Professores expõem crônicas de alunos em blog do Nebam





David Bonis

A professora Cristiane Vilanueva, uma das responsáveis pela iniciativa

 

Dois professores do Nebam (Núcleo de Educação Básica Municipal) “Ayrton Senna da Silva” decidiram publicar em blog as crônicas escritas por alunos das turmas de 9º ano da instituição.

Os professores Francisco Campos e Cristiane Vilanueva Rodrigues, que lecionam na escola, tiveram a ideia a partir da edição 2014 da Olimpíada Brasileira de Língua Portuguesa, evento de proporção nacional.

O objetivo da competição era enviar o melhor texto elaborado por algum dos alunos da instituição para concorrer a diversos prêmios, entre eles, livros, tablets, microcomputadores, medalhas e outros.

No entanto, a qualidade dos textos produzidos pelo alunado da instituição foi “tão bom”, segundo a professora de língua portuguesa Cristiane, que ela e Campos decidiram publicá-los na internet.

O blog foi criado na primeira quinzena de agosto e pode ser acessado pelo endereço eletrônico www.alunosnebam.blogspot.com.br. Todos os textos postados são crônicas – gênero textual de linguagem simples e que trata, sobretudo, de questões do cotidiano.

A escolha dessa espécie de texto não foi ocasional. Ocorre que as regras das Olimpíadas de Língua Portuguesa deste ano determinavam que os alunos de 9o ano deviam produzir crônicas para participar da competição.

As regras estavam definidas da seguinte forma: estudantes de 5º e 6º ano ficaram responsáveis pela produção de poemas; memórias literárias para alunos de 7º e 8º ano; crônica para 9º ano do fundamental e 1º ano do ensino médio; e artigos de opinião para o alunado do 2º e 3º ano do ensino médio.

Mas, além dessa regra, havia outras. A principal dizia respeito ao tema dos textos. Para a edição deste ano, a ideia era incentivar os alunos a escreverem sobre os locais onde moram. Por isso, o foco adotado foi “o lugar onde vivo”.

Não à toa, as crônicas produzidas e postadas pelos alunos do Nebam “Ayrton Senna da Silva” têm como foco a cidade de Tatuí.

A primeira postagem no blog, de autoria da aluna Rebeca Aparecida Camargo, do 9o C da instituição, trata sobre observações a partir de uma experiência na Praça da Matriz.

O texto, postado no dia 23 de agosto, chama-se “A Moça e o Cachorro”. “Estou eu sentada em um banco na Praça da Matriz. Em meu colo há meu pequeno caderno, onde todos os meus sonhos e desejos estão anotados”.

“Estou ouvindo um bom rock, observando as pessoas andarem para lá e para cá, como se fossem formigas que carregam seus mantimentos para um grande formigueiro. Também estou sendo observada, o que me incomoda um pouco, já que sou tímida”, diz o início da crônica.

O objetivo da Olimpíada de Língua Portuguesa era, já em 2002 – data em que o evento foi criado -, estimular a leitura e a escrita, sobretudo de alunos de escolas públicas.

A proposta surgiu a partir de experiências da Fundação Itaú Social e do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária).

Apenas em 2008, no entanto, foi firmada parceria com o governo federal. O vínculo ampliou o número de escolas e alunos participantes no projeto.

Tanto que foi a partir daquele ano que as turmas de 8o e 9o do ensino fundamental e 1o e o ano do médio foram incluídas na competição.

Devido à abrangência nacional, a competição demanda que os professores preparem os alunos. Por isso, Cristiane parou todo o conteúdo que vinha ensinando ao corpo discente, para discutir o gênero “crônica”.

“Trabalhamos praticamente um mês só com crônicas. Parei com todo o conteúdo de língua portuguesa. Lemos crônicas de diversos autores, fizemos várias atividades para eles perceberem que é difícil definir o gênero”, explica a professora.

“Achei que o mais simples fosse fazer com que eles lessem muitas crônicas, de estilos diferentes. Crônicas líricas, analíticas, reflexivas, narrativas. Eles fizeram também um trabalho de crônicas através do tempo. Isso foi muito legal, porque eles puderam comparar os diversos estilos de crônicas”, argumenta Cristiane.

Segundo ela, cronistas famosos como Fernando Sabino e Luiz Fernando Veríssimo foram lidos em sala de aula. “O Homem Nu”, crônica de Sabino publicada em 1960, foi, segundo Cristiane, o texto que os alunos mais gostaram de ler.

Após estudarem e produzirem crônicas preparando-se para as Olimpíadas, os alunos entregaram os textos produzidos à professora.

As produções passaram por revisão e foram devolvidas aos estudantes, que puderam reescrevê-las ou, apenas, corrigir pequenas pontuações.

A docente recebeu cerca de 90 textos, os quais, além de poderem participar da competição, valiam nota. Essa foi a forma que ela encontrou para incentivar a participação de todo alunado no processo.

No entanto, apenas uma crônica seria escolhida para representar o Nebam, por ser a regra do evento. O texto foi selecionado por Cristiane com a ajuda de outros docentes da instituição.

“Não foi fácil escolher. Selecionei seis ou sete textos e li para colegas professores, para que eles votassem”, lembra Cristiane.

A crônica escolhida para representar a escola foi produzida pela aluna Lavínia Rodrigues, do 9o C.

O texto discute o sentimento que a cidade inspira nela, pois se trata de um local, na visão de Lavínia, que alia “arte e contato com a natureza”.

“Não posso deixar de pensar na grandiosidade que esta cidade tem a nos oferecer. Daí, vem a inspiração daquilo que mais gosto em minha vida. A paixão pela música e o amor pelo tropeirismo”, diz um trecho da crônica.

O texto, contudo, não venceu a competição, cuja cerimônia de premiação final ocorre apenas em dezembro, de acordo com o calendário oficial.

No entanto, os professores que participaram da iniciativa destacam o estímulo aos alunos que a proposta atingiu, sobretudo no que tange ao legado que deixa pelo gosto à leitura e à escrita.

“Esse foi um processo que acabou incentivando os alunos a ler e escrever. Hoje em dia, os alunos, de modo geral, não se interessam muito por isso. Eles gostam mais de outras coisas. Nem gibi do Pato Donald acabam lendo. Mas, quando surge uma iniciativa como essa, que estimula à leitura, é sempre muito positivo”, avalia o professor de geografia do Nebam e colunista de O Progresso, Francisco Campos.

Todos os textos postados no blog passaram pela avaliação de Campos e Cristiane. O professor de geografia, inclusive, digitou-os para serem publicados on-line. Aliás, foi ele quem sugeriu a criação do blog.

Dos 15 textos publicados no endereço eletrônico até o fechamento desta edição (sexta, 17h), 11 são de meninas. Entre elas, nove alunas do 9o C do Nebam. Segundo Cristiane, a turma foi a que acabou interagindo mais com a proposta.

Além disso, ela destaca que a iniciativa contou com maior participação das alunas. Apenas quatro crônicas publicadas são de meninos.

Entre elas, há um trabalho que, segundo Cristiane, estimula a reflexão quanto ao sentido da vida.

Tendo como ponto de partida o cemitério local, o estudante Lucas Patrik Martins, do 9º D, discute os aspectos que, em sua imaginação, possam ter cercado as vidas das pessoas enterradas no local.

“Para mim, o cemitério é um lugar onde os sonhos profissionais, materiais e outros se acabam. Ninguém tem certeza se isto acontecerá: voltar a viver em outro corpo como um animal ou pessoa, ou seria o descanso eterno onde o ser não poderá voltar à vida”, diz o texto, intitulado “O Anoitecer dos Nossos Sonhos”.