A reforma trabalhista efetivada no Brasil, em 2017, completou seis meses, mas, apesar desse tempo, ainda não apresentou mudança significativa na Justiça do Trabalho em Tatuí. A informação é do juiz titular da Vara do Trabalho local, Azael Moura Junior.
Em entrevista a O Progresso, o magistrado informou ainda não ser possível avaliar em que medida será significativa a reforma trabalhista, pelo menos em termos de números de ações impetradas pelos trabalhadores.
A mudança na legislação trabalhista entrou em vigor em 11 de novembro do ano passado, após aprovação pelo Senado. Dias depois, o presidente da República, Michel Temer, assinou medida provisória regulamentando questões consideradas “controversas” do texto. Mais de cinco meses depois, porém, a MP não foi votada e perdeu a validade, no dia 23 de abril.
Segundo Moura Junior, que trabalha em Tatuí desde 2015, atualmente, o que tem validade é o texto original da reforma das leis do trabalho. É por ele que os juízes têm pautado as decisões nos julgamentos. O magistrado lembra que a MP tratava, apenas, de alterações dos direitos trabalhistas, que são julgados com base na data do contrato.
“A medida provisória pouco mexeu em direitos processuais, que são aqueles imediatamente aplicáveis. Aqui na Justiça do Trabalho, pouco se notou a existência da medida e a sua revogação. Os direitos trabalhistas são julgados pela lei vigente na data da assinatura do contrato”, explicou o magistrado.
O juiz conta que, em função do encerramento das atividades de algumas empresas, entre os anos de 2015 e a metade de 2017, houve aumento significativo no número de ações trabalhistas na Vara do Trabalho de Tatuí.
Moura Junior informa que, após esse período, foi possível notar, estatisticamente, uma redução do número de ações, retornando-se ao patamar correspondente ao padrão da Vara do Trabalho da cidade. O juiz não vê relação entre as novas regras e o saldo de processos.
A nova legislação trabalhista do Brasil estabelece, entre outras coisas, que o trabalhador é obrigado a comparecer às audiências judiciais e, caso perca a ação ingressada, arque com as custas do processo. Será preciso pagar os chamados honorários de sucumbência, devidos aos advogados da parte vencedora, em caso de perda da ação.
“Essa questão é uma das novidades da reforma. Evidentemente, por essa razão, o número de ações pode diminuir. Não temos, ainda, condições de avaliar o quão significativa será a mudança da reforma, com o número de ações que irão passar a frequentar a Justiça do Trabalho a partir deste ano e do ano que vem”, expôs Moura Junior.
O magistrado registra que o número de ações trabalhistas não é produto da “imaginação ou da má fé dos trabalhadores”, além de que o descumprimento da legislação ainda acontece em muitas relações entre patrões e empregados.
“Não é por conta da reforma que o trabalhador irá deixar de procurar os seus direitos. Talvez, uma mudança no conteúdo das ações seja mais provável do que o decréscimo do número de ações trabalhistas”, ponderou.
Um ponto ainda sem explicação, na lei original, era a contribuição ao INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) nos casos de trabalho intermitente, tipo de contrato que permite a prestação de serviços com interrupções, em dias alternados ou apenas por algumas horas na semana.
Na modalidade, o trabalhador tem de ser convocado com, pelo menos, cinco dias de antecedência. Além disso, a empresa contratante não pode demitir um trabalhador e contratá-lo como intermitente em menos de 18 meses.
A medida provisória estabeleceu que, quando a renda mensal não atingir um salário mínimo, o trabalhador terá de pagar a diferença ao INSS. Com a suspensão da MP, a questão voltou a ficar indefinida quanto ao pagamento de direitos como os de férias, previdência e 13° salário.
O magistrado explicou que ainda não há nenhum tipo de estatística sobre o trabalho intermitente. Tampouco seria possível saber se ele vai, efetivamente, tornar-se habitual entre os contratos a serem estabelecidos.
“É uma relação extremamente precária, mas não há nenhuma previsão de que isso vá se tornar frequente nas relações de trabalho”, avaliou.
O juiz destaca que a falta de previsão de uma renda mensal, para o trabalhador, é o principal aspecto negativo da liberação do trabalho intermitente. “Ele estará à disposição, praticamente, 24 horas do dia e sem uma renda que garanta uma subsistência minimamente digna”, expressou.
Moura Junior também falou sobre a prática do teletrabalho – ou “home office” -, em que o trabalhador se utiliza da internet, redes de telefonia e outras formas de comunicação à distância para prestar serviço.
Segundo ele, foi importante a regulamentação da prática, embora, em alguns aspectos, tenha sido negativa. “Quanto a essa prática, é melhor esperar para verificar como essas relações vão, efetivamente, se organizar no dia a dia”, manifestou.
Diferentemente da expectativa que tem sobre o trabalho intermitente, Moura Junior avalia que o teletrabalho ainda precisa ser mais bem avaliado, na prática e nas relações entre trabalhadores e empregadores.
O texto da reforma ainda permite que o acordado entre sindicatos e empresas tenha força de lei para uma lista de itens, entre os quais, jornada, participação nos lucros e banco de horas. Não entram nessa lista direitos essenciais, como salário mínimo, FGTS, férias proporcionais e 13o salário.
A lei também criou um novo dispositivo jurídico: a demissão em comum acordo. Por esse mecanismo, a multa de 40% do FGTS é reduzida a 20% e o aviso-prévio fica restrito a 15 dias. Além disso, o trabalhador tem acesso a 80% do dinheiro na conta do Fundo, mas perde o direito ao seguro-desemprego.
O acordo entre patrão e empregado deverá ser levado à Justiça do Trabalho para homologação e, ressalta Moura Junior, a novidade pode ser positiva, dependendo do controle que os juízes farão dos acordos, para evitar que sirvam de renúncia de direitos trabalhistas e prejuízo aos empregados.
“Os acordos são importantes do ponto de vista da segurança jurídica, mas não devem ser admitidos quando signifiquem a renúncia dos direitos trabalhistas”, relatou.
O texto acaba com o imposto sindical obrigatório, que, para o trabalhador, equivale a um dia de trabalho por ano. Para o empregador, há uma alíquota conforme o capital social da empresa. O recolhimento passa a ser voluntário, por opção do trabalhador e do empregado.
Outra mudança na lei é referente à terceirização, aprovada em 2017, permitindo que ela passe a valer para qualquer função da empresa. O texto da reforma inclui salvaguardas à lei da terceirização: proíbe que uma pessoa com carteira assinada seja demitida e contratada como pessoa jurídica ou por terceirizada, por um período de 18 meses.
A lei também possibilita que a jornada do contrato parcial pode subir das atuais 25 horas semanais permitidas para até 30 horas, sem possibilidade de horas extras.
O empregador também pode optar por um contrato de 26 horas, com até seis horas extras. O trabalhador, sob esse regime, tem direito a férias, assim como os contratos por tempo determinado.
Moura Junior diz que, para o futuro, espera que a conexão entre o trabalhador e o patrão seja mais “digna, com parceria e confiança, que vise ao desenvolvimento social e econômico do país”. “Qualquer coisa que fuja desse caminho, a Justiça do Trabalho vai se opor, por natureza e por ser a sua razão de existir”, declarou o magistrado.
O juiz defendeu que a Justiça precisa “construir uma relação de trabalho melhor, similar à que se encontra nos países desenvolvidos, e não na baseada na opressão, na exploração, em rendimentos decrescentes e na alta rotatividade da mão de obra”.
O magistrado expressou que as ações impetradas na Justiça tatuiana são parecidas com as da região de Campinas, onde fica a 15a Região, não havendo nenhuma particularidade marcante nos processos locais.
A Vara do Trabalho de Tatuí foi inaugurada em novembro de 1998. A jurisdição atende, além da cidade sede, os municípios de Torre de Pedra, Capela do Alto, Cesário Lange, Quadra, Iperó e Porangaba.
Moura Junior finalizou orientando os trabalhadores a se informarem junto aos seus sindicatos e advogados trabalhistas, a fim de conhecerem seus novos direitos e obrigações.
Para ele, a reforma trabalhista, aprovada em meio à crise econômica, tende a reduzir os direitos dos trabalhadores. “Talvez, não fosse a melhor hora, do ponto de vista dos empregados”, avalia.
Mesmo assim, o juiz destaca ser sempre interessante modernizar a legislação, definindo novos marcos regulatórios. Porém, ressalta, sendo importante que se faça “com diálogo, debates, escutando as partes interessadas e as instituições públicas”.
“Não temos nada contra a reforma. Ela é positiva no sentido de atualização da legislação. Não sei se o caminho que ela trilhou foi o melhor, só vamos descobrir isso na prática e com o tempo. Ela poderia ter avançado mais para melhorar as relações trabalhistas”, observou.
Para Moura Junior, a Justiça não vai se furtar em julgar, criar novas jurisprudências e interpretar as leis. “Tudo será feito da melhor forma possível, com cada juiz com sua consciência, os tribunais fazendo as revisões e o TST (Tribunal Superior do Trabalho) dando a última palavra, quanto à melhor interpretação da legislação”, pontuou.
“A melhor forma do trabalhador ou do patrão mostrar a sua concordância ou discordância da reforma trabalhista é atuar politicamente, votar com consciência. Esse é o caminho democrático e o que esperamos da população”, finalizou o juiz.