Em uma sala de aula, o professor propõe a seguinte dinâmica: “Você lê ou ouve sobre um suposto envolvimento de um professor da sua escola com algo criminoso, bem grave. Um caso de pedofilia, por exemplo. Por acaso, trata-se de um professor rigoroso que vive cobrando atitudes corretas de vocês. Você conta o que leu ou ouviu para alguém?
E, então, digamos que naquela semana, durante a aula desse professor, o diretor o chama e o professor deixa a sala bastante agitado. Você explica para alguém o que você supõe ser o motivo do que está acontecendo? E, por fim: imagine que, no grupo do WhatsApp, alguém comenta que sabe algo muito sério sobre o professor. Você diria algo sobre o que você também supostamente sabe sobre ele?”
Se você pensou em responder “sim” para qualquer uma dessas perguntas, parabéns! Você é um divulgador de falsas notícias, as famosas fake news.
Fake news é o ato de divulgar ou compartilhar notícias sem fonte adequada e que acarreta, conscientemente ou não, um dano para alguém. Ou seja, o ato de repassar uma notícia sem verificar sua procedência é o que caracteriza o fenômeno. Se ninguém comentasse, divulgasse ou compartilhasse notícia sem antes ter o cuidado de verificar sua origem, as postagens não seriam fonte de nenhuma confusão.
São, portanto, as pessoas – e não as notícias falsas – o problema. Boatos, fofocas, fuxicos, diz-que-me-disse, tudo isso é tão antigo como a própria humanidade. Deve ter surgido com a linguagem, já que as palavras não são tão boas para descrever situações – e, por isso, é sempre necessária alguma interpretação, o que sempre possibilita algum grau de distorção.
Então, o que há de diferente? A velocidade e a abrangência que esses boatos alcançam. Segundo pesquisa feita pelo MIT e publicada no dia 8 de março de 2018 na revista Science, uma notícia falsa é capaz de atingir até 100 mil pessoas.
Assustador, não? E quem são os divulgadores dessas notícias? Qualquer um que busque notoriedade, diversão ou claramente prejudicar outra pessoa. Aliás, já há um sofisticado aparato para disparar notícias falsas. São os robôs que criam perfis falsos e publicam, compartilham, alimentando a ilusão de que a notícia é verdadeira, afinal “está todo mundo comentando”.
Mas não são os robôs os principais vilões. São os jovens. E, particularmente, os jovens com poucos amigos e poucas “curtidas”. Eles são os principais disseminadores de notícias falsas. Para eles, a verdade é quase uma desconhecida.
O filósofo Platão já falava sobre a dificuldade de conhecer verdadeiramente. É preciso livrar-se das amarras das ilusões, das sombras do senso comum, da comodidade, da preguiça em se esforçar para saber de onde vem a notícia.
Mesmo para quem tem esse empenho, não é fácil distinguir uma notícia falsa de uma verdadeira. E, depois de muito trabalho, quando consegue, a dificuldade passa a ser convencer os outros a seguirem o mesmo caminho.
Descartes, outro filósofo obcecado pela verdade, submetia tudo o que conhecia a uma “dúvida metódica”. Se não fosse claro e distinto, deixa pra lá, melhor não confiar nisso. O rigor é o caminho do conhecimento, lembrava o pensador francês do século 17. A lição é fácil de saber. Só falta aprender.
O lugar no qual ainda é possível construir esse dia a dia de cuidado com a verdade e produzir um ambiente livre de fake news é a escola. Para isso, é preciso agir com método e persistência.
Não pode ser uma atividade ou outra, mas uma prática cotidiana, liderada pelos adultos. Não bastam os professores, mas todos os que convivem no mundo escolar. Tem de ser uma postura e não uma moda. Um hábito e não um esforço passageiro.
O risco é a perda das referências que nos fizeram, bem ou mal, chegarmos aqui. E sem referências confiáveis, a verdade passa a ser a do mais forte ou do mais esperto. E então, aí sim, estaremos verdadeiramente perdidos.
* Doutor em educação histórica pela UFPR e professor no Curso Positivo.