Ainda que de maneira menos célere e entusiasmada – pelo menos em comparação a anos pré-crise -, boa parte da sociedade segue apoiando o respeito aos direitos individuais dos cidadãos. Razão para esperança, portanto.
Mais que isso, defende “a aceitação às diferentes formas de se viver em comunidade”, conforme observado no artigo “Precisamos redefinir o conceito de acessibilidade”, assinado por Daniela Mendes, superintendente-geral do Instituto Jô Clemente.
Esse instituto é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos que, há 58 anos, previne e promove a saúde das pessoas com deficiência intelectual, além de apoiar a inclusão social e a defesa de direitos desse público, produzindo e disseminando conhecimento.
Atua desde o nascimento ao processo de envelhecimento, buscando propiciar o desenvolvimento de habilidades e potencialidades que favoreçam a escolaridade e o emprego apoiado, além de oferecer assessoria jurídica às famílias sobre direitos.
No texto, ela lembra que, ao longo das últimas décadas, ocorreu a inclusão social de cerca de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência no país, segundo dados do Censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Desde que o Instituto Jô Clemente (antiga Apae de São Paulo) foi inaugurado, em 1961, aconteceram muitos avanços, sustenta a especialista.
“Naquela época, as pessoas com deficiência eram segregadas, escondidas da sociedade pelas próprias famílias. Ao longo dos anos, estimulamos e vimos muitas crianças, jovens e idosos com deficiência intelectual – nosso foco de atuação – conquistarem espaço na sociedade por meio da inclusão escolar e profissional, mas não é o bastante”, segue Daniela.
Ela defende que a sociedade precisa se engajar na causa para obter resultados mais concretos e atingir pessoas ainda segregadas.
“Muitos ainda enxergam a deficiência apenas por meio de uma cadeira de rodas ou de pisos táteis. Esses são recursos fundamentais, sim, mas os únicos necessários para promover a inclusão. Esse é um paradigma que precisa ser rompido”, ressalta.
“A pessoa com deficiência, seja intelectual ou de qualquer tipo, é tão capaz quanto qualquer outra, podendo desenvolver atividades complexas na escola, no trabalho, na vida social e afetiva”, aponta.
“Há, sim, a necessidade de se dar apoio e acessibilidade, mas não só por meio de estruturas arquitetônicas. Está na hora de promovermos uma acessibilidade social e eliminarmos as barreiras atitudinais, ou seja, abrir espaço para que as pessoas com deficiência sejam incluídas em todas as esferas sociais, tendo as mesmas oportunidades das demais”.
O Instituto Jô Clemente, inclusive, reitera que a deficiência intelectual e todas as outras podem ser interpretadas como “um grande aprendizado”.
“É comum ouvirmos representantes de empresas dizerem que aprenderam muito depois de terem contratado pessoas com algum tipo de deficiência, em especial a intelectual, cuja acessibilidade não depende de rampas ou pisos táteis, mas do apoio e envolvimento das pessoas ao redor”, comenta Daniela.
“Também não é raro escutarmos pais de crianças e adolescentes dizerem que seus filhos com algum atraso no desenvolvimento neuropsicomotor aprenderam muito mais na escola regular comum do que em uma escola especial, por conta da socialização com os outros estudantes. Trata-se de uma troca de experiências importante para o desenvolvimento de todos os envolvidos”, acentua a especialista.
“A nossa visão é otimista. Temos o propósito e a clareza de que a inclusão social é o melhor caminho para a construção de uma sociedade mais justa e com direitos e deveres iguais para todos, e acreditamos que isso se tornará realidade”, conclui Daniela, em nome do Instituto Jô Clemente.
Fácil de se observar, portanto, o grande passo e privilégio que a cidade está tendo oportunidade de vivenciar neste momento, com a edificação da Ceat (Clínica-Escola para Autistas de Tatuí), destinada a atender pessoas com TEA (transtorno do espectro autista) e outras síndromes.
Nesta semana, o Legislativo local autorizou a prefeitura a investir R$ 1,4 milhão na construção de um prédio para abrigar a futura unidade. O projeto de lei 03/20, do Executivo, que dá aval à abertura de crédito adicional especial para a construção da Ceat, foi aprovado por unanimidade.
A unidade será construída pela prefeitura, por meio de parceria com o Ministério Público Estadual. A verba, direcionada pela promotora de Justiça Izabela Angélica Queiroz Fonseca, da Comarca de Tatuí, permite a construção de um prédio de 700 metros quadrados em terreno de 12 mil metros quadrados, no loteamento Jardim Esplanada.
Conforme divulgado no evento de apresentação do projeto, a Ceat ajudará no processo de inclusão da pessoa autista e com outras síndromes, oferecendo atendimento especializado por meio de equipe multidisciplinar nas áreas de saúde, educação, assistência social e nutrição. A capacidade de atendimento será de 250 pessoas, com idade a partir de dois anos.
A criação da clínica-escola seguirá modelo idealizado por Berenice Piana (autora da lei federal 12.764, que trata de políticas públicas para o autismo), já implantado em Itaboraí (RJ) há dois anos, sendo referência nacional no tratamento de pessoas com TEA.
Tatuí será a terceira cidade brasileira a implantar projeto nesse molde. O município carioca foi o primeiro a oferecer atendimento gratuito para autistas dentro de uma clínica-escola e Santos deve iniciar as atividades em breve.
A intenção é desenvolver ações de forma intersetorial, como atendimento integral de saúde, serviços multiprofissionais, acesso a medicamentos, incentivo à formação de profissionais especializados no atendimento a pessoas com TEA e promoção de capacitação de pais e responsáveis.
“Todos estes tópicos já estão preconizados dentro desta lei federal, e é com base nisso que a gente vem descendo nos âmbitos estadual e municipal para a criação da unidade em Tatuí, que oferecerá todos estes serviços de forma gratuita”, informou a diretora do Departamento Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, Rita de Cássia Leme Ramos.
Quanto aos serviços oferecidos, a proposta prevê estrutura multidisciplinar, com psiquiatra, nutricionista, pediatra, fonoaudiólogo, psicólogo, psicopedagogo, professores especializados e enfermeiros.
A criação da clínica-escola está prevista em lei municipal que cria a Política Municipal dos Direitos das Pessoas com TEA e é voltada às pessoas com transtorno autista, síndrome de Asperger, transtorno desintegrativo da infância, transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação e síndrome de Rett.
A O Progresso, a promotora explicou que o recurso destinado à implantação da Ceat vem de ações e acordos judiciais cujo pagamento, em dinheiro, representa a restituição de bens que já pertenciam ao município.
“O dinheiro que virá para custear este projeto é justamente o dinheiro que era do erário e foi desviado. Agora, ele vai ser utilizado em benefício da população. Este acordo trará muito mais benefícios do que, eventualmente, a gente mandá-lo para um fundo lá em São Paulo”, observou a promotora.
Toda a iniciativa representa belíssimo exemplo tanto de que ainda há muita gente sensível, apostando em construir um país melhor pela solidariedade, quanto a de que boa vontade e união costumam render frutos realmente positivos.
Neste caso, ainda, ser a terceira cidade no país a ganhar um serviço exemplar e tão necessário, com inquestionável eficácia a favor de mais justiça social, é um grande privilégio!