Que explodiu no Brasil a pandemia de Covid-19 está completando três meses e meio. Desde então, de uma hora para outra, a cultura – na pessoa física de seus artistas e jurídica de seus agentes – tem sofrido um dramático processo de assassinato. Ou, no mínimo, agoniza por quase total omissão de socorro.
É explícito que uma boa parcela da população – inclusas aí até altas autoridades – tem aversão à cultura, cujas razões logo especularemos.
A despeito disso, é preciso lembrar que a cultura emprega em torno de 5 milhões de profissionais no país – entre formais e informais – e, ainda, é responsável por cerca de 2,5% do produto interno bruto, em média.
Ou seja, a cultura gera emprego e renda e, embora não seja a maior galinha dos ovos de ouro do país, não merece ser escaldada como tem sido, ignorada e, pior, menosprezada – mesmo aos olhos de quem só enxerga crise na economia, abstraindo por delirante negacionismo as milhares de mortes causadas diariamente pelo novo vírus.
Menos mal que agora, depois de todo esse tempo, o governo resolveu dar um mínimo respiro à área cultural, com uma lei que autoriza o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600. Os aprovados ao benefício receberão três parcelas desse valor.
A lei autoriza repasse de R$ 3 bilhões ao setor cultural e tem como objetivo ajudar artistas informais, organizações culturais, cooperativas, pequenas e microempresas.
O valor deve ser dividido em renda emergencial aos trabalhadores, subsídio mensal para manutenção de espaços artísticos e culturais, microempresas e pequenas empresas culturais, cooperativas, instituições e organizações culturais comunitárias que têm as atividades interrompidas em razão do isolamento social.
O dinheiro também servirá para a realização de eventos a partir de editais, chamadas públicas e prêmios, desde que transmitidos online.
As mães solteiras terão direito a duas cotas mensais, totalizando R$ 1.200, e o benefício pode ser pago a até dois membros da mesma família. O repasse de verba será responsabilidade dos estados e municípios.
O suporte, na verdade, não é mais que obrigação, sendo estranho estar acontecendo somente agora. Enquanto isso, como têm sobrevivido tantos artistas, especialmente aqueles que dependem de locais com público para se apresentar e ganhar seus cachês (a maioria, por conseguinte)?
Estão nessa condição mesmo: sobrevivendo, simplesmente. A situação é ainda mais grave em uma cidade como Tatuí, cujo maior dístico é justamente devido a uma escola de música, o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”.
Há nesse que é o maior orgulho do município, naturalmente, centenas e centenas de estudantes, não só daqui, mas de diversas partes do país e até de outros países.
Em boa parte, esses jovens têm necessidade de se manter na cidade com trabalhos inerentes aos estudos, como apresentações em bares e festas, participações em grupos musicais e demais atividades relacionadas.
Tudo isso acabou e esses alunos-artistas estão penando, há três meses e meio, como se tivessem valor de galinhas mortas. Porém, muito longe disso, são tesouros – muitos brutos, outros já reluzentes – que não só seguirão sustentando o maior talento local quanto serão os responsáveis, no futuro, por levar a (boa) imagem de Tatuí como um privilegiado reduto cultural do país, como a “Capital da Música”!
Por estas – e outras – é de se muito valorizar as iniciativas na cidade em favor desses artistas, como as lives em busca de auxílio financeiro. Há várias, assim demonstrando, aliás, que os seres humanos – mormente os brasileiros – não se resumiram a belicistas boçais, ávidos por atacar tudo que tem a ver com democracia e direitos humanos.
Não! Há muita gente “boa” de verdade! Preocupada com o bem-estar (ou mal-estar) do seu semelhante. Entre estes, que fique aqui o exemplo de um deles, representando todos os demais. Enquanto uns, portanto, pedem por AI-5, o promotor cultural Jorge Rizek, também colunista de O Progresso há décadas, vem promovendo eventos online (sem ganhar nada com isso) somente para ajudar o pessoal “da noite”, que sofre pela total ausência de trabalho.
Também é oportuno lembrar não serem apenas os músicos as estrelas do entretenimento, estando nessa magnitude todos aqueles que sabem bem servir como garçons, bem cozinhar, bem fazer iluminação, bem cuidar do som, bem preparar coquetéis, bem estacionar carro em eventos, bem segurar os aloprados etc., etc., etc… Todos artistas!
Para ajudar essa gente, Rizek criou o projeto de lives “Festa em Casa”, além de proporcionar momentos de entretenimento a quem permanece isolado durante a quarentena.
Realizado junto ao Centro Hípico de Tatuí, à Cervejaria Comendador e à Resolution Eventos, o projeto tem promoção do jornal O Progresso e consiste em shows de artistas locais pelo YouTube.
“Não é o dono da empresa (que recebe a ajuda, principalmente por meio de cestas básicas), são os freelancers que atuam em shows, eventos e festas, profissionais que não têm espaço para trabalhar neste período”, acentua Rizek.
“A nossa área foi a primeira a parar, em março, e, certamente, será a última a voltar. É um período muito extenso”, observa o produtor de eventos.
Durante as transmissões das lives, um “QR Code” fica exposto na tela para que se possa realizar doações. Através do leitor de código, as contribuições são enviadas diretamente a um supermercado, que, posteriormente, as reverte em cestas básicas.
Valorizar e apoiar a cultura não se trata, portanto, de apenas salvar uma das maiores riquezas nacionais, mas de uma questão até de humanidade. Por que, então, pouco ou quase nada se tem feito?
As especulações: primeiro, porque o conceito de humanidade tem mesmo perdido valor, pelo menos na instância da política; segundo, porque não se dá valor a algo desconhecido. Pelo contrário: em geral, se teme aquilo que não se conhece.
Ao ser a cultura (e a Educação) tão distantes do que se evidencia na direção deste país no momento, tem-se indício da razão pela qual são tão irrelevadas.
Resta saber se essa desimportância toda, que torna gravemente enferma a cultura nacional, ocorre porque se quer mesmo a morte dela, por crime doloso, ou se a causa é meramente culposa – ou seja, por pura ignorância.