
Tatuí 200: Outros fatos, outras histórias
Cristiano Mota
Os livros de história relacionam Tatuí a vários nomes. É comum que quem estuda a formação da cidade, ou busca dados a respeito dela, se depare com um tópico dedicado especificamente às mudanças na grafia.
Os nomes Tatuy, Tatuhy, Tatuhú, Tatuuvú e Tatuhibi são sempre vinculados ao município, e interpretados como uma variação na escrita, em função da passagem do tempo.
O mesmo ocorre com as datas, ora em ordem cronológica, para marcar temporalmente as mudanças eclesiásticas e administrativas; ora desencontradas.
A prefeitura de Tatuí, a Câmara Municipal e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a título de ilustração, mencionam os anos de 1682, 1609, 1810 e 1826, quando apresentam alguns dos fatos atrelados à história local. Mesmo entre os historiadores, não há unanimidade.
No caso de Tatuí, tanto os nomes quanto as datas guardam imprecisões, que geram, por sua vez, equívocos, seja pela falta de documentos, seja pela existência deles.
Um dos muitos exemplos das confusões surgidas em torno de Tatuí é a data da criação da freguesia – o primeiro dos acontecimentos-chave da circunscrição civil.
O ano de 1822 aparece frequentemente em fontes secundárias, especialmente nos cadastros oficiais e em registros de órgãos estaduais, como o de criação da freguesia.
A referência mais comum é um alvará régio, datado de 3 de março daquele mesmo ano, amplamente citado, mas ainda não localizado em fonte primária acessível.
Sua recorrência nos livros e demais materiais históricos, no entanto, indica que se trata de um ato jurídico reconhecido na tradição administrativa, ainda que a materialidade documental permaneça inexistente nos acervos públicos.
A ausência desse documento em particular, aliada à semelhança com outros registros, pode ter contribuído, ao longo do tempo, para interpretações imprecisas a respeito dos marcos fundantes de Tatuí. A começar pelo fato de que há diversas invocações dos santos padroeiros das povoações que estavam – de várias formas – ligadas à história do município.
Pesquisadores consagrados como Laurindo Dias Minhoto, Renato Ferreira de Camargo e João Lourenço Rodrigues, por exemplo, mencionam Nossa Senhora del Populo, São-João-do-Bemfica, Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora das Dores como protetores da região.
Soma-se a isso o fato de que dois desses mesmos autores se referiram a Tatuí como “Tatuhibi”, apesar de que nenhuma fonte primária conhecida registra essa nomenclatura como sendo a da cidade. Tatuhibi, aliás, era nome da atual Limeira.
Coincidentemente, ou não, há um decreto com data distinta do alvará atribuído à elevação tatuiana, mas invocação mariana semelhante (Nossa Senhora das Dores), criando a freguesia de Limeira.
A sobreposição de dados, mais a ausência comprobatória do documento referente a Tatuí, pode ter levado a leituras equivocadas, a conclusões apressadas ou então a confusões toponímicas ao longo do tempo.
Uma evidência dessa possível associação incorreta – e que contribui para este imbróglio histórico – surge na edição 58 da Revista do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico do Brasil).
Na página 234, menciona-se a criação da paróquia tatuiana por decreto de 9 de dezembro de 1830, citando a A. G. C., sigla para Arquivo da Assembleia Geral Constituinte. Embora o documento efetivamente exista, ele refere-se à freguesia de Limeira e não à de Tatuí.
A prova desse erro interpretativo está tanto no projeto, assinado em 5 de fevereiro daquele mesmo ano, quanto na lei nº 9, posteriormente aprovada.
A proposta que originou essa legislação solicitava a criação de freguesia de “Tatu-yby, no distrito da Villa da Constituição”, e de outras seis: a de São João do Rio Claro, no mesmo distrito; as de Cabreúva e de Indaiatuba, na vila de Itu; a de Nossa Senhora do Belém, em Jundiahy; a do Bairro das Oliveira, em Lorena; e a de Yporanga, no distrito de Apiahy. Na época, Constituição era o nome de Piracicaba.
De concreto, duas datas demarcam, com precisão, a linha do tempo da história de Tatuí. Apesar de os registros atuais – disseminados por mais de um século – apresentarem vários marcos, são dois os acontecimentos unicamente passíveis de serem conferidos em registros – até agora!
O primeiro deles, em ordem cronológica, é a lei nº 12, de 13 de fevereiro de 1844, que elevou oficialmente em categoria de vila a então freguesia de Tatuí, pertencente ao município de Itapetininga; o segundo, a lei nº 13, de 20 de julho de 1861, que deu a Tatuí um novo status, o de cidade.
Ambos os documentos estão disponíveis para consulta no site da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) em versões digitadas (transcritas com uso de computador) ou manuscritas (digitalizadas), a partir dos escritos originais com a caligrafia e as palavras da época.
Importa destacar, entretanto, que os textos manuscritos geralmente correspondem aos projetos de lei encaminhados para discussão e votação, enquanto os digitados refletem os definitivos, já aprovados e promulgados. Por essa razão, há diferenças pontuais entre eles.
Um exemplo ocorre na proposta de ereção de Tatuí à categoria de vila, elaborada em 1842: o projeto original contém três artigos, ao passo que a lei aprovada quase dois anos depois foi promulgada com apenas dois itens.
Outro, no projeto de transformação de Tatuí em cidade, registrado sob o nº 19, enviado ao Paço da Assembleia em 5 de fevereiro de 1860, aprovado com relativa celeridade, abrangendo simultânea e conjuntamente a elevação da vila de Itapeva da Faxina.
Tais interpretações, compreensíveis no contexto de produção historiográfica do período, foram construídas com os recursos disponíveis à época, e, por isto mesmo, ajudam a evidenciar a importância da crítica documental e da revisão constante da memória oficial — sempre com o devido reconhecimento ao trabalho acumulado por gerações de pesquisadores.