Sinais de relacionamento ‘tóxico’ nos BOs de Tatuí

Desde que existe, há 102 anos, o jornal O Progresso reproduz as ocorrências na área policial de Tatuí. Antes, lá no início, certamente todos os casos eram publicados, até pela população incomparavelmente menor que a de hoje.

Agora, entretanto, um extrato dos casos aparece nas páginas do jornal, dado seu alto número – compatível com um município a somar cerca de 130 mil habitantes. Os registros servem, por conseguinte, para tanto apontar os casos mais graves quanto para indicar um panorama maior.

Por sua vez, a observação global da condição em que se encontram os municípios do estado – e do país – só acontece por meio dos números, “frios”, disponibilizados pelas secretarias de segurança estaduais.

Neste momento, contudo, o interesse não tem foco no todo, mas em um tipo de ocorrências em especial: a agressão contra as mulheres, que segue resistente, a despeito das políticas nacionais de proteção.

A introdução, neste sentido, serve para reforçar que, embora para muitos a violência doméstica não esteja entre os crimes de maior importância (no que este periódico discorda), ela é rotina, quase algo banal no país – não deixando Tatuí de lado, obviamente.

Por este motivo é que, praticamente em todas as edições deste jornal, há registro de pelo menos um caso de agressão contra mulheres. Só que é “um” entre “vários”, aparecendo como um exemplo, uma lembrança constante de um problema sem fim – apesar, como já acentuado, das iniciativas de apoio às vítimas.

Exemplo: na semana passada, houve publicação de uma ocorrência em que um pai de família atacou a mãe da própria filha com uma faca. Isso porque ela havia usado dinheiro para festejar o aniversário da criança…

Situações dessa natureza bizarra, infelizmente, não são incomuns e ainda podem representar algo pior, pois muitas mulheres sequer identificam a condição em que se encontram, oprimidas e violentadas de várias formas.

Diante disso, vale acompanhar uma série de observações da terapeuta comportamental Elisa Ponte sobre o chamado “relacionamento tóxico”.

Inicialmente, ela afirma que, dependendo do nível em que a pessoa está envolvida, “ela não consegue ter ferramentas para se libertar”.

Argumenta ela: “Um relacionamento tóxico é um vínculo em que há abusos emocionais, físicos ou psicológicos. Pode ocorrer entre amigos, familiares, colegas de trabalho ou parceiros amorosos. Alguns sinais são apresentados, falta de apoio, ansiedade, medo, ciúmes, ameaças, críticas disfarçadas de elogio, desrespeito, dependência financeira emocional e física, desrespeito às fronteiras”.

Elisa diz que geralmente, ninguém será tóxico em um relacionamento no início da relação. “Isso ocorre conforme o tempo. Você conhece uma pessoa, você revela os seus sonhos, suas metas, seus objetivos, você traz essa pessoa para o seu mundo, você quer que ela faça parte da sua realidade”.

“E isso é em qualquer ambiente, familiar, na amizade ou amoroso. E você não sabe o que está passando na cabeça da outra pessoa. E tudo inicia com uma grande amizade. Porque em todos os nossos relacionamentos, a princípio, a gente tem que estabelecer um nível de confiança.

Você não começa nenhum relacionamento se você não se sentir confortável e confiante. E quando a pessoa começa a perceber que você deu essa abertura para ela e ela tem má intenção, ela pode aproveitar da sua vulnerabilidade para iniciar os ataques emocionais, físicos ou psicológicos”, frisa a especialista.

Elisa diz que, quando a pessoa está totalmente envolvida em um relacionamento abusivo, ela não consegue perceber. “A pessoa pede desculpa, pede perdão, fala que não vai acontecer mais e é um ciclo repetitivo. E a pessoa começa a perceber que aquele relacionamento não está mais fazendo bem e ela não consegue se libertar.”

“Às vezes, ela está sem amor-próprio, às vezes, ela perdeu o ciclo de amizade. E aí cria uma dependência totalmente emocional”, observa. “Como essa pessoa (o agressor) tem muitas informações, ela começa a utilizar essas informações para ofender, para machucar, para magoar. E o mais importante, e o mais desafiador, é você começar a perceber isso no início dum relacionamento, para que você não possa permitir.” “E o perdoar, que a gente fala, é muito fácil. Olha, eu perdoo porque você gritou comigo, porque você fez isso, porque você me feriu, mas eu não posso aceitar. O que acontece é que as pessoas perdoam e vão vivendo em padrões repetitivos abusivos, e quando você percebe, já está vivendo totalmente em uma prisão.”

“E ter essa liberdade é algo que precisa ser trabalhado, muitas vezes, numa terapia, com pessoa que entende. Porque nós não sabemos o que passa dentro da mente de uma pessoa. E nós não podemos julgar os sentimentos de uma pessoa”, aconselha.

O medo é algo comum em um relacionamento tóxico, lembra a especialista. De acordo com Elisa, “a vítima ouve tantas palavras ofensivas que ela não sabe como sair. Ela se sente ameaçada. Será que essa pessoa vai fazer isso mesmo? Quantas mulheres vivem hoje dentro de uma prisão?”.

“As mulheres, elas têm o lado doador, o lado materno. E elas sempre estão ali de coração aberto para perdoar, para entender, porque isso é da mulher. E os homens aproveitam dessa situação. E por isso que os casos de feminicídio vêm aumentando em uma escala muito grande em todo o mundo, principalmente no nosso país”, sustenta.

“Então se você está presenciando qualquer tipo de relacionamento abusivo, não julgue. Procure entender, ajudar, alertar. Veja os sinais. Pensa, a pessoa que está inserida no relacionamento, ela, às vezes, não consegue ter a mesma percepção de quem está desassociado do relacionamento. Nosso objetivo é orientar, ajudar. Proteger e não julgar. Vamos nos apoiar, para evitarmos relacionamentos abusivos”, defende.

“Muitas vezes, uma pessoa não desvincula de um relacionamento tóxico por medo, pelas ameaças. Medo de perder a família, de perder os amigos, medo de perder a segurança financeira ou medo de perder a própria vida. Menos julgamento, mais aceitação. Vamos olhar e vamos buscar até um olhar de amor para essas situações.

Perceba os primeiros sinais e saia o mais rápido que você puder, para não criar nenhum vínculo emocional, nenhuma dependência físico-moral. Esse é o objetivo. Essa é a estratégia, porque relacionamentos tóxicos estão acontecendo a cada instante, em todos os ambientes que você possa imaginar”, argumenta.

Elisa Ponte ainda ensina como se recuperar de uma relação não saudável: “É importante buscar ajuda psicológica, ter uma rede de apoio, reforçar os laços afetivos com amigos e familiares, reconhecer que não foi a culpada pelos acontecimentos, reconstruir a autoestima e a confiança”.

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