Povoado de Tatuí é mais antigo; Jeronymo não foi pai fundador

Dados indicam 1817; posição em lista e falta de título militar são indicadores

Jeronymo faleceu em Tatuí, como capitão, em 1835, aos 56 anos e de idropesia (hidropisia); essa causa de morte antiga indica um acúmulo de líquido (edema), geralmente associado à insuficiência cardíaca, renal ou hepática (fígado). (Foto: Livro de Óbitos da Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Tatuí, 1823-1839)

Tatuí 200: Outros fatos, outras histórias

Cristiano Mota

O povoado tatuiano – que deu origem à Tatuí atual – é mais antigo do que se pensava. Tem início, pelo menos, cinco anos antes do período em que a freguesia é mencionada nos mapas dos habitantes. A evidência está em outro conjunto de microfilmes, cujos originais pertencem ao Arquivo do Estado de São Paulo.

Publicados em 1999, os maços de população correspondentes ao período de 1769 a 1850 apontam a presença dos primeiros moradores da área, vinculada à 6ª companhia, já em 1820. Entretanto, nesse ano, não havia menção da freguesia no título descritivo do levantamento. O mesmo ocorreu com o maço censitário de 1822, que trazia dados de 1821, em que ela não era citada.

A conformação do ajuntamento (a companhia de Tatuhy) se dá a partir da mudança de Jeronymo Antônio Fiuza, sorocabano “de velha cepa”, para Itapetininga. O nome dele aparece na lista de habitantes de 1818, inscrito como “morador novo”. Consta na imagem de número 2.183, estando listado no fogo de número 241 (de um total de 301). Na época, ele tinha 40 anos de idade; e a esposa, Cassimira Maria de Morais, 32. Morava na propriedade, além de escravos, uma agregada – Custódia Maria – de 50 anos.

Quando chegou àquela região, o sorocabano era senhor de sete escravos, sendo seis deles crioulos e um trazido como mercadoria da África, desses, cinco solteiros e dois casados.

Entre os nascidos no Brasil e solteiros, estavam: Benedicto, de 15 anos; Maria, de 25; Americo, de 41 anos; e Maria, de 45. João, de 46 anos, e Josefa, de mesma idade, eram casados. O único nascido no continente africano, entre os escravizados, era Joaquim, de 35 anos, do “gentio da Guiné”.

O registro não aponta patente, o que explica, em tese, que ele não seria uma autoridade que saíra da região da antiga fábrica de ferro São João do Ipanema e mudara-se para Itapetininga exclusivamente para fundar Tatuí.

Sobre isso, Pagane de Mello conta que o Regimento das Ordenanças, criado por Dom Sebastião em 1570, posteriormente abandonado e, séculos depois, reestabelecido por Dom João VI (em 1808), determinava que cada uma das companhias fosse chefiada por um capitão e demais graduados.

Tradicionalmente, esses oficiais ocupavam os primeiros fogos nos mapas de população, segundo critérios de hierarquia social e função, pois tinham como atribuição garantir a segurança dos habitantes.

Sendo assim, a posição do sorocabano na lista normativa e a falta de título militar indicam que, embora estabelecido como morador, ele não liderava uma companhia. Como essa era condição essencial para se viabilizar a fundação de um núcleo urbano, e Fiuza constava como habitante da 1ª companhia – que já tinha um capitão no comando –, não poderia ter sido ele o responsável pela instituição de Tatuí da forma como os historiadores vinham contando.

A hipótese construída ao longo dos anos, de que ele fundara Tatuí, vem do fato de que Fiuza, juntamente com Francisco Xavier de Freitas, era arrendatário das terras do Carmo (dos frades carmelitas da Ordem Terceira do Carmo, mais precisamente dos religiosos de Itu). Essa informação é confirmada pela procuração assinada pelo brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão em São Paulo, em julho de 1826.

No documento, transcrito pelo político e historiador Laurindo Dias Minhoto, em 1927, o oficial solicitava aos sorocabanos a devolução da fazenda “Tatuhi, de criar e de cultura”. A propriedade ficava em áreas que pertenceram anteriormente a outras pessoas, conforme se constata em cartas de sesmarias.

A formação de um novo grupo populacional, o que de fato originou Tatuí, deve-se, em partes, ao sorocabano. Isso porque, Fiuza tornou o processo de fixação possível, não por ter ele atraído os habitantes, mas por ser, mais tarde, um oficial que teria de ocupar uma das novas companhias de Itapetininga.

E é em 1819, dois anos depois de se mudar para aquela vila – já que a relação de 1820 é composta por dados coletados no ano anterior e a de 1818, por informações de 1817 –, que o sorocabano sai da 1ª companhia, passa a integrar o grupo de moradores da 6ª – a qual, três anos mais tarde, tornar-se-ia a freguesia de Tatuí com seus moradores já estabelecidos –, mas não a lidera.