Em mês pré-eleitoral, é comum as atenções estarem mais voltadas ao destino da cidade – em muito determinado por quem a governa – do que sobre outros assuntos.
Entretanto, na edição do final de semana passado, uma reportagem em O Progresso evidenciou um gravíssimo problema na cidade, cuja intensidade da frequência mostrou-se espantosa!
Quem poderia imaginar que os casos de abandono de incapazes em Tatuí, somente em julho, somaram 24 ocorrências formais? Ou seja, sobre as quais as autoridades e o Conselho Tutelar tiveram conhecimento.
Conforme apontado pela entidade, o “descuido” de pais e responsáveis tem colocado crianças em situação de risco na cidade. Para se ter ideia, o CT recebe, aproximadamente, 120 denúncias por mês. Do total, 20% relatam abandono de crianças e adolescentes, perto de 25 casos.
De acordo com o presidente do conselho, Daniel Gomes Belanga, o problema é recorrente. Desde que o atual colegiado tomou posse, em 10 de janeiro, o grupo tem acompanhado diversos casos dessa natureza.
Um dos casos que chamou a atenção, ocorrido no final do mês de julho, envolveu três crianças – de cinco, sete e oito anos -, deixadas sozinhas pela mãe, em casa, por mais de 20 horas.
Elas estariam sem comida, alimentando-se somente com restos de arroz amanhecido. A mãe, quando encontrada pela Polícia Militar, foi presa em flagrante.
“Nos últimos três meses, tiveram alguns fatos que chamaram a atenção. São casos em que não há nenhum tipo de tolerância, geram crime de abandono de incapaz”, declarou Belanga.
A maioria dos casos ocorre por desconhecimento dos pais. Eles não teriam consciência de que deixar criança ou adolescente sozinho em casa é crime previsto no Código Penal. O abandono de incapaz também abrange ocasiões quando idosos e pessoas sem condições de se cuidarem são deixados sozinhos.
“O abandono se dá a partir do momento em que um adulto ou responsável deixa a criança sozinha. Ele tem responsabilidade de cuidar, mas não cuida. Acaba deixando a criança para terceiro irresponsável (menor de idade), ou para ninguém”, explicou.
De acordo com Belanga, alguns pais deixam crianças sob os cuidados de adolescentes, o que também é proibido. O Estatuto da Criança e do Adolescente preconiza que qualquer pessoa menor de 18 anos não pode ser responsável por si própria, nem por outra pessoa.
“Um adolescente de 17 anos, por exemplo, nem poderia ficar sozinho, mesmo que os pais digam: ‘Mas ele tem responsabilidade’. A lei não permite”, apontou o presidente.
Quando os pais precisarem se ausentar, o ideal é deixar as crianças e adolescentes com algum adulto, que pode ser o vizinho, tios, avós, ou, até, irmãos com idade superior a 18 anos.
Os casos de abandono crescem nos períodos de férias. Sem aulas, as crianças acabam ficando em casa ou nas ruas, enquanto os pais estão trabalhando.
“Os pais deixam (a criança sozinha) por inocência. Mesmo que estejam trabalhando, eles precisam se responsabilizar pela criança. Antes de serem trabalhadores, eles têm a responsabilidade de pais”.
Das denúncias levadas ao CT, 60% são consideradas “vazias”. No entanto, Belanga garantiu que o conselho apura todos os casos informados.
O presidente atribui a denúncia sem fundamento a problemas entre vizinhos, mas, principalmente, à separação conjugal. “A criança acaba se tornando um instrumento de ataque”.
Segundo Belanga, “aos olhos do ex-parceiro”, a mãe ou o pai nunca está cuidando bem da criança, ou faz a denúncia por interesse pessoal, para ganhar a guarda do menor.
“As pessoas tentam usar o Conselho Tutelar como um meio de ameaça às outras, como um tipo de sanção ou castigo. Por mais que não haja violação ao direito da criança, acabam nos chamando para achar algum erro ou defeito na criação”, criticou.
Quando um caso de abandono é confirmado pelos conselheiros, o órgão recolhe a criança, registra boletim de ocorrência e aciona o Ministério Público.
Em paralelo, a Polícia Civil instaura inquérito para apurar as responsabilidades e se, realmente, houve crime. “O delegado pode indiciar os pais, abrindo processo penal. A partir daí, o Ministério Público fica responsável pela ação”, explicou.
A pena para abandono de incapaz varia conforme a gravidade. Em casos comuns, a detenção é de seis meses a três anos. Em ocorrências que envolvem lesão corporal, de um a cinco anos de prisão. Já quando o abandono resulta em morte da vítima, a penalidade é de 4 a 12 anos.
“O abandono gera risco de vida porque ninguém sabe o que pode acontecer com uma criança sozinha, ela não tem como se cuidar”, ressaltou.
A primeira opção dos conselheiros, em casos de abandono, é entregar a criança – ou adolescente – para familiares, como tios e avós. Quando ninguém é encontrado, o menor é levado a um abrigo.
Tatuí possui três abrigos para menores de idade. A Casa do Bom Menino atende garotos, enquanto o Lar “Donato Flores” recebe meninas. Ambas as casas têm como público crianças de até seis anos.
A partir daí até os 18 anos incompletos, o atendimento é feito pela Casa de Acolhimento Municipal. A instituição recebe menores tanto do sexo feminino quanto masculino.
O abandono de incapaz pode ocasionar prisão em flagrante do responsável pela criança. Para que responda em liberdade, o pai ou mãe deve pagar fiança, que varia entre um (R$ 880) e cem salários mínimos (R$ 88 mil).
“Se for constatado o abandono e a mãe aparecer, ela pode ser presa em flagrante. Os casos mais simples são afiançáveis, porém, com qualificações de lesão corporal ou morte, a fiança não é mais possível, por causa da pena”, explicou.
De acordo com o presidente, as famílias usam “as mais variadas desculpas” para justificar o fato de terem deixado crianças sozinhas. “O mais comum é falar que estava procurando emprego”.
“As regiões sul e norte são as que têm maior incidência de ocorrências. São bairros complicados, onde tem alto índice de criminalidade”, declarou.
Ele informou que o CT está visitando escolas e realizando reuniões com pais e professores para esclarecer os direitos e deveres dos menores de idade.
“Estamos fazendo (as reuniões) com orientação do Juizado da Criança e do Adolescente. Já passamos em algumas escolas, falamos com pais, para prevenirmos esses problemas”, afirmou.
Segundo Belanga, o CT está viabilizando reuniões nas mesmas datas das reuniões de pais e mestres que acontecem bimestralmente nas redes estadual, municipal e privada de ensino.
A esperança do presidente é que tanto o índice de abandono diminua quanto o número de faltas dos alunos caia com a conscientização. “Não queremos remediar, queremos prevenir”, acentuou.
Realmente, dois aspectos precisam ser reconhecidos: a mediocridade de alguns e a ignorância de outros, sendo que as vítimas de ambos são as mesmas: as crianças.
Que dizer de pessoas que usam seus próprios filhos para agredir ou prejudicar os ex-parceiros? Medíocres seria o mínimo, além de absolutamente insensíveis e egoístas, dado não levarem minimamente em conta o sentimento das crianças.
E quanto ao fato ocorrido no dia 19 de agosto, quando um casal de avós perdeu a guarda de três netos por ter deixado-os sozinhos em casa enquanto assistia a um culto em uma igreja, na vila Esperança?
O caso foi denunciado e levado à Polícia Civil, após vizinhos flagrarem uma das crianças – uma garota de apenas dois anos – andando sozinha e chorando, próxima ao ribeirão Manduca.
Disso, há de se concluir o quê? Talvez, apenas, ter sido pura sorte de que, nesse dia, Deus não dava a exclusividade de Sua graça a um templo em particular. Longe disso, Ele caminhava ao lado do Manduca, segurando a mão dessa garotinha.