Quando unanimidade não é ‘jumentice’

Nelson Rodrigues, entre muitas facetas, é ainda visto como um conservador e, portanto, com certa cautela por parte “progressista” do senso comum – pelo menos da parcela da população mais educada e atenta às questões que afetam a todos, como as políticas e as sociais.

Superficialmente, poder-se-ia dizer que esse grande erudito “gozador” acreditava mais na força do inatismo que do empirismo – ou seja, de que o ser humano é o que é, a despeito e alheio às influências externas – daí porque ser identificado como um pensador de “direita”.

Também contribuiu com a imagem de poucos amigos e aparente arrogância o fato de não esconder a aversão à “burrice”. Para ele, que a satirizava sistematicamente, essa qualidade humana, além de vasta, era eterna.

Frasista mordaz e genial feito pouquíssimos – do nível do Barão de Itararé e de Millôr Fernandes -, Nelson Rodrigues – que considerava o pensamento homogêneo como sinal de ignorância – marcou para a eternidade a mais célebre epígrafe nacional sobre o assunto, que diz assim: “Toda unanimidade é burra”.

A considerar-se a realidade atual – em boa parte dividida pobremente em duas na instância política -, talvez o jornalista, ensaísta e dramaturgo pensasse algo como: “A unanimidade partida em duas também não deixa de ser obtusa” …

Mas, nem sempre é assim. Nesta semana, por exemplo, a enquete promovida pelo jornal O Progresso, praticamente, indicou unanimidade na resposta à questão: “Você é a favor da diminuição do número de vereadores, de 17 para 11?”.

O tema figurou a pesquisa devido ao projeto de emenda à Lei Orgânica do Município (LOM) 002/19, já protocolado na Câmara Municipal, que propõe essa redução do número de vereadores.

Se aprovada, a alteração passaria a valer a partir da próxima legislatura, com início em 1º de janeiro de 2021. O projeto, de iniciativa do presidente da Casa de Leis, Antônio Marcos de Abreu (PL), altera o artigo oito da LOM, retirando seis cadeiras do Legislativo. A medida, segundo ele, objetiva a economia de, aproximadamente, R$ 6 milhões em quatro anos, durante o quadriênio 2021-2024.

Para ser protocolada na Câmara Municipal, a proposta precisava da assinatura de pelo menos seis dos 17 parlamentares, já possui oito e segue aberta à adesão dos demais.

Posteriormente, a proposta tramitará entre as comissões permanentes e, recebendo aval delas, poderá entrar em votação. A expectativa de Abreu é de que a matéria seja votada e aprovada ainda neste ano.

Com a aprovação da proposta, o Legislativo voltaria a ter o mesmo número de parlamentares que atuavam até 2012. Em 2011, a aprovação de uma emenda à LOM permitiu que o número de vereadores tatuianos aumentasse, justamente, de 11 para 17, a partir de 2013.

Na oportunidade, a aprovação culminou em acréscimo de 30% no orçamento anual da Câmara, passando de R$ 6,335 milhões, em 2012, para R$ 8,245 milhões, no ano seguinte.

Outra justificativa também presente na proposta sustenta “não proceder” o fato de que, com mais vereadores, aumenta a representatividade dos munícipes junto à Câmara.

O documento assegura que, por duas legislaturas, de 2005 a 2008 e 2009 a 2012, nas quais o Legislativo esteve composto por 11 vereadores, “os mais importantes e prioritários setores da sociedade eram representados”.

Abreu ainda divulgou números apresentados pelo Mapa dos Gastos das Câmaras, referente ao período de setembro de 2018 a agosto de 2019, divulgado pelo Tribunal de Contas do estado de São Paulo.

De acordo com esse estudo, Tatuí possui 120.533 habitantes, com média de 7.090 munícipes para cada um dos 17 parlamentares. Durante o período, foi utilizado pelo Legislativo o montante de R$ 10.193.475,81, com o custo, por conseguinte, próximo a R$ 84,57 por habitante.

Como exemplo, o documento ressalta que, com a aplicação da redução de vereadores no estudo divulgado pelo TCE, o valor gasto no mesmo período seria de R$ 8.996.162,11, somando R$ 74,64 por habitante.

Isto ocorre porque, sem seis parlamentares, a economia anual com a remuneração mensal (atualmente, de R$ 7,513,65) seria de R$ 540.982,80. Cada assessor recebe R$ 5.219,76 e tem direito ao 13ª salário. Assim, deixariam de ser pagos, anualmente, R$ 407.141,28 e mais R$ 20.879,04 referentes às férias.

Levando em consideração o valor das cestas básicas de outubro deste ano (de R$ 349,01), R$ 25.128,72 seriam economizados em um ano. A queda no número de parlamentares ainda eliminaria R$ 203.490,65 em encargos sociais com o INSS. Ao todo, haveria economia anual de R$ 1.197.622,49. Somente na próxima legislatura, R$ 4.790.489,96 deixariam de ser gastos.

O projeto ainda considera a economia com materiais de consumo para manutenção dos gabinetes, viagens com veículo oficial e despesas administrativas, o que resultaria em algo aproximado a R$ 6 milhões.

À reportagem de O Progresso, o vereador afirmou que a medida fora motivada pelo impacto gerado pela atual crise financeira. “Todo mundo está sendo afetado por essas mudanças. Particularmente, entendo que a Câmara Municipal tem de dar uma resposta à população”, argumentou.

Abreu lembra que, pelo fato de Tatuí ter ultrapassado a marca de 120 mil habitantes, legalmente, a Câmara Municipal poderia, inclusive, aumentar o número de vereadores para 19.

A eleição municipal do próximo ano será a primeira sem a possibilidade de coligação partidária. Somado ao número menor de vereadores, Abreu reconhece que ambas as medidas irão dificultar a entrada no Poder Legislativo e crê que os candidatos precisarão de cerca de 2.800 votos para alcançarem o cargo no município.

Diante desses números e ponderando-se o resultado da enquete, pode-se concluir, com todo respeito, que, apesar da sabedoria e perspicácia rodrigueana, nem toda unanimidade é burra.