Tatuí volta à cena na disputa por damas

Equipe de Tatuí realizou partida emocionante contra Itararé, vencendo e conquistando um título inédito (foto: divulgação)

Por um bom tempo fora do cenário desportivo na modalidade dama, a cidade de Tatuí vem retomando, aos poucos, um papel de destaque nas competições. Depois de conquistar ouro nos Jogos Regionais, em julho deste ano, a equipe local está de olho em outro título inédito, repetir o feito nos Jogos Abertos.

O trabalho está sendo desenvolvido na cidade pelo professor e técnico da equipe local, Lúcio Rodrigues Júnior, com aval da Prefeitura. A Secretaria Municipal de Esporte, Cultura, Lazer e Juventude retomou, com força total, a missão de disseminar a prática do esporte, revelando e preparando novos talentos.

As aulas acontecem no CEU (Centro de Artes e Esportes Unificados) “Fotógrafo Victor Hugo da Costa Pires” e têm registrado cada vez mais participantes. Lúcio comanda o trabalho no município depois de ter passado por cidades como Tietê. Natural de Cerquilho, o técnico desportivo já havia desenvolvido na primeira cidade uma ação de fomento às competições damísticas.

“Sou cerquilhense, morava perto de Tietê. Então, comecei um trabalho lá”, iniciou. A vinda a Tatuí se deu por uma sucessão de acontecimentos. O primeiro deles é um convite feito pela coordenadora do CEU, a professora Priscila Simões.

No espaço, ela agregou a modalidade como opção desportiva para os frequentadores. “A Priscila começou um trabalho muito bacana com damas, com crianças que foram levadas aos Jogos Regionais para irem adquirindo experiência”, contou.

De acordo com Júnior, até então as atividades consistiam na preparação de novos talentos, sem pretensões de medalhas. Os frequentadores do espaço participaram de competições regionais até o ano retrasado, em 2015, quando o técnico atual da equipe ainda trabalhava na divisão regional por Tietê. A cidade dele conquistou, naquele ano, o vice-campeonato na modalidade.

Em 2016, Júnior priorizou a participação nos Jogos Olímpicos realizados no Rio de Janeiro. Atuou como voluntário do evento que aconteceu entre 5 e 21 de agosto.

Com mudanças no grupo de trabalho na cidade de Tietê, Júnior voltou o foco para a iniciativa em Tatuí. Árbitro de damas, Júnior é também diretor da FPD (Federação Paulista de Damas) e, por conta do ofício, acumula vasto material para ensino da modalidade e considerados apropriados para dar aula.

Na cidade, Júnior realiza trabalho voluntário de ensino. As aulas acontecem todas as terças-feiras, das 19h às 21h, e, se depender do profissional, a turma pode aumentar. “Muitas pessoas estão frequentando. Está sendo uma experiência muito bacana. Para este semestre, poderemos acertar mais aulas”, projetou.

Em paralelo, o técnico começou a montar a equipe do município. Parte dos competidores veio das aulas ministradas no CEU e a outra metade, dos atletas que, até então, “estavam escondidos”. “Formamos uma equipe bacana”, contou.

Alguns dos atletas convidados venceram disputas realizadas em Tatuí, como a promovida no dia 7 de maio. O evento, válido pela FPD, serviu para que a coordenadoria também pudesse avaliar o nível de desempenho dos atletas.

“Nós aproveitamos para fazer uma peneira e realizar esse trabalho de formação da equipe e de preparação que terminou em um título inédito”, disse Júnior.

Além de damistas “pés vermelhos”, a equipe local conta com reforço de jogadores que residem atualmente na cidade, caso de um que já disputou por São Manoel. O grupo é formado por dez atletas de idades diversificadas. Dois deles têm mais de 60 anos de idade e disputaram os Jori (Jogos Regionais do Idoso). “Nossa damista mais nova está na casa dos 20 anos”, contou o técnico.

Em seu primeiro desafio, a equipe de damas passou por uma verdadeira “prova de fogo”. Os atletas de Tatuí tiveram de enfrentar cidades com tradição nas damas. Mesmo assim, o grupo tatuiano trouxe para o município título de campeões. “Eu fiz uma pesquisa rápida e verifiquei que, em 61 anos de Regionais, Tatuí nunca havia conquistado ouro. No máximo, quarto ou quinto lugar, mas nunca uma medalha e resolvi que tentaríamos algo”, citou Júnior.

Os tatuianos disputaram os Regionais contra damistas de Araçariguama, Itararé e Registro (ambas consideradas favoritas ao título de campeãs). Enfrentaram, ainda, os jogadores das cidades de Cerquilho e de Santana do Parnaíba. “Fomos bem nos dois primeiros jogos, conseguimos duas vitórias, uma de expressão”, disse.

A equipe tatuiana bateu um dos adversários por 10 a 0, mas escorregou contra Registro, quando perdeu por 6 a 4. “Aí a situação complicou”, disse o técnico. Júnior afirmou que a disputa tornou-se muito emocionante, uma vez que Tatuí tinha chances de retornar aos tabuleiros, mas dependia do desempenho de Itararé.

“Algumas pessoas acham que damas é só sentar e não existe emoção. Tem emoção, sim, porque tivemos de nos preparar muito para o novo embate”, contou o técnico.

Buscando a oportunidade derradeira, Júnior disse que o grupo preferiu manter-se em concentração. Todos os atletas optaram por permanecer no alojamento para que fosse possível bolar uma estratégia de ação, caso Itararé vencesse Registro.

“Ficamos focados. Não saímos por nada e só pensávamos em uma nova partida contra Cerquilho. Para nossa sorte, deu tudo certo. E, no sábado, foi emocionante”, relatou.

Os tatuianos voltaram aos tabuleiros no dia seguinte à partida entre Itararé e Registro. Eles enfrentaram a primeira cidade, terminando a partida com placar de 6 a 4. Caso perdessem, os damistas do município voltariam para casa com bronze. A vitória, no entanto, ajudou-os a escrever um novo capítulo no esporte local.

A equipe tornou-se campeã na primeira competição com a atual formação. Oito dos dez atletas são considerados novatos em disputas similares. Apenas dois, que já representaram Tietê em eventos maiores, possuíam experiência. Com a vitória, os damistas de Tatuí estão classificados para os Jogos Abertos.

Tabuleiro e vontade

A prática de damas não requer grandes investimentos, como conta o técnico. Segundo ele, há apenas dois requisitos que precisam ser cumpridos por alguém que quer começar: um tabuleiro de damas, com as peças, e força de vontade.

“A modalidade pode ser praticada desde muito cedo, por crianças de 7 ou 8 anos de idade. É um esporte que precisa ter paciência, a pessoa tem que pensar, desenvolver estratégia e é ótimo para o raciocínio lógico”, descreveu.

Conforme o professor, praticantes de damas podem apresentar melhor rendimento escolar, especialmente, em disciplinas que requeiram cálculos. Júnior mencionou ainda que a modalidade traz benefícios para a saúde dos atletas.

“Está cientificamente comprovado que jogar damas evita o mal de Alzheimer, ou ameniza os sintomas, já que a pessoa vai chegar a uma idade avançada com a cabeça bem melhor do que quem não pratica esportes mentais”, disse.

Quem não conhece a modalidade pode ter contato por meio das aulas ministradas gratuitamente no CEU. O curso é oferecido para atletas de todas as idades, sendo composto por materiais que variam conforme a faixa etária. “Temos livros para quem quer se aprofundar mais no conhecimento”, contou Júnior.

Para ele, a vitória da equipe nos Regionais – que aconteceram na cidade de Sorocaba – é um demonstrativo de que a cidade pode crescer e que os atletas possuem potencial. O grupo trabalha, no momento, nas preparações para os Abertos.

Todos os dez atletas devem representar a cidade, contrariando um pouco a prática comum dos municípios. Júnior explicou que muitas delas costumam reforçar o elenco das equipes com atletas mais experientes, descaracterizando o grupo original. “Eu acho isso desprezível, porque não se pode tirar alguém que lutou pela cidade na parte em que ela vai ‘beliscar o bolo’”, disse.

Tatuí poderá ter um ou outro reforço na modalidade damas, nos Abertos. Entretanto, Júnior frisou que vai se esforçar para manter a composição original. A decisão também contempla um trabalho de evolução do desempenho dos atletas, uma vez que eles terão oportunidade de competir com os mestres.

Sabendo da discrepância entre as equipes, por conta dos níveis dos atletas, Júnior ressaltou que o grupo deve priorizar o ganho de experiência, sem expectativas de medalhas. “Vamos tentar buscar uma boa colocação. De repente, tudo pode acontecer, porque os Abertos terão mestres de Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais e outros Estados do país”, completou.

Pensando na continuidade da modalidade, Júnior explicou que o CEU deve ampliar as vagas do curso de damas. Em média, as aulas recebem entre 10 e 12 alunos. O número pode dobrar, uma vez que a busca tem sido cada vez mais constante. “Em uma das noites, nós tivemos quase 30 pessoas, entre crianças e adultos. Isso mostra que o esporte tem sido procurado”, argumentou.

As aulas visam, basicamente, a ensinar as regras da modalidade. Uma das primeiras é que não existe sopro em damas. Outro conceito trabalhado com os alunos é a desmistificação em torno do esporte e de hábitos já incorporados. “As pessoas pensam que não se pode capturar para trás, mas pode. Vamos ensinando os mais novos e lapidando os mais velhos”, contou o professor.

No momento, as turmas ainda não são divididas por níveis. Júnior explicou que a intenção do grupo de trabalho é de aloca-los com pessoas com mesmo conhecimento. Futuramente, as pretensões são de levar o esporte para as escolas.

A intenção é de que possa haver uma capacitação dos professores de educação física, para que eles trabalhem conceitos com os alunos. “Quando as crianças aprendem as regras fica mais fácil começar um trabalho mais avançado”, disse.

Em Tatuí, os atletas são orientados a conhecer as regras das principais competições que, em geral, têm partidas com, no mínimo, 30 minutos. Conforme o professor, o tempo dos confrontos pode variar, mas sendo igual para cada um dos dois competidores que estiverem de lados opostos de um tabuleiro. Nas disputas, as placas podem ter 64 ou cem casas e possuem marcações. Elas permitem aos árbitros anotarem jogadas nas súmulas.

Tanto os tabuleiros como as peças são bastante acessíveis, especialmente em Tatuí. Segundo o árbitro, o município dispõe de um “estoque” que pode ser utilizado pela população. A única falta é com relação à presença das mulheres.

Júnior contou que, em geral, as mulheres são minoria na modalidade. É por essa razão que as competições de maior visibilidade são realizadas sempre com equipes mistas. Em uma disputa por equipes, das cinco mesas (que recebem os dez atletas, cinco de cada categoria), a primeira é ocupada por mulheres. “Se uma equipe não tiver mulher na composição já sai perdendo”, descreveu.

O placar sempre tem de totalizar dez pontos, uma vez que são dois por tabuleiro. Para as equipes, a vitória vale dois pontos, empate um e derrota zero. A soma dos resultados é adicionada à pontuação geral das equipes para decisão.

Além dos pontos, as equipes ganham colocação no chamado “rating”, que é uma espécie de ranqueamento. Quanto mais disputas os atletas participarem – e quanto mais vencerem – eles terão incremento na pontuação. As equipes com maior rating viram, nas disputas, as cabeças de chave.

Com o desempenho nos Regionais, Tatuí pontuou no rating, tornando-se, conforme o professor, a melhor colocada na região de Sorocaba. “Somos a equipe número um e, em breve, vamos brigar com Sorocaba pela sub-21”, encerrou.