Nas semanas recentes, tem chamado muito a atenção dos tatuianos a recorrente horda de garotos em excursões noturnas pelas ruas centrais, particularmente, às sextas e sábados. Muitos comentaram, ações de fiscalização aconteceram e, de fato, houve uma perceptível amenização do problema.
O termo “problema”, aliás, só é cabido porque, em meio aos jovens, não é incomum o encontro de bebidas alcoólicas e, eventualmente, drogas e gestações de bebês antes do tempo recomendado pelo bom-senso.
Não fossem esses fatores, direito de estarem nas ruas os garotos têm – desde que com o consentimento dos pais -, ainda mais quando são tão poucas as opções de “preenchimento de tempo” para a juventude local.
Outro incidente acabou atraindo a atenção geral na semana passada, quando duas meninas explodiram uma bomba dentro do Nebam “Ayrton Senna da Silva”. Porém, tudo aponta para um fato isolado.
Não obstante, as notícias preocupantes envolvendo jovens teve um animador e exemplar contraste, também na semana passada, quando O Progresso publicou reportagem, dia 1o, sobre as iniciativas de um “menino” de apenas 18 anos, um cineasta precoce – aqui, sim, o termo usado com a melhor das expectativas.
Sérgio Augusto Marciliano Queiroz realiza um projeto, há quatro anos, que vem transformando não só a rotina dele, mas a de uma parcela de jovens que cresce em número e ganha apoio em todos os cantos da cidade. Merecidamente.
Morador do Jardim Gramado, área considerada rural do município, Sérgio Augusto faz vídeos que exaltam a magia da infância. Com persistência, dedicação e equipamentos improvisados, ele montou uma “fábrica de vídeos caseiros”.
A inspiração – de maneira ainda mais admirável – parte de um autor cada vez menos conhecido entre os jovens: Monteiro Lobato. O criador do “Sítio do Pica-pau Amarelo” serviu de norte para Sérgio Augusto dar vida à “Chácara Queto”.
O local, retratado em ficção, existe na realidade. É uma propriedade cedida pelo pai do jovem e que recebe, pelo menos uma vez por mês, adolescentes e adultos. Dois deles, inclusive, professores.
“Tudo começou com brincadeiras. Iniciamos com filmagem em celular”, contou Sérgio Augusto, que faz o roteiro e filma as aventuras de uma trupe que vem aumentando.
Atualmente, 40 pessoas integram a Chácara Queto. Todos os vídeos gravados na propriedade recebem o nome do local – alguns, já premiados.
Os materiais são postados na internet, no site de vídeos “YouTube”, em canais variados. Sérgio Augusto, por exemplo, compartilha os trabalhos em mais de um perfil. Ele também alimenta, sozinho, redes sociais da Chácara Queto.
O jovem somou a vontade de fazer algo com o apreço por Monteiro Lobato para dar vida a uma brincadeira. “Com o tempo, o projeto se tornou mais sério e com mais pessoas querendo participar”, descreveu.
No início, somente adolescentes participavam das filmagens caseiras. Os adultos vieram depois, quando os vídeos deixaram de ser exclusivos da internet e ganharam salas de aula. Sérgio Augusto levou, a pedidos, o material para escolas. “Aí, muita gente pediu para participar”, recordou.
Na tentativa de melhorar a qualidade dos vídeos, o jovem pesquisou formas alternativas. O grande problema era o equipamento de filmagem. Foi então que ele passou a usar um “notebook” como câmera.
“Nós abríamos a tampa e direcionávamos a ‘webcam’ para os personagens, para fazermos as filmagens”, contou. Até então, o grupo não tinha uma câmera propriamente dita. O equipamento veio como presente da mãe, recompensa pelo esforço e dedicação do adolescente.
Daí em diante, as filmagens aumentaram em tempo. Sérgio Augusto passou a produzir vídeos com 30 minutos de duração e a exibi-los em pequenas sessões.
Cativados pelo estudante, os educadores gostaram tanto da ideia que, atualmente, fazem parte dela. Eles também colaboraram com o primeiro filme lançado pelo grupo, com 65 minutos de duração e participação de voluntários.
Lançado em janeiro deste ano – em evento no Cras (Centro de Referência de Assistência Social), do Jardim Santa Rita de Cássia –, o filme conta a aventura da turminha da Chácara Queto em viagem a um acampamento.
De modo a atender aos pedidos cada vez mais numerosos de jovens interessados em integrar a chácara, Sérgio Augusto conta que gasta umas boas horas do dia tendo ideias.
“Entrou tanta gente e inventei tanto personagem que é preciso cabeça para fazer história. Tem gente até não querer mais, mas eu me realizo”, comentou o jovem.
Em quatro anos, Sérgio Augusto viu não só o número de participantes dobrar, como o trabalho. Em 2011, ele e o grupo lançaram uma série e a dividiram em temporadas.
De lá para cá, a produção aumentou, incluindo clipes, campanhas da turminha em apoio a ações internacionais (como o Teleton) e até desenhos animados. Estes últimos, produzidos inteiramente pelo idealizador, com colaborações.
As animações são feitas à mão e nascem, primeiro, com ajuda de lápis de cor. Dos papéis, os traços são fotografados ou escaneados pelo jovem – um a um – até formarem o desenho. O grupo faz as dublagens, inseridas e sincronizadas em edição.
Movido pela curiosidade, Sérgio Augusto buscou por iniciativa própria os conhecimentos necessários para manter o projeto em evolução. Também envolveu jovens fora da região do Novo Horizonte, como Santa Rita e o “centro da cidade”.
A cada 30 dias, eles se reúnem na chácara para as gravações. Os trabalhos começam às 11h e terminam às 22h, supervisionados por responsáveis.
Entre uma série e outra, o jovem programa as gravações. Os trabalhos incluem clipes musicais e os desenhos. “Faço isso para que o projeto não fique desativado”, observou.
Na prática, os longas-metragens vieram para “dar uma organização” às ideias do jovem cineasta amador. “Comecei com a história do filme porque as séries estavam ficando sem pé nem cabeça. Aí, resolvi fazer o primeiro”, contou.
Por meio do projeto, além de diversão na chácara, os jovens participam de excursões. O grupo tem enviado ofícios com pedidos de visitas, o que deu aos participantes, por exemplo, a chance de conhecerem o Sítio do Pica-pau Amarelo, em Taubaté. Lá, o grupo gravou um dos episódios da série.
O próximo filme será rodado na própria chácara e tem previsão de lançamento para este ano. De antemão, Sérgio Augusto contou que a história é uma continuidade do primeiro longa.
Sérgio Augusto tem como meta cursar cinema e, para realizar o sonho, voltou a estudar. O plano é ingressar na faculdade no ano de 2019. “Não consigo ver-me fazendo outra coisa a não ser a que venho realizando”, enfatizou.
Em paralelo, ele iniciou outras ações que extrapolaram os limites geográficos da chácara. O mais representativo deles é a inclusão de um trecho de clipe gravado pelos jovens na abertura de “Carrossel – O Filme”, lançado em 2015.
A Chácara Queto esteve entre os vencedores de concurso que escolheu clipes exibidos antes das sessões do filme infantojuvenil em todo o país. O grupo tatuiano gravou vídeo com a música “Panapaná”.
“Por causa do filme, o nosso público cresceu. A chácara não era tão conhecida, mas passou a ser mais valorizada depois que tivemos esse clipe exibido”, disse o jovem.
Para o próximo trabalho, Sérgio Augusto já pensa em novidades. Entre elas, a adição de novo personagem, um extraterrestre. O alienígena ganhará máscara confeccionada pelos integrantes da turminha.
Tarefas como essa ocupam boa parte do tempo do jovem, que disse ter pensado em parar. “As crianças não querem que eu pare. Então, continuo”, comentou.
Os projetos dele podem ser consultados na internet, por meio de três canais “Sérgio Augusto”, “Filmes Brasileiros da Web” e “Augusto Queiroz” do YouTube.
Contrastes… Por um lado, preocupações, cuja maior remonta ao futuro desses garotos aparentemente sem rumo; por outro, o fulgurar, em amplo sentido, da inspiração artística na forma de menino. E isto por iniciativa própria, sem “incentivos” morais, materiais e, tampouco, fiscais.
É para se reconhecer que, além das possibilidades e do empirismo familiar e social, é preciso ter sorte na vida. E como podem se considerar sortudos os pais de um garoto desses, não? Sucesso a você, Sérgio Augusto, futuro cineasta, e sorte a todos os demais, futuros cidadãos brasileiros!