Embora sem algum estudo científico para comprovar, é possível arriscar a afirmação de que não há algo mais poderoso a sensibilizar e afligir qualquer indivíduo, ao longo do globo, que a agressão a crianças. Por elas, sobretudo os pais, são capazes até de matar – ou serem cúmplices da morte alheia pelas opções equivocadas.
A própria pandemia de coronavírus exemplifica bem a situação: fossem crianças a morrer feito moscas, quando contaminadas, certamente, a reação seria outra, com apoio irrestrito a um “loucodaum” generalizado. Tampouco haveria perdão ao descaso, à negligência, ao negacionismo.
No entanto – pobre da terceira idade, aquela que, hipócrita e oportunisticamente, já foi chamada de “melhor idade” -, quem cai como inseto quando picado pela Covid-19 são os “velhos”.
Daí a complacência com essas dezenas de milhares de mortes e a zoeira novamente a tomar conta das ruas. Em Tatuí, até baile funk constava da agenda semanal festivo-negacionista… “Todo mundo vai morrer um dia mesmo”, ecoam os incautos – já completamente amputados de qualquer empatia pelos nossos queridos “tiozinhos”.
Por este motivo, é inacreditável e impressionante o que acontece com as campanhas de vacinação no Brasil, já profundamente abaladas pelo negacionismo, a ponto mesmo de chegar-se ao descalabro de colocar em risco, em última instância, a vida das crianças.
É certo que a pandemia espantou muitos pais dos postos de vacinação, por estarem localizados dentro das unidades básicas de saúde, locais procurados por quem pode estar contaminada pelo novo coronavírus.
Não obstante, muito além disso, parece haver mais uma péssima influência do negacionismo a colocar em risco a saúde da população também neste particular, dado o movimento chamado “antivacina” ser parte fulcral das crenças conspiratórias a sustentar o sectarismo político ainda abalando o país e o mundo.
Nesta semana, reportagem evidenciou a alarmante situação, aqui mesmo em Tatuí. Ela mostrou como as crianças locais estão mais desprotegidas neste ano.
Até junho, conforme levantamento da Vigilância Epidemiológica, nenhuma das 12 doses obrigatórias para crianças de até um ano de idade atingiu a meta de imunização, de 95%. A média de cobertura ficou em 48%.
Segundo o levantamento, a maior adesão ocorreu nas doses da BCG (a “vacina da marquinha”), com cobertura de 69,89% do público-alvo.
Ela é uma das primeiras imunizações indicadas ao recém-nascido e protege contra formas graves da tuberculose. No ano passado, 117,59% das crianças foram imunizadas.
Outra imunização com mais de 60% de cobertura nessa faixa etária foi a tríplice bacteriana (DTP), que previne contra coqueluche, difteria e tétano. No caso do primeiro reforço da dose, 63,70% do público-alvo receberam a imunização.
Conforme o Ministério da Saúde, a falta de vacinação é um dos principais fatores de risco para a coqueluche em crianças e adultos. Embora tenha tratamento, a infecção pode levar à morte, especialmente bebês menores de seis meses quando não tratados ou com o esquema vacinal incompleto.
A tríplice viral, indicada para a prevenção de doenças como sarampo, caxumba e rubéola, atingiu 56,32% até junho deste ano. Em 2019, a primeira dose de imunização contra essas doenças havia atingido 104,55%.
Em seguida, com índices ainda mais baixos de vacinação, aparecem: febre amarela (dose única), com 47,17%; hepatite A (dose única), 47,23%; varicela (primeira dose), 45,45%; pneumo10 (segunda dose), 44,81%; e pentavalente (terceira dose), 44,81%.
A imunização da terceira dose da VIP (vacina inativada poliomielite) chegou a 42,15% e o primeiro reforço da VOP (vacina oral poliomielite) alcançou 37,43% de cobertura. Elas ajudam a proteger contra a poliomielite, doença causada por vírus que pode afetar o sistema nervoso.
Outra vacinação abaixo do índice recomendado é a segunda dose da meningocócica C, imunizante do tipo C da doença meningocócica, que alcançou 37,90% das crianças até um ano, e a segunda dose contra o rotavírus (infecção que causa gastrenterite aguda), que chegou a 37,78%.
A preocupação, por outro lado, não é exclusividade tatuiana. Dados do PNI (Programa Nacional de Imunização), do Ministério da Saúde, mostram que quase metade das crianças brasileiras não recebeu todas as vacinas previstas no Calendário Nacional de Imunização em 2020.
Segundo o PNI, a queda da cobertura vacinal pode trazer diversas consequências, como o reaparecimento de doenças já eliminadas, fato que ocorreu com o sarampo e fez o Brasil perder o certificado de erradicação da doença.
A Secretaria Municipal de Saúde, por sua vez, enfatiza que, mesmo com a pandemia, a população pode e deve procurar as unidades de saúde para se vacinar.
De acordo com a coordenadora da VE, enfermeira Rosana Oliveira, é fundamental que pais e responsáveis que ainda não levaram os filhos para receber as doses de rotina, ou que tenham dúvidas sobre a aplicação, procurem a sala de vacina da unidade de saúde mais próxima.
Como se observa em números, o negacionismo segue contaminando, pelo que se pode esperar ainda muito mais estrago ao longo dos próximos anos, não só com a saúde das crianças, mas com eleição de gente menos qualificada e antidemocrática, conflitos desnecessários, imaturidade, prepotência, incompetência e, pior, mais perdas em todas as áreas: ambientais, sociais, econômicas, de educação e da própria democracia…
Entretanto, mais impressionante ainda não é isso, senão o fato de que, há pouco tempo, os brasileiros foram arrebanhados a decretar o sepultamento de um suposto movimento “comunista” na política, o qual, por alguns partidos de “esquerda”, buscariam implementar um imaginário “kit gay” nas escolas, que nunca existiu.
Daí se conclui – com horror! – que, pela indiferença às campanhas de vacinação, para muitos pais, seria realmente menos ruim a morte dos filhos a vê-los “afeminados”… A que ponto tétrico e medieval chegamos. E ainda mais tenebroso: para esta obscuridade, para este grande mal, não há vacina a caminho.