O final do primeiro semestre da gestão Bolsonaro permite a análise de diversos pontos do governo federal, marcado, nesse primeiro momento, por grande turbulência. Entre os vários aspectos que poderiam ser observados, merece especial atenção o papel cumprido pelo vice-presidente Hamilton Mourão.
Mais que mera figura decorativa, o suplente do presidente vem chamando atenção pelo comportamento. Dada a postura beligerante adotada por grande parte do governo, sob a influência de Olavo de Carvalho, Mourão tem buscado construir pontes com setores da oposição e da imprensa, dialogando com pessoas de diversos matizes ideológicos. Com preparo intelectual, algo observável também nos demais militares que compõem o primeiro escalão do governo federal, ele é um alívio em um cenário plasmado por ideologia que acredita no embate contínuo como forma de afirmar determinada cosmovisão.
A conduta adotada pelos militares por enquanto é, em regra, louvável, pois estão agindo com competência técnica e discrição, algo esperado dos gestores da coisa pública. Ainda que exista importância na discussão de costumes, a pauta mais urgente para a população diz respeito a questões concretas como emprego e segurança.
Figuras como Augusto Heleno, Rêgo Barros, Tarcísio de Freitas e Santos Cruz, por exemplo, estão executando as respectivas funções de forma serena e firme, sem exposição pública demasiada.
Mourão, a seu modo, tem disponibilizado seus serviços conforme a necessidade, como ficou demonstrado em momento de crise na fronteira com a Venezuela.
Evidentemente, deslizes pontuais ocorrem no cotidiano. Desde as eleições, Mourão disse algumas coisas sobre as quais desculpou-se posteriormente. Mais que sinal de fraqueza, isso representa humildade, algo especialmente louvável naqueles que exercem posição de liderança nacional e característica tão rara em época cujo valor máximo é a reafirmação colérica de posicionamentos, especialmente na esfera pública. O exercício da alteridade parece ter cedido o lugar ao narcisismo potencializado pela exposição em redes sociais.
Para evitar possíveis acusações de conspiração em um ambiente marcado pela desconfiança e criação de narrativas fantasiosas, é recomendável especial cuidado com a exteriorização de determinadas opiniões. No campo minado da política brasileira atual, a visão estratégica dos militares é imprescindível.
Além do carisma que o presidente tem junto a parte da população, a força do atual governo repousa na atuação dos militares, na credibilidade de Sergio Moro (ministro da Justiça) e no profissionalismo de Paulo Guedes (Economia).
A discussão ideológica, importante no momento eleitoral como forma de contraposição ao posicionamento adotado pela esquerda representada pelo PT, deve ser colocada em segundo plano no exercício da gestão, em prestígio do pragmatismo na busca de soluções para os problemas vivenciados pela população.
A confiança popular na atuação democrática dos militares dentro do governo Bolsonaro é evidente e não pode ser menosprezada por determinada ala do governo federal.
A reverência que grande parte da sociedade devota aos militares devido à seriedade com que, até o momento, parecem tratar da coisa pública denota que, mais que meros figurantes na gestão federal, são protagonistas.
Eventual desprezo a tais figuras por influentes membros do governo tende a produzir a queda de popularidade de Bolsonaro a níveis que, em última análise, poderiam inviabilizar a realização das reformas estruturais exigidas. Além do natural respeito (não tão em voga em manifestações públicas), os militares merecem tranquilidade para o adequado exercício da gestão administrativa, com evidentes efeitos positivos para a construção de uma sociedade em que a dignidade não seja apenas uma abstração.
* Professor de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado. Doutor em direito pela USP.