Violência doméstica em Tatuí aumenta

Programa Patrulha da Paz realiza 17 cadastros em menos de dois meses (Foto: Diléa Silva)
Da reportagem

Entre os meses de março e junho, período que coincide com a quarentena – adotada para evitar a propagação do novo coronavírus -, o número de atendimentos em casos de violência contra as mulheres teve crescimento em Tatuí.

O estado de São Paulo vive desde 24 de março sob o isolamento social, regulamentado por decreto do governador João Doria (PSDB). As regras da quarentena são válidas para todos os municípios.

De acordo com estatísticas divulgadas pela SSP (Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo), com dados de registro da DDM (Delegacia de Defesa da Mulher), houve crescimento de 26,02% no número de inquéritos instaurados no período em Tatuí.

No ano passado, a DDM instaurou 146 procedimentos policiais por violência doméstica de março a junho. Neste ano, foram 184 inquéritos – o que representa média de 1,19 ocorrência de violência doméstica a cada 24 horas.

O aumento também é apontado pelos relatórios da Patrulha da Paz, programa especializado no atendimento de mulheres vítimas de violência, mantido pela Guarda Civil Municipal, em parceria com o Núcleo de Justiça Restaurativa.

Conforme levantamento da GCM, nos quatro meses, houve aumento de 32% no número de casos de agressão contra a mulher em relação ao mesmo período do ano passado. Em 2019, o órgão de segurança registrou 25 ocorrências e em 2020, 33.

Os números consideram apenas os atendimentos que geraram boletim de ocorrência. O pior resultado aparece no mês de julho, com salto de duas ocorrências, em 2019, para nove, neste ano.

No mês passado, a GCM atendeu os dois casos mais graves de violência doméstica de 2020. O mais recente ocorreu na noite de terça-feira, 28 de julho, quando o ajudante de caminhoneiro Everton Reinaldo Vaz, de 30 anos, foi preso acusado de jogar álcool e, em seguida, atear fogo no corpo da companheira dele, uma jovem de 21 anos.

Segundo a GCM, profissionais do Pronto-Socorro Municipal “Erasmo Peixoto” acionaram a corporação informando que haviam acabado de receber a mulher no hospital com pelo menos 60% do corpo queimado.

De acordo com informações médicas passadas à GCM, o estado de saúde da vítima é gravíssimo e até a tarde desta terça-feira, 4, ela seguia internada em um hospital especializado em São Paulo.

Já no dia 7 de julho, o motorista Anísio Moreira Satel, de 57 anos, foi preso acusado de matar a esposa, Adelaide Selma Paulina Remde Satel, de 72.

Conforme o boletim de ocorrência registrado sobre o caso, Satel é acusado de ter agredido Adelaide no imóvel deles, na tarde do dia 24 de junho. Adelaide faleceu no dia 29 de junho, após ficar cinco dias internada, em estado grave, na Santa Casa de Misericórdia, com fratura exposta em um dos braços e traumatismo craniano.

O juiz da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal e coordenador do Núcleo de Justiça Restaurativa, Marcelo Nalesso Salmaso, observou que o isolamento social traz alguns fatores que têm contribuído para o aumento dos índices.

“A convivência está bastante afetada nestes tempos de pandemia. As pessoas estão vivendo um contexto de insegurança. Em alguns casos, a situação financeira está prejudicada, e existem outros diversos fatores que geram angustias e acabam trazendo a violência à tona”, afirmou o magistrado.

“Toda essa situação relacionada à pandemia, como falta de emprego e outros problemas, não justificam a violência, mas são fatores significativos para que situações de violência aconteçam”, completou Salmaso.

O comandante da GCM, Antonino José Rodrigues da Costa, também classificou os índices como um reflexo da pandemia e acrescentou que o aumento do consumo de bebidas alcoólicas e o isolamento da vítima com o agressor – que em 90% dos casos é o cônjuge -, podem ter influenciado os números.

Patrulha da Paz

Costa também justificou o aumento mais significativo de registros nos meses de junho e julho lembrando o início do cadastramento das mulheres vítimas de violência pelo programa Patrulha da Paz.

Segundo Costa, também devido à pandemia, o início do cadastro das vítimas atrasou e a GCM precisou replanejar as ações do programa junto com a Justiça Restaurativa – que teve as atividades presenciais suspensas.

Conforme levantamento do órgão, de 24 de junho a 29 de julho, 17 mulheres procuraram ajuda da GCM relatando violência doméstica e se cadastraram no programa Patrulha da Paz, sendo nove com medidas protetivas expedidas pela Justiça.

“Acredito que o início do cadastramento também tenha ajudado no aumento dos índices, isso porque, agora, as vítimas se sentem mais seguras para denunciar abusos e agressões. Elas sabem que nós temos estrutura para receber as denúncias e ajudá-las”, declarou o comandante.

De acordo com a GCM Érica Renata Vieira, todas as famílias cadastradas estão recebendo visita da Patrulha da Paz e foram encaminhadas ao Núcleo de Justiça Restaurativa para serem assistidas por equipe especializada.

Ela detalhou que o programa Patrulha da Paz conta com rondas específicas, além de suporte aos programas sociais já existentes no Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), Justiça Restaurativa, Polícia Civil e CMDM (Conselho Municipal dos Direitos da Mulher).

Com o programa, a partir das notificações de violência junto ao Judiciário e da emissão das medidas protetivas, é feito um cadastro da vítima e do agressor, e os guardas que atuam na patrulha passam a fiscalizar eventuais descumprimentos das ordens expedidas.

As mulheres atendidas pelo programa ainda contam com o auxílio de um aplicativo chamado “Botão de Pânico” – ferramenta desenvolvida por Érica em parceria com o GCM Darci Corrêa Júnior.

O aplicativo é instalado no celular da vítima e, caso o agressor não mantenha distância mínima garantida pela Lei Maria da Penha, ou a mulher se sinta ameaçada, ela pode acionar a GCM por meio do dispositivo.

Para usá-lo, a interessada deve fazer cadastro por meio do atendimento da Justiça Restaurativa. A própria Érica é responsável pela instalação do aplicativo no dispositivo da vítima e, com isso, a ferramenta passa a fornecer informações à Patrulha da Paz.

Das 17 mulheres cadastradas, 16 pediram a instalação do “botão do pânico”. Érica explicou que tanto a visita do programa quanto o uso do aplicativo devem ser consentidos pelas vítimas para que a GCM possa atuar.

Com os cadastros, de 24 de junho a 29 de julho, foram realizados 11 atendimentos de ocorrências, além de 34 visitas e três acionamentos do botão do pânico, os quais resultaram em duas prisões por descumprimento de medida protetiva.

Érica enfatizou que o aplicativo serve para que a GCM possa ter mais rapidez e passe a priorizar o atendimento das vítimas, deslocando as equipes mais próximas ao local da ocorrência.

“A mulher que já está cadastrada aperta o botão do aplicativo e, imediatamente, aciona a GCM. Como os agentes já terão todos os dados em mãos por meio do sistema, a viatura logo estará no local indicado. A própria ferramenta dará a localização da vítima”, explicou a GCM.

O botão de pânico gera, automaticamente, uma ocorrência de risco à integridade física, pelos centros de operações da GCM. O atendimento é priorizado e a viatura utilizará as coordenadas geográficas da pessoa – entre outros dados do cadastro – para encaminhar a equipe policial mais próxima.

Após readequação, órgãos como a GCM, Justiça Restaurativa, DDM, Polícia Civil e Polícia Militar, além de outros serviços sociais que prestam atendimento às mulheres vítimas de violência, continuam em funcionamento. Há ainda o atendimento pela delegacia eletrônica.

“Precisamos replanejar nossas atividades, mas quase tudo isso está funcionando. Continuamos recebendo as denúncias e os encaminhamentos, além da procura espontânea em dois dias específicos para o atendimento de vítimas de violência”, informou Salmaso.

Segundo ele, para ser atendida pelo programa, existem dois caminhos: o formal, por meio de encaminhamento da Justiça, e o informal, das mulheres vítimas que se sentem ameaçadas ou foram agredidas e querem a proteção, mas não a denúncia formal.

Para ser cadastrada no programa, basta entrar em contato com a Justiça Restaurativa pelo (15) 99629-8316. O número é exclusivo ao atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica. Ou ainda pelos telefones da GCM 199 e 153.

Também é possível procurar o Núcleo de Justiça Restaurativa às quartas e sextas-feiras, das 9h às 17h, para atendimento presencial, à praça Paulo Setúbal, 71, centro, preferencialmente, com atendimento agendado.

Para finalizar, Salmaso frisou a importância da denúncia e classificou o serviço da Patrulha da Paz como “fundamental” para o enfrentamento à violência doméstica no município, salientando que poucas cidades contam com programas deste tipo.

“Essa é uma grande iniciativa do município. A possibilidade de a vítima ter um contato direto com as equipes de segurança, quando elas se sentem ameaçadas, traz uma efetividade muito grande no sentido de protegê-las e tem contribuído muito no enfrentamento da violência doméstica”, concluiu o juiz.