Antonio Carlos Lopes *
Em tempo recente, o Brasil acompanhou perplexo a acontecimentos dramáticos em escolas paulista e do Rio de Janeiro. Em São Paulo, um adolescente esfaqueou colegas e funcionários, levando à morte uma de suas professoras, Elizabeth Tenreiro.
No Rio, uma tentativa de ataque (também a facadas) acabou por ser contida, mas inevitavelmente chocou a todos.
O impacto dessas ocorrências faz ressurgir o debate acerca da saúde mental da população jovem. É bem verdade que esse tipo de truculência não se restringe ao Brasil, mas, de acordo com a nova edição do relatório anual do Estado Mental do Mundo, nosso país tem o terceiro pior índice em um ranking com outros 64, à frente apenas do Reino Unido e da África do Sul, e 11 pontos abaixo da média geral.
Com a recente pandemia do coronavírus, o panorama se agravou. Pesquisa divulgada neste mês pela Unicef, junto com o Instituto Gallup, chama atenção para os efeitos do isolamento social em crianças e adolescentes. Os dados indicam que 22% deles se sentem deprimidos ou têm pouco interesse em suas atividades.
A crise na saúde mundial levou ao extremo algumas dificuldades pré-existentes, como vulnerabilidades sociais, queda na renda familiar, insegurança alimentar, além do luto pela perda de pessoas queridas e da impossibilidade de viver plenamente em comunidade.
Outro complicador é o bullying. Aliás, não é surpresa que ele quase sempre apareça como pano de fundo em histórias de ataques a escolas aqui e em todo o globo. A prática deve ser combatida por especialistas e por toda a sociedade para reduzir conflitos e possibilitar um melhor acolhimento dos nossos pequenos.
Entretanto, de forma geral, não se vê uma resposta institucionalizada para tais situações. Conforme nos aponta a pesquisa realizada pela Unicef, somos um planeta centrado em adultos. Há pouca ou quase nenhuma estrutura consolidada para lidar com distúrbios e declínio da saúde mental da população jovem.
Em geral, casos como os da semana causam burburinho, mas são esquecidos pouco depois. Dias atrás, diretores de escolas em São Paulo queixavam-se publicamente de que denunciaram inúmeras ocorrências de bullying, brigas, assaltos e outros crimes, mas não obtiveram resposta alguma de autoridades.
A omissão e o desrespeito às garantias básicas no cuidado e atenção à saúde dos jovens promovem ampliação do fosso social e adicionam mais perigo à convivência plena em ambientes comuns.
Enquanto a sociedade continuar virando as costas para os mais vulneráveis, volta e meia lidaremos com tragédias semelhantes. Trata-se de fruto do cultivo da ignorância.
* Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica