O brasileiro tem mania de imitar o que vem de fora do jeito dele, só porque ele quer, para ficar bonito “na fita”. Veja o tal de “Gospel” brasileiro (de “God spell”, do inglês Palavra de Deus, Evangelho). O Gospel original surgiu nos EUA por volta de 1890 em forma de canções e hinos, no seio das comunidades negras protestantes, nascido dos belíssimos “negro spirituals” (canções religiosas negras) ainda no século 18, lindos hinos para voz solista e coro cantado nas igrejas. Os spirituals eram uma adaptação dos hinos luteranos ao ambiente e forma de cantar do negro, com pitada de blues. Agora, o que a belíssima linhagem Gospel tem a ver com o pop-light comercial cantado geralmente por mocinhas bonitas com voz inocente no Brasil? O que tem isso a ver com o Gospel verdadeiro, além do nome? Nada.
Daqui mesmo, o sertanejo universitário, expressão que não explica coisa alguma, foi importado do Nordeste pela peãozada dos canteiros de obras da Grande São Paulo. O gênero absorveu os vícios da região, foi misturado com a jovem guarda e a “country music” a bordo de chapéu, cinturão e bota de caubói americano. Euclides da Cunha (1866-1909), em seu consagrado “Os Sertões”, sobre a Guerra dos Canudos no interior baiano, imortalizou o filho do campo: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. Daí a dizer que essa panelada musical urbana e híbrida é sertanejo, é tiro no pé. Esse “sertanejo” pop fez sumir as cantigas das festas juninas e degredou o sertanejo caipira de Cornélio Pires, Jararaca e Ratinho, Tonico e Tinoco e um mundão sem fim da gente de raiz.
O funk saiu da gíria americana “funky” – nervoso, agitado – e teve origem no jazz negro dos anos 1950. Na década de 1970 passou a designar um estilo próprio de pop negro norte-americano, nascido do “Rythm’n’blues”. Dele brotaram o frenético James Brown, Sly Stone e o fantástico grupo Earth, Wind & Fire. O lema do funk é o grito de Brown: “free your ass and your mind will follow”: liberte seu traseiro e sua mente seguirá, algo como “agite-se e curta”. Já no Brasil funk é o nome dado a um ritmo de batida repetitiva e sem melodia, sem a riqueza dos metais, órgãos, progressões harmônicas, vozes afinadas e os passos de dança insuperáveis do funk dos negros americanos. As TVs, os subúrbios e morros cariocas e periferias – além dos terríveis sons automotivos – invadem com Lady Lu (“Soca Checa”), Mc Naldinho e Bella (“Tapinha não Dói”), e a mais recente Anitta, a dos shortinhos desfiados e reveladores, espécie de “pin-up girl” sem voz, nem açúcar nem sal. Há ainda a “Surra de Bunda”, o pornofunk (se o termo não existe, acabei de inventá-lo), do “x-rated” ao mais baixo calão, coisa de fazer corar profeta de pedra-sabão do Aleijadinho.
“Música Eletrônica”? Ah, esta é qualquer coisa que agita os “clubbers”, a galera das casas noturnas: o “acid house”, o “electro”, o “techno”, o “technopop” e outros. “Acid house” é música para danceterias gravada em estúdio com sintetizadores, samplers, baterias eletrônicas e afins. Podem ser superpostas vozes, gemidos ofegantes, gritos e uivos sensuais. Luzes estroboscópicas giram sobre as cabeças já alucinadas por uísque com energéticos, além do extasy, droga perigosa que traz grande excitação e, a reboque, taquicardia e o disparar da pressão sanguínea. São famosos a cantora Yazz e o Bomb the Bass, grupo que não é feito de pessoas, apenas foi criado eletronicamente em estúdio. Já technopop é um similar dos anos 1970, entre cujos “astros” estavam o Radio Activity e a Man Machine.
O Brasil atropelou na contramão. Nada disso é música eletrônica, o uso de recursos eletrônicos não justifica o nome de um gênero de música séria que já existia de há muito. Thaddeus Cahill criou o Thelharmonium ainda no final do século 19! E o Theremin (1920) é um aparelho que altera ondas de rádio por meio de um osciloscópio, cujo som fascinou até Lênin, o líder bolchevique. Em 1928, surgia o “Ondas Martenot”, inventado pelo francês Maurice Martenot, que consistia em um teclado de amplificação controlada por um oscilador por meio do movimento das mãos sobre captadores de extrema sensibilidade. O aparelho chegou a ser utilizado por Honnegger, Boulez e Messiaen, ícones da vanguarda da época. O movimento música eletrônica foi consolidado em 1951, em Colônia, Alemanha, por Beyer e Eimert. Por lá também passaram Messiaen e John Cage, que compôs uma peça-símbolo chamada “Paisagem Imaginária nº 1”, mesclando técnicas eletrônicas à chamada música concreta, que empregava montagens de recortes de fitas magnéticas pré-gravadas. A música concreta é associada a Pierre Schaeffer, na Paris da metade do século 20. Em 1954, Stockhausen assumiu o estúdio de Colônia, criando e adaptando mais aparelhos à Música Eletrônica, e elevando o nome da cidade alemã ao patamar de grande centro da vanguarda mundial.
Por que no Brasil querem vender gato por lebre, reinventar a pólvora ou a roda – e tudo isso com nome em inglês, para ficar mais “fashion”? Estranho e contraditório, porque esse mesmo país cunhou a expressão “música erudita”, que só existe aqui – mundo afora é música clássica, mesmo, e isso, o que é correto, deveriam equiparar. Para piorar, os rótulos de gêneros da “estranja” aqui reproduzidos, diferentemente dos conteúdos originais, revelam um produto que não tem nada a ver com o original e que, no mais das vezes, é de muito pouco valor musical ou até lixo irreciclável.
(Fonte: “Dicionário de Termos e Expressões da Música”, do autor. SP: Ed. 34, 2a Ed.)