Nos idos de 2013, numa sala de aula, fui tomado por um sentimento de muita preocupação, ainda que tenha demorado a perceber de forma nítida o que realmente estaria para acontecer. Um garoto de 16 anos disse, sem pudor algum, que não concordava com o filósofo iluminista Jean Jacques Rousseau. Na ocasião explicava o Iluminismo e seus teóricos, no caso, Rousseau. O aluno não concordou com a frase atribuída ao pensador : “O poder emana do povo”. Era o prenúncio de tempos difíceis que, de fato, tomaram conta de nosso cotidiano, sobretudo na esfera política.
Os professores de história, geografia, filosofia e sociologia estão se equilibrando numa corda bamba. A prática destes docentes sofre, como há muito tempo não ocorria, grande vigilância e , por vezes, intimidação implacável. Abordar determinados assuntos ou temas segundo as especificidades das disciplinas numa sala de aula pode provocar reações desconfiadas ou até mesmo intolerantes por parte dos alunos e seus pais. Por exemplo, ao estudar o Socialismo Científico de Marx e Engels pode despertar comentários como “o professor é de esquerda e está doutrinando nossos filhos”; ou, ao comentar a Constituição Republicana de 1891 que estabelecia o Estado laico e daí tecer comentário que leve à reflexão sobre as decisões políticas no Congresso atual que, com uma bancada de religiosos, aprovam ou não leis que alcançam toda a sociedade brasileira, pode desencadear a ira daqueles que acreditam que o professor está maculando a intocabilidade sagrada das religiões. Ora mais, ora menos, vem ocorrendo tais manifestações contra os demais colegas professores das humanidades.
A face vigilante de olhares aguçados sobre professores se circunscreve num contexto muito maior e mais delicado, como a crise econômica e política vigente que acirra os ânimos de muitos, a onda conservadora que invade o ponto de vista das pessoas, a intolerância gratuita contra aqueles que divergem do senso comum, etc.
Uma entidade intitulada “Escola Sem Partido” vem instigando a patrulha sobre os professores, arguindo que os pais e alunos devem se preocupar com a doutrinação política, ideológica, religiosa e sexual empreendida em sala de aula. A medida provisória (MP) que propõe a Reforma no Ensino Médio também é relevante componente que ajuda a compreender o momento que passamos. A possibilidade de extirpar disciplinas como história, sociologia, filosofia, arte e educação física explica a barbárie pretendida pelo governo atual. Não obstante, a MP será discutida e votada pelo Congresso Nacional que não é, propriamente dito, especialista em Educação, convenhamos.
Os professores passam algumas dezenas de minutos por semana com 40 alunos, não é plausível que tenham tempo e capacidade de doutrinar seus interlocutores segundo creem os defensores de uma escola sem política. Pois, se os professores realmente tivessem este poder extraordinário de persuasão e convencimento, todos os estudantes seriam aprovados, teriam ótimo desempenho nas avaliações e passariam no vestibular. Doravante, a fala mais repetida pelos mestres é “estudem”, não é?
Querer ensinar, ampliar o repertório de seus alunos, apontar caminhos para que possam seguir suas vidas, construir narrativas que permitam o exercício da liberdade são algumas das aspirações dos mestres. Apenas isso, desempenhar o verdadeiro papel da escola, formar cidadãos conscientes e críticos. O fardo é pesado. Intimidações anônimas ou ameaças jurídicas não garantem a qualidade da Educação, e, muito menos, a imposição de uma reforma sem debates e discussões entre especialistas e afins garante o melhor desempenho na aprendizagem dos estudantes.
Sugiro um pacto entre todos os entes envolvidos, direta ou indiretamente, na Educação, como professores, pedagogos, estudantes e famílias, para construir, verdadeiramente, uma escola ética, justa e plural.