Recentemente, em virtude de seu centenário, este jornal publicou o suplemento especial “Um Século de Progresso”, no qual, entre uma extensa série de pautas, teve como destaque os fatos mais relevantes ocorridos em Tatuí ao longo de oito décadas, partindo de 1922 até o início dos anos 2000.
A opção pela delimitação de tempo deveu-se ao fato de que, além de existir um limite de espaço (a despeito do volume da publicação, com 124 páginas), os fatos mais recentes costumam estar mais frescos na memória.
Por consequência, as notícias de um passado distante tornam-se mais interessantes, informativas até, justamente porque delas grande parte dos leitores pode não ter conhecimento, ou mesmo, outros tantos, venham a rememorá-las.
Nesta linha do tempo pretérito, boa parte do resgate de notícias apresentou Tatuí como cenário – senão como agente, guardadas as devidas proporções – de fatos nacionais relevantes, como a Revolução Constitucionalista de 1932, por exemplo. Da mesma forma, os reflexos locais das mudanças de governo inesperadas, a partir dos regimes de exceção.
Neste momento, não se trata, contudo, de reportar algo mais significativo em Tatuí, como quaisquer alterações em sua rotina, causadas pela balbúrdia ocorrida na capital federal neste último dia 8 de janeiro, cujos propósitos, repercussões e responsabilidades ainda demorarão um tempo para serem todos elucidados – “se” o serão!
Por certo, ninguém de Tatuí teve ação determinante na específica articulação premeditada de um golpe de estado, estando alguns, inclusive, genuinamente agindo apenas com o objetivo de se manifestarem sem qualquer vandalismo.
Ainda outros – certamente uma minoria – podem, sim, ter sentido certa catarse na depredação do patrimônio público (imóvel, histórico, cultural ou artístico) –, torcendo ou buscando agir pela derradeira erosão da democracia no Brasil.
Antes que já se conclua por algum equivocado posicionamento “ideológico”, ressalte-se, é importante acentuar que, por diversas aferições, constatou-se que a imensa maioria dos brasileiros, algo em torno de 92%, rechaçou veementemente os chamados “atos terroristas”.
Isto indica que, “de repente”, houve uma reversão “ideológica” em quase metade da população que não votou no atual governo? Óbvio que não!
Primeiro, é oportuno reconhecer que, quando se fala em “ideologia”, fala-se da “boca pra fora”, porque quase ninguém se dá ao trabalho de estudar um mínimo sobre em que se diferenciam os básicos conceitos políticos antes de falar ou repassar mensagens em rede social…
Segundo, porque, com certeza, tamanha desaprovação passa longe de abrupta mudança de posição de “direita” para “esquerda” (as aspas são propositais exatamente pelo caráter hipotético indicado no parágrafo anterior), não sendo nada além de repúdio à selvageria.
Em outras palavras, pode-se afirmar, com toda a tranquilidade, que a massa da população não está agora a correr atrás da famosa camiseta do Che Guevara, estampada com foto de Augusto Diaz Korda, para desfilar na próxima Folia de Momo.
Na prática, a quase totalidade dos brasileiros está a dizer que não consegue conciliar o conceito de fé, família e pátria com defecar em público sobre um patrimônio do país, tampouco explodir bomba em caminhão de combustível e, assim, potencialmente matar gente inocente – apenas para dar alguns exemplos…
Por sua vez, se os executores, articuladores, financiadores e facilitadores desse que foi o maior fenômeno de ataque à democracia no país nas últimas décadas serão efetivamente identificados e punidos, já será outro capítulo da história, cuja escrita segue em curso.
Se, outrossim, prevalecerá a aposta na tese de um inusitado espectro de obtusidade a contaminar a alma e o bom senso do planeta Terra (que assiste pasmado ao Brasil), de que não havia tal intenção, cabendo a tresloucados ou mesmo a “outsiders” do movimento pacífico a responsabilidade pelos atos, aí, bom, o tempo também há de dizer.
Importa neste espaço, por conseguinte, é deixar registrado que – reiterando -, apesar de Tatuí não ter tido participação ativa nos ataques, houve neste país algo extraordinariamente brutal e grotesco, o qual, portanto, precisa ficar marcado na história para sempre.
Ou seja, quem sabe daqui a cem anos, quando os cidadãos forem pesquisar o passado nas bibliotecas (virtuais ou presenciais, que assim hão de resistir), precisam encontrar este registro em todos os veículos de comunicação, inclusive neste, de Tatuí.
E se, por algum estranho acaso, esses cidadãos do futuro tenham pouco conhecimento deste momento trágico, segue abaixo um pequeno resumo.
Contudo, convenhamos, muito menos para que nossos descendentes venham a saber sobre o que no momento aconteceu e muito mais para que todos, de agora, nunca mais se esqueçam deste 8 de janeiro de 2023.
Basicamente: brasileiros invadiram a Esplanada dos Ministérios, o Palácio do Planalto, o Congresso e o STF (Supremo Tribunal Federal), vandalizaram os locais e ainda entraram em confronto com a Polícia Militar.
Uma parte invadiu a área externa superior do Congresso e, depois, a interna, chegando aos salões onde são exibidos itens históricos recebidos de presente pelo Estado brasileiro por outros países. Depois, foram até o plenário do Senado Federal.
Outros avançaram para a Praça dos Três Poderes, onde houve confronto. Em seguida, já no Palácio do Planalto, acessaram vários andares.
Lá, houve fartura e regozijo na forma de vidros quebrados, móveis atirados para fora, computadores e monitores jogados e, entre outras peripécias, um Di Cavalcanti retalhado, cujo valor artístico… (bom, melhor deixar pra lá…).
Os indivíduos circularam tranquilamente pelo interior do Planalto, inclusive pela rampa interna do Palácio. Com tal desenvoltura, o cortejo de inovador conceito patriótico conseguiu chegar perto do gabinete da Presidência da República.
O pessoal ainda visitou o STF, onde cuidou da depredação do plenário das sessões de julgamento. Móveis foram revirados e danificados, vidros quebrados, documentos espalhados e cadeiras arrancadas do chão – coisa que, a bem da verdade, pouco se testemunha em casa de família.
Entre outras diversificadas ações vândalas, ainda houve iniciativas expressas em fúria na forma de inundação, pichação e mais destruição de obras (algo que o pessoal lá do futuro talvez venha a entender, a razão de tanta raiva de arte…).
Por consequência, o Carnaval golpista fora de época rendeu não só muito prejuízo e quase o fim da democracia, mas a intervenção federal na área de segurança pública na capital da República, tal como o afastamento do governador e a posterior prisão do ex-ministro da Justiça, afora as inúmeras suspeitas de inação ou conivência de demais autoridades.
Claro, isso além da prisão de centenas de pessoas, acusadas pelo vandalismo e tentativa de golpe, outra marca a entrar para a história pela via torta desta tragédia. Isto não porque os crimes não devem ser punidos, muito pelo contrário, mas somente porque, mesmo sem intenção, o ser humano é às vezes levado pelo comportamento de rebanho, quase sempre no caminho negativo, da agressão, do conflito, da discórdia.
Portanto, a realidade é ainda mais trágica porque os reais orquestradores da intentona dificilmente pagarão, deixando o prejuízo à Nação, por um lado, e aos incautos de costas menos quentes e sem farda, por outro.
Enfim, que fique o (triste) registro para o futuro.