foram contemplados com residência pelo sistema habitacional do governo do Estado, mas venderam a propriedade e precisaram voltar para área de risco.
“Nessa situação, nós geramos um procedimento só administrativo, porque não há como penalizar mais o casal do que já está sendo penalizado”, disse Netto.
Em todas as situações, o conselho faz acompanhamento da situação das famílias. Quando não há acolhimento nem entrega para parentes extensivos, o órgão encaminha os pais e os filhos para atendimento “junto à rede”.
Ela abrange o Cras (Centro de Referência de Atendimento Social), Creas (Centro de Referência Especializado de Atendimento Social), além das secretarias da Saúde (para atendimento em programas distintos) e da Educação, Cultura e Turismo (para encaminhamento a uma unidade de ensino).
“Num primeiro momento, vamos encaminhar para os serviços, para que os pais não possam dizer que não tiveram oportunidades. Mas, tudo também vai depender dos responsáveis contribuírem com a parcela deles”, encerrou o conselheiro.