Primeira bombeira a trabalhar em Tatuí­ volta a quartel após cursinho





Quando pisou pela primeira vez no quartel do Corpo de Bombeiros de Tatuí, Beatriz dos Santos Cunha tinha 12 anos. A ida ao posto local aconteceu em janeiro de 2010, por imposição da mãe, a contragosto da filha, e promoveu uma verdadeira reviravolta na história da jovem.

Inaugurado em agosto de 1998, o 2º Subgrupamento completa 18 anos de funcionamento em 2016, um a menos que a mais nova integrante. No dia 19 deste mês, o quartel recebeu, pela primeira vez, a primeira bombeira.

Beatriz teve o primeiro contato com a corporação quando frequentou o curso “bombeiro mirim”. Coordenada atualmente pelo cabo Daniel Fernandes, a iniciativa é aberta a crianças e consiste em uma série de orientações. Elas visam noções de cidadania, primeiros socorros, combate a incêndio, educação no trânsito e ambiental e, principalmente, prevenção de acidentes.

Por meio do projeto, o quartel recebe meninos e meninas nos períodos de férias escolares. O curso é realizado em janeiro e julho, gratuitamente. Beatriz integrou a turma do início do ano, em 2010, por ordem da mãe. “Para começar, eu nem queria fazer o curso, fui obrigada”, contou ela à reportagem.

A primeira bombeira do município a trabalhar no quartel formou-se aos 19 anos e disse que resistiu à ideia, num primeiro momento. Tanto que, na primeira aula, “retrucou” um dos oficiais que ministrava instrução sobre gás de cozinha.

“Ele falou para os alunos olharem em casa as mangueiras dos botijões, para que verificassem se ela não estava com a data de validade vencida. Eu me lembro de que falei que não faria nada, porque não queria estar aqui”, recordou.

Na época, Beatriz tinha outra ideia do que faria no futuro. A bombeira queria ser juíza, mas desistiu da profissão na semana seguinte ao curso. A curiosidade “desmontou a marra” e, no caso da jovem, abriu as portas para a carreira.

“Mudei de ideia e percebi que, aqui, era o melhor lugar do mundo. Mas, ser bombeira, para mim, ainda era um sonho que estava muito distante”, comentou.

Envolvida pelo ambiente e incentivada pelos bombeiros, Beatriz se tornou “membro provisório” do quartel. Ela participou dos cursos nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015. Dessa vez, auxiliou os instrutores do curso como monitora.

A jovem gostou tanto do “universo dos bombeiros” que, em 2011, levou o irmão mais novo para fazer parte dele. “Desde então, não saí mais daqui”, comentou.

Em 2014, ela recebeu apoio da equipe do quartel e resolveu estudar para prestar concurso. O “empurrãozinho” veio com a ascensão de um bombeiro civil. Ele conseguiu ingressar na carreira militar, servindo de exemplo à aspirante.

Em maio do ano passado, Beatriz tomou coragem e inscreveu-se na prova escrita do concurso aberto pela Polícia Militar. Ela prestou seleção e passou em cada uma das diversas etapas (escrita, física, psicológica e investigação social).

O curso durou 12 meses, sendo dividido em duas partes. Beatriz cursou o primeiro módulo (básico) no CPI-7 (Comando de Policiamento do Interior), em Sorocaba. Ela concluiu os seis meses seguintes, do módulo específico, na ESB (Escola Superior de Bombeiros), em Franco da Rocha.

No módulo específico, os aspirantes podem optar por integrar a PM, a PMR (Polícia Militar Rodoviária) ou o Corpo de Bombeiros. A jovem tatuiana ingressou nesse módulo em novembro de 2015, terminando as instruções em maio deste ano. Ela se formou no Anhembi, no dia 12 do mesmo mês.

Beatriz integrou turma composta por 2.800 policiais (número fixado no edital do concurso). Ela é um dos 270 formandos pelo Corpo de Bombeiros, obtendo classificação na prova final para trabalhar na área do 15o Grupamento de Sorocaba. O GB abrange 48 municípios em quatro subgrupamentos.

“Eu não esperava vir para Tatuí. Foi uma surpresa para mim”, disse a mais nova integrante do quartel. A razão é que havia apenas duas vagas na área do 15o GB, uma feminina e uma masculina. Como a designação é feita com base no desempenho de prova final, Beatriz não teve a chance de escolher a cidade mais próxima.

Pela pontuação, ela seria designada para Tietê. Durante a semana de apresentação no comando em Sorocaba, Beatriz soube da possibilidade de trabalhar em Tatuí. Um bombeiro que atuava no quartel local queria prestar serviço em Tietê.

“Ele é de Uberlândia, e tinha comentado que ia pedir transferência para Tietê, que fica mais perto da rodovia para ele ir embora para casa”, relatou a jovem.

Com a autorização do comando, os bombeiros trocaram os postos de trabalho na terça-feira da semana passada, 17. Beatriz começou a trabalhar dois dias depois, ocasião em que atendeu – até as 19h daquele dia – quatro ocorrências.

A primeira, de queda de moto, acidente considerado “comum” em Tatuí. O motociclista teve ferimentos leves, sendo levado ao Pronto-Socorro Municipal “Erasmo Peixoto”.

No segundo atendimento, a jovem trabalhou em ocorrência de engasgamento. Beatriz relatou que uma idosa se engasgou quando comia um pedaço de pão “muito grande”. A mulher também foi conduzida ao ambulatório.

A bombeira ajudou, ainda, a socorrer outras duas pessoas. Os chamados tiveram como origem o Jardim Santa Rita de Cássia, envolvendo um idoso que sofrera queda, e um motociclista. Este último, bateu contra a porta de um veículo parado, sendo atingido por outro veículo no sentido oposto, quando caiu.

Beatriz recebeu o “batismo” 24 horas depois de ter iniciado o turno. A tradição é que o novato seja recepcionado com um banho de água fria com mangueira.

O ato marcou uma nova fase na vida da jovem, que recebeu incentivo do quartel e da família para transformar o sonho de infância em realidade da vida adulta. “Nunca imaginei ser bombeira. Eu me sinto agraciada. Meus pais ficaram muito felizes porque aprenderam a amar a profissão, como eu”, comentou.

Além de primeira mulher da cidade a integrar o quartel, Beatriz ostenta o título de primeira pessoa da família a seguir carreira militar. O ingresso virou motivo de orgulho para o pai, que levou a ela um buquê de rosas no dia 19.

No que depender da bombeira, este será o primeiro de vários presentes. Isso porque Beatriz pretende seguir carreira. “A priori, vou ficar com o pessoal dos ‘praças’. Quero, daqui a dois anos, prestar concurso para cabo e, depois, subir a sargento. Mas, vamos ver quais outras surpresas a vida me reserva”.