A violência contra a mulher ocorre todos os dias e de diversas formas. Assédio sexual, estupro, exploração sexual, tortura, violência física e psicológica, perseguição e até o feminícídio fazem parte de ciclo de medo constante entre o gênero feminino e estão presentes em lugares diversos. No ambiente de trabalho, na faculdade e dentro de casa.
Dados compilados no “Dossiê Violência contra as Mulheres”, elaborado pelo Instituto Patrícia Galvão, mostram que, no Brasil, a cada dois minutos, cinco mulheres são vítimas de espancamento.
A pesquisa indica, ainda, a ocorrência de um estupro a cada 11 minutos, um feminicídio a cada 90 minutos e 179 relatos de agressão por dia na Central de Atendimento à Mulher do disque 180. O parceiro (marido, namorado ou ex) é o responsável por mais de 80% dos casos, segundo a pesquisa “Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado” (FPA/Sesc, 2010).
Em Tatuí, o quadro não é menos preocupante. De acordo com Silvan Renosto, delegado responsável pela Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) do município, foram registrados 766 boletins de ocorrências de violência contra a mulher em 2017.
No ano anterior, os números atingiram 594 registros, o que corresponde a aumento de 28,96% em um ano. Neste mesmo período, foram instaurados 818 inquéritos (procedimento investigativo da polícia): 392 em 2017 e 426 em 2016.
Ainda segundo Renosto, pelo menos uma medida protetiva é aplicada diariamente na DDM, dependendo da representação das vítimas. As medidas são impostas após a denúncia de agressão, cabendo ao juiz determinar a execução desse mecanismo em até 48 horas após o recebimento do pedido da vítima ou do Ministério Público.
Para o delegado, os índices não representam aumento neste tipo de crime, apenas refletem o maior número de denúncias, devido à propagação da Lei Maria da Penha (11.340/2006).
“O que ocorre é que as autoridades, hoje, têm mais conhecimento desses casos. Isso (a violência contra a mulher) é uma coisa que existe há décadas e, hoje, está tendo mais visibilidade. Não quer dizer que não tinha e está tendo agora. Pelo contrário, isso sempre ocorreu, só que agora elas estão entendendo que podem procurar a polícia por este motivo. Ou seja, as vítimas passaram a denunciar mais e, com isso, aumentaram estas estatísticas”, afirmou.
Esses dados representam apenas uma parte da realidade. Segundo Maria Cláudia Adum, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Tatuí, uma parcela considerável dos crimes cometidos contra a mulher não chega a ser denunciado.
“Muitas mulheres sofrem em silêncio, e existem muitas motivações para que não comunique a agressão. Elas têm medo que o agressor volte a agir e de que ele fique até mais violento, com o registro da ocorrência ou com uma separação”, observa ela.
“Elas pensam nos filhos. Têm medo de perder a guarda das crianças, de ficarem desamparadas financeiramente. Ficam com vergonha de ter que contar para alguém o que está acontecendo. Tudo isso influencia e impede que a vítima tenha coragem de denunciar”, pontuou.
A Lei Maria da Penha é uma das principais quando o assunto é o enfrentamento da violência doméstica. Com a lei, qualquer ação ou omissão baseada no gênero feminino, não somente as que lhe cause morte, mas também qualquer tipo de lesão, ou sofrimento físico, sexual, psicológico e dano moral ou patrimonial, passou a ser configurada como crime.
A pena varia de três meses a três anos de prisão. Antes, era de seis meses e um ano, e os casos de violência doméstica eram considerados crimes de menor potencial ofensivo.
“A Lei Maria da Penha é um sistema de proteção da mulher e não somente de criminalização. Ela mostra como interpretar o crime, mas, não é só isso: ela é muito mais abrangente. É importante saber que a lei protege as mulheres não apenas daquelas agressões que deixam marcas explícitas na pele, mas também daquelas que ferem a autoestima, que intimidam suas ações, que ridicularizam e limitam seus direitos como cidadã”, pormenorizou o delegado.
Para combater ou minimizar esse tipo de crime, o primeiro passo é denunciar o agressor. A Central de Atendimento à Mulher atende pelo telefone 180, recebendo denúncias ou relatos de violência. Ela também recebe reclamações sobre os serviços da rede e orienta as mulheres sobre direitos e a legislação vigente, encaminhando-as aos serviços, quando necessário.
A denúncia também pode ser feita diretamente na Delegacia da Mulher, que funciona de segunda-feira a sexta-feira, das 8h às 18h, na praça da Bandeira, 53, centro, ou, ainda, pelo telefone 190.
A luta pela garantia dos direitos das mulheres
Desde a criação da Lei Maria da Penha, o Brasil passou a implantar uma ampla rede de enfrentamento à violência contra a mulher. No município, existem instituições não governamentais formadas por voluntárias que trabalham no desenvolvimento de estratégias de prevenção e políticas públicas que visam à garantia dos direitos e o fortalecimento das mulheres.
Um dos órgãos que integram a rede é o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CMDM). Ele atua como um centro de debates para sensibilizar o poder público e cobrar dos órgãos responsáveis a qualidade dos serviços prestados às mulheres, além de fiscalizar o cumprimento da legislação que atende aos interesses do gênero.
O grupo é formado somente por mulheres. São profissionais de setores diversos, como saúde, educação, assistência social e sociedade civil organizada.
Segundo a presidente Maria Cláudia, o objetivo do conselho é formular políticas públicas que vão ao encontro dos problemas das mulheres, em qualquer assunto.
“Saúde, direitos trabalhistas, amamentação, maternidade, habitação, cultura, educação e, principalmente, a questão da violência, que está cada vez maior, são alguns dos temas que nós discutimos”, comentou.
Para abordar estes e outros assuntos, ocorrem reuniões mensais e, com base nos temas que são tratados, as conselheiras cobram do poder público as ações concretas. “Nosso dever é apontar e fiscalizar o que está sendo feito e o que estão deixando de fazer no sentido de garantir os direitos das mulheres”, reforçou a presidente.
“Como as conselheiras são de diversos setores, nós pontuamos as necessidades de melhoria e levamos as demandas para que a administração pública possa tomar as providências necessárias”, acrescentou.
“Ainda tem muita coisa que precisa ser feita para garantir que os direitos das mulheres sejam colocados em prática. Os índices são alarmantes. Todos os dias nós vemos um caso de violência, e fingir que não estamos vendo nada é colaborar para que esse tipo de crime continue”.
“A violência contra a mulher é um mal social que ainda está longe de acabar. Por isso, nós precisamos lutar pelos nossos direitos e encarar a luta pela igualdade”, finalizou.
Ainda na busca pelo cumprimento dos direitos das mulheres, o município conta com o projeto Promotoras Legais Populares (PLPs), um curso de formação que possibilita o fortalecimento da mulher por meio de instrução especializada em diversos assuntos inerentes a direito e cidadania.
De acordo com Heloísa Borges, coordenadora do curso em Tatuí, o projeto Promotoras Legais Populares inclui a realização de um curso anual, campanhas, debates e encontros sobre os temas diversos.
As aulas são voltadas a mulheres acima de 18 anos e acontecem às quartas-feiras. Uma nova turma terá início no final deste mês de março, em local a ser definido. O curso é gratuito, sem nenhum tipo de exigência além da idade.
“Neste curso, nós abordamos todos os temas ligados ao direito. Família, direito civil, pensão alimentícia, separação, a questão das uniões estáveis, saúde, educação, política, legislação trabalhista etc. Sempre pela ótica feminina”, afirma Heloísa.
Além de capacitar as mulheres para que conheçam seus direitos, o curso busca fazer com que elas se tornem pessoas comprometidas em mobilizar outras para a ação em defesa de seus direitos.
“Dentro do Conselho Municipal da Mulher, 90% dos membros são PLPs, e nós queremos ter pelo menos uma em cada conselho da cidade. Nossa ideia é audaciosa mesmo, mas é ter sempre um membro do PLP em cada discussão, em cada coisa que acontece. Nós temos que promover igualdade de direitos e de lutar contra o preconceito”, diz ela.
A atuação do movimento envolve, ainda, orientação a outras mulheres que estão com seus direitos violados ou ameaçados. As PLPs são multiplicadoras. Elas recebem as informações e, depois, têm que fazer com que o conhecimento adquirido chegue ao maior número de mulheres possível.
“Nós trabalhamos na linha de transformação, de combate ao preconceito, na luta pelos direitos. Não é um curso que você vai fazer para passar num cursinho, ou, então, em um concurso. As meninas que fazem o curso são chamadas ao trabalho”, acentuou.
Como exemplo, ela aponta o projeto “Meninas Sabidas”, formado por pessoas que fizeram o PLP. O programa é desenvolvido nos bairros com discussões de temas diversos e promovendo reuniões em roda de conversas e palestras com especialistas.
Atualmente, quatro núcleos estão em atuação: no Jardim Santa Rita de Cássia, Jardim Gonzaga, vila Angélica e Santa Lucila. Os encontros acontecem em escolas ou nos Centros de Referência em Assistência Social (Cras).