Aqui, Ali, Acolá
José Ortiz de Camargo Neto *
Frase do dia: Mente sã em corpo são – provérbio latino.
Caros amigos,
O prédio do Museu “Paulo Setúbal” na época era o prédio da cadeia. Não tinha as cores vivas de hoje. Era inteirinho cinza. A exuberante praça que o cerca hoje não existia. Em volta do prédio, só canteiros de terra vermelha.
Um desses canteiros era o nosso “campinho da cadeia”, onde nós, meninos das cercanias, jogávamos o dia inteiro futebol. Passaram por ali grandes jogadores: o Paulinho Pires, o Rochinha, o Netinho Salum, o Corintinha, o Roberto Bassói, o Kiko Barth, que depois jogou no 11 de Agosto, junto com o Haroldo dos ônibus, dois beques da pesada.
Corriam os anos 60… Uma alameda sinuosa, forrada de pedregulhos brancos levava à entrada da cadeia, hoje a frente do Museu. Nós brincávamos também ali, em frente dos soldados, vestidos de fardas cinza. Eu me pergunto por que tudo era cinza na cadeia pública… Não importa, em frente de dois ou três soldados, que ficavam de guarda, fazíamos nossas burcas na terra para jogar bolinhas de gude. O melhor jogador era o Bertinho da Colchoaria, mas havia outros bons.
Ali, em frente do hoje Museu, havia uma frondosa árvore, solitária em meio da`paisagem deserta. Subíamos por ela, brincando de pega-pega, saltando de galho em galho como uma turba alegre de macaquinhos. Quando cansávamos, descíamos à terra e jogávamos pião ou disputávamos figurinhas para nossos álbuns de automóveis ou jogadores de futebol.
Um dia um preso fugiu, serrando a grade e descendo por uma corda improvisada de lençóis atados. Do mesmo jeito que recentemente três presos fugiram de uma prisão de alta segurança. Foi uma sensação na cidade, só se falava nisso. Construíram então um muro alto em volta da cadeia, com uma guarita, para vigiar os presos. Muro cinza também.
À tarde, ou de manhã – nunca havia hora certa – empinávamos pipas que nós mesmos fazíamos, povoando de cores o marrom da terra e o cinza do edifício e das fardas dos soldados.
Nossa vida era de manhã à noite ao ar livre. Em atividade frenética. Só nos sentávamos numa cadeira nos bancos da escola, ou em casa para estudar.
Era um tempo diferente de hoje, quando vejo crianças imóveis, segurando celulares o dia inteiro, hipnotizadas por joguinhos virtuais, atrofiando os músculos e desperdiçando a infância. Com certeza, nosso tempo era bem mais saudável e muito melhor de se viver. Um tempo mais próximo do ditado latino: mente sã em corpo são.
Até logo.
* Jornalista e escritor tatuiano, terapeuta psicossocial e professor de literatura e redação nas Faculdades Trilógicas Keppe e Pacheco (Fatri).