Até há pouco, ainda muitos reagiam de maneira ostensiva quando confrontados com as recomendações “científicas” para o combate à Covid-19, as quais sempre reforçaram, particularmente, a necessidade de isolamento social e uso de máscaras e álcool em gel para a higienização.
Por certo, esse comportamento, a manifestar-se com maior intensidade e rudez em redes sociais, apoia-se no chamado “negacionismo”, embora não por maior conta em crenças quanto a conspirações que pela sedução à violência, ao desprezo à Educação, à ciência e a tudo o mais identificado à civilidade.
É certo que outro contingente, embora não alienado, também confronte as medidas de restrições em virtude dos prejuízos por elas inevitavelmente causados – o que é perfeitamente compreensível.
O resultado de tantos conflitos acabou sendo uma ruptura ainda maior entre os supostamente “opostos” – fenômeno muito pertinente, não por acaso, à política que carece da desagregação social para se sustentar em popularidade e, por conseguinte, no comando.
De março para cá, contudo, situações esperadas “e” inesperadas ocorreram, levando ao abalo de significativa parte do suporte ao negacionismo, e mesmo da adesão aos princípios bem indisfarçados de um movimento obscurantista no Brasil.
Neste sentido, inesperados foram os resultados destas últimas eleições, com o fortalecimento não necessariamente do “centrão” (o que atingiu seu ápice agora, no centro do poder nacional, eleito há dois anos), mas do “centro” que implica em equilíbrio, em distanciamento dos extremos e, portanto, dos extremistas nocivos.
Ótimo para quem crê que “a democracia é a pior forma de governo do mundo, salvo todas as demais que têm sido experimentadas”, como celebrizado por Winston Crurchill; péssimo para quem mantém-se excitado com desejos de golpe de estado, “intervenção”, censura, torturas e outros fetiches mórbidos…
Por sua vez, o esperado aconteceu: pela falta de zelo e sensibilidade para com a vida das pessoas, a política negacionista levou à confirmação das piores expectativas, já somando quase 230 mil mortes pelo novo coronavírus.
Outro resultado aguardado: a “segunda onda” de contaminações, ainda mais contagiosa e mortal, insuflada tanto pela natural mutação do vírus quanto pela farra do bundalelê meu boi de rebanho, testemunhada nas festas de final de ano e em outras mais que, aparentemente, não têm data para acabar.
E, seguindo no cortejo fúnebre, atingiu-se outro ponto inesperado, desta feita ainda mais dramático, catastrófico, em que seres humanos morrem asfixiados…
São vítimas a não conseguirem respirar, sobretudo, pela culpa da omissão e da indiferença muito mais que pela escassez de cilindros de oxigênio – dada a tragédia ter sido anunciada com antecedência.
Seja pelo testemunho deste horror, seja porque (infelizmente) já perderam entes queridos, muitos passam, rapidamente, a deixar o rebanho incauto em direção aos postos de vacinação (claro, entre os quais, até ex-negacionistas tentando furar a fila).
Menos mal, desde que se respeite a ordem “civilizada” de imunização, tendo à frente, inquestionavelmente, os profissionais de saúde e os integrantes dos grupos de maior risco.
Aí, vem mais uma questão inesperada: apesar de todas as evidências, ainda há quem se oponha à vacinação. Seria natural, portanto, que o país estivesse vivenciando uma inédita e extraordinariamente maciça campanha de comunicação a favor da imunização.
Mas, como neste país da atualidade o que não falta são atitudes inacreditáveis (embora não mais surpreendentes), isto não está ocorrendo.
Da mesma forma que, no início da pandemia, coube aos veículos de imprensa articularem-se para contar à população quantos estavam morrendo, agora, eles tomam frente na conscientização sobre a vital importância da vacinação.
Neste momento, quando as vacinas chegaram ao Brasil, o chamado “consórcio de veículos de imprensa” propõe uma mobilização para mostrar que “é hora de todos levantarem suas mangas”.
Com o mote “Vacina Sim”, TV Globo, G1, GloboNews, O Globo, Extra, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e UOL lançaram, no dia 29 de janeiro, no Jornal Nacional, a campanha de conscientização sobre a importância da vacina.
De acordo com Sérgio Dávila, diretor de redação da Folha de S. Paulo, “não há saída para a pandemia fora da vacina. Mais uma vez, cabe ao jornalismo profissional divulgar esta informação vital”.
“Por incompetência das autoridades, o consórcio inédito dos meios de comunicação se une novamente para reforçar a necessidade da imunização nacional e para contabilizar a porcentagem dos vacinados no país”, acentuou o diretor.
Iniciativas positivas, como essa, têm surtido efeito, inclusive nos redutos mais intransigentes. Antes, como lembrado, quando se apontava não ser essa pandemia apenas uma “gripezinha”, muitos aproveitavam a internet para externar seus instintos mais animalescos; hoje, já são poucos.
Contudo, mesmo quem ainda segue encabrestado ao criminoso negacionismo, seja por idolatria à truculência autoritária, seja por exclusiva preocupação com a crise econômica, precisa conscientizar-se de que, sem vacina, nada voltará ao “normal”, sobretudo a economia.
Ou seja, senão pela sua vida e a dos outros, garantindo-se imunidade ao corpo, pelo menos é preciso vacinar-se em socorro ao próprio bolso.
Neste sentido, há esperança, justamente por ser perceptível uma outra “segunda onda”, cujo volume cresce a partir de opiniões conscientes sobre a pandemia e afeitas à imunização.
Entretanto, como o mal da ignorância ainda não está extinto – tal a Sars-CoV 2 -, é fundamental o apoio a esta nova onda que se afasta dos cemitérios, tomando o caminho da lucidez.