Tristão e Isolda





Uma ópera de Wagner nos bastidores de Brasília

Richard Wagner (1813-1883) andava, apesar da glória, endividado até o pescoço. Tal qual nosso Carlos Gomes (1836-1896) nos seus últimos tempos no Pará, que chegou a pular o muro para fugir de cobradores, apesar do prestígio. Por essas e outras, além da paixão desmedida e impossível que sentia por Mathilde, poeta e esposa de Wesendonk, seu protetor, Wagner viu-se obrigado a uma escapada para a Suíça – não por um paraíso fiscal, onde hoje viveria na fartura se tivesse alguma fortuna obscura, pois os então recém-fundados Crédit Lyonnais e Crédit Suisse ainda não operavam como refúgio. Em meio a turbulências e paixões, interrompeu o volumoso trabalho do “Anel do Nibelungo”, uma tetralogia monumental com as óperas “O Ouro do Reino”, “A Valquíria”, “Siegfried” e “O Crepúsculo dos Deuses” –  para compor esta obra que marcou o começo de uma nova era na música universal. Wagner partiu de uma lenda celta do século 13, etnia (“celtic”, pronuncia-se “keltik”) poderosa na Europa durante muito tempo, e sobre a mitologia desses povos arquitetou “Tristan und Isolde”, um drama musical sem precedentes. Foi o “turning point”, o rompimento com a tradição de seu século. Na obra, o compositor se liberta das amarras tradicionais, navegando em constantes mudanças de tonalidade, melodias a vagar como espíritos. Introduz o cromatismo (do grego “khrôma”cores), distanciando-se do chamado sistema tonal, e com isso traçou a linha divisória entre este (clássico, de quase três séculos) e os rumos futuros. Em 1868, a ópera em três atos estreou enfim em Munique, sob a regência do poderoso Hans Von Büllow.

1º ato: Tristão (Lula, tenor) e seu assistente Kurwenal (Falcão, barítono) levam a princesa Isolda (Dilma, soprano) ao palácio de Cornwall, para casar-se com o rei Marcos (Temer, baixo) conforme o prometido. Em português, Cornwall é Cornuália – palavra que, convenhamos, não soa lá muito bem. Coincidências à parte, é também a terra da duquesa Camila Parker-Bowles, que com o príncipe Charles traiu a belíssima Lady Di, um tema para uma bela ópera wagneriana! Retomando, Brangäine (Marina, mezzo-soprano), antiga apoiadora, odeia Tristão-Lula, por suspeitar dos maus-olhados que teriam resultado na terrível morte acidental de seu noivo Morod (Campos), o que levou à ruína o plano do casal. Isolda-Dilma pede a Brangäine-Marina que prepare uma solução de um veneno infalível para matá-la juntamente com Tristão-Lula, no que seria o rito da celebração do pacto de amor e morte. Porém, ao invés de veneno, Brangäine-Marina, estrategicamente, despeja na taça um misterioso filtro de amor, pois manter a união dos dois seria mais interessante para suas ambições. Sentindo a proximidade da morte após beberem a poção, Tristão-Lula e Isolda-Dilma olham-se fixa e desesperadamente, temendo o pior que ainda estaria por vir.

2º ato: Isolda-Dilma se casa com o rei Marcos-Temer, em Cornwall. Certo dia, o rei vai caçar (e como lembra “O Marido vai à Caça”, comédia de Feydeau!). No palácio, Isolda-Dilma e Tristão-Lula se encontram, e em êxtase amam-se enlouquecidamente. “Eu sei que vou te amar / desesperadamente eu vou te amar / por toda minha vida / eu vou te amar / até a despedida…” (Como música de fundo, Wagner teria feito uma citação a essa desvairada declaração de amor de Vinicius e Tom Jobim, caso ela já existisse). O rei Marcos-Temer ouvira de Melot (Cunha, tenor/barítono) sobre o terrível affair, e decidiu retornar, flagrando-os em tórrido romance, sem entender o porquê de Tristão-Lula trair-lhe os sonhos de rei. Melot-Cunha, antes aliado de Marcos-Temer, golpeia o traidor, mas o rei não o deixa matá-lo. Precisa dele vivo. Distante do poder, mas vivo.

3º ato: em seu castelo (Instituto), Tristão, ferido, vai perdendo forças, esvaindo-se, desesperado diante da proximidade de seu trágico e previsível fim. Mas eis que aporta então um navio, e dele desembarca sua protegida Isolda. Tristão, severamente machucado, arranca as ataduras que cobrem seus ferimentos e corre, cambaleante, para os braços da amada, mas logo sucumbe à morte que o aguardava. O rei Marcos-Temer, ao saber que a troca do veneno pelo “filtro de amor” fora um engodo, resolve perdoar Isolda. Kurnewal ressurge como Janot e dá fim a Melot-Cunha, outrora colaborador de Tristão e Marcos-Temer. Isolda, desesperada, clama por um outro mundo, onde poderá se unir a Tristão no mistério da eternidade. Canta, então, com enorme sofrimento, a fulgurante ária “Liebestod” (amor e morte): “na resplandecência de uma luz imortal eu me entrego e me regozijo”. “Suave e gentilmente / como ele sorri, com seus olhos / profundamente abertos”…  Ante todos, crédula, ainda canta: “Vocês podem ver, amigos? Vocês não veem? Como ele brilha ainda mais ofuscante / auréola de uma estrela?” (Trad. livre do A.).

Nessa entrega sublime, Isolda entra em profundo êxtase, uma espécie de nirvana, transcendendo seu corpo e o de seu par, esvaindo-se em plena comunhão, fundindo as duas almas no além.

Wagner mal chegou a pensar em um 4º ato, porque sem os heróis da ópera, Tristão e Isolda, o desfecho tornara-se absolutamente imprevisível. Preferiu encerrar a cena com a comunhão espiritual de seus protagonistas. O “Liebestod”, canto de morte-amor, consagra-se talvez como a mais longa e bela ária de paixão e sofrimento da história da ópera, o final transcendente de um sonho que leva a heroína à fusão espiritual com seu amado, rumo ao desconhecido.