Dr. Jorge Sidnei R. da Costa – Cremesp 34.708 *
Um movimento antivacina já recebeu duro golpe nos Estados Unidos e reacendeu, na época, a discussão sobre vacinação infantil. A edição de setembro de 2016 da revista da Academia Americana de Pediatria trouxe mais um esforço das autoridades contra o movimento antivacina.
A partir de então, pediatras norte-americanos podem se recusar a atender pais com filhos não imunizados. A resolução é uma tentativa de constranger famílias a imunizar as crianças e reacende um velho debate: vacinar faz bem ou mal?
A grande maioria dos médicos tem calafrios ao ouvir essa pergunta. Hoje, a ciência considera a vacina como um dos maiores avanços na história da saúde da humanidade.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), de 2 a 3 milhões de vidas são salvas anualmente com a vacinação. “É uma das intervenções de saúde pública mais eficientes e com maior êxito”, diz a instituição em seu site.
Sabemos hoje que, devido à pandemia do coronavírus, muitas famílias deixaram de levar seus filhos aos postos de saúde para receber as vacinas rotineiras do calendário normal do PNI (Programa Nacional das Imunizações) das doenças imunopreviníveis com vacinas.
Segundo a OMS, a mortalidade mundial por sarampo caiu 74% de 2000 a 2010, graças à intensificação das campanhas de vacinação. E hoje é uma doença muito provável de causar novas epidemias, devido à baixa cobertura de vacinação.
Já a incidência de pólio diminuiu 99% entre 1998 e 2010, mas também pode recrudescer por causa da baixa cobertura vacinal, já que inúmeros pais não estão levando seus filhos para a vacinação de rotina.
Apesar dos números, o assunto é inesgotável. Há basicamente três motivações por detrás da recusa em vacinar os filhos. A primeira, religiosa (“Deus deve decidir se meu filho adoece ou não”).
A segunda busca evitar a “artificialidade” da vacina (mesmo que ela seja produzida com base em um agente da natureza, como fragmentos de vírus e bactérias). Os pais pensam: “Meu filho não terá essa doença tal”.
A terceira, por fim, questiona o lobby da indústria farmacêutica e teme supostas reações adversas, em um leque que vai do autismo à narcolepsia. Outras vezes, temos visto uma inversão de valores em relação aos pagamentos de vacinas, achando isso um “gasto” desnecessário.
Porém, alertamos: vacina aplicada é um investimento e não gasto. Ela pode salvar vidas. E eu pergunto: quanto custa uma vida? Você já deve ter ouvido algum pai ou mãe alertar quanto à possibilidade de uma vacina causar desde a própria doença a ser combatida até enfermidades mais complicadas, como autismo ou síndrome de Guillain-Barré (reação exagerada do sistema imunológico a um estímulo).
Credite isso, sobretudo, ao médico britânico Andrew Wakefield. Em 1998, ele espantou a comunidade científica com um estudo publicado na prestigiadíssima revista científica “The Lancet”.
Ele analisou 12 crianças portadoras de autismo, das quais oito manifestaram os primeiros sintomas da síndrome apenas duas semanas após tomarem a tríplice viral, que protege contra caxumba, sarampo e rubéola.
Conforme Wakefield, o sistema imunológico delas entrou em “pane” após os estímulos “excessivos” da vacina ao sistema imunológico. Resultado: uma inflamação do intestino que levou toxinas ao cérebro.
Os resultados apareceram em jornais e TVs do mundo inteiro. No entanto, uma série de investigações descobriu que algumas crianças voluntárias haviam sido indicadas por um escritório de advocacia interessado em entrar com ações contra a indústria farmacêutica.
Em 2010, a “The Lancet” retirou o estudo de seu site. Era fake news. No mesmo ano, o Conselho Britânico de Medicina cassou a licença de Wakefield e ele não pôde mais atender qualquer paciente.
Movimento Antivacina brasileiro
Nos Estados Unidos e na Europa, o movimento é relativamente forte – muito, porque a vacinação é feita em clínicas privadas e fica a cargo dos pais, o que de certa forma retira da equação os agentes de saúde e seu trabalho de conscientização.
Nos Estados Unidos, por exemplo, quase todos os estados liberam crianças das vacinas por motivos religiosos. No Brasil, contudo, o movimento é preocupante, pois muitos pais têm medo de levar seus filhos, para vacinarem, com medo de se contaminarem com a Covi-19.
O motivo para a adesão mais forte no Brasil é simples: uma ampla política pública que inclui vacinar de graça a população e explicar, desde o pré-natal da mãe, a importância de imunizar o bebê. Assim, a cultura de proteção passa de mãe para filho.
Isso ocorre desde 1976, quando foi instituído o Programa Nacional de Vacinação, que assegurou a oferta gratuita de doses pelo SUS e passou a obrigar os pais a imunizarem os filhos. Logo após nascer e antes de sair do hospital, por exemplo, o bebê nascido no Brasil precisa ter recebido vacinas contra BCG e hepatite B.
O trabalho vem dando resultados. Desde a instituição do Programa Nacional de Vacinação, pólio e febre amarela foram erradicadas no país. O Ministério da Saúde aplica, hoje, as 11 vacinas essenciais em cerca de 95% das crianças até nove anos: BCG, rotavírus, pneumocócica, meningocócica, tetra ou penta, poliomelite, tríplice viral doses 1 e 2, hepatites A e B, e febre amarela.
Outras vacinas, por exemplo, contra a meningite B, hoje a mais frequente no Brasil, em crianças menores de dez anos (cerca de 80% de incidência), só estão presentes nas unidades particulares de vacinação, e os pais precisam se conscientizar que essas vacinas são, pelo menos, duas doses, aplicadas com três meses e cinco meses de idade.
Fonte: jornal O Estado de S. Paulo – ed. de 06/09/2016; internet WHO.
* Médico especialista em pediatria pela SBP e AMB, membro da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), diretor clínico do “Sou Doutor Vacina – Clínica de Vacinação Dr. Jorge Sidnei” – CRM 34708.