Polí­cia Civil pede bom senso para registro de boletins de ocorrência





O Progresso

Crimes de estelionato também impactam rotina de trabalho de funcionários de unidades policiais

 

De janeiro a julho deste ano, a Polícia Civil instaurou na cidade 915 inquéritos, conforme dados da SSP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo). A explicação para esse número considerado alto é o volume de registros de boletins de ocorrência. É o que informou a O Progresso o delegado titular do município, Francisco José Ferreira de Castilho.

Conforme ele, a PC recebe uma “alta quantidade” de queixas via Central de Flagrantes e DDM (Delegacia de Defesa da Mulher). São, aproximadamente, 600 boletins de ocorrência registrados por mês em todas as unidades.

Castilho afirmou que o número poderia ser menor, caso houvesse um “melhor aproveitamento dos recursos policiais” por parte dos cidadãos. De acordo com ele, a população precisa ter discernimento no momento de procurar a PC.

“A delegacia é um dos poucos órgãos que atendem 24 horas por dia, todos os dias do ano. Então, a pessoa quando tem qualquer problema vem aqui”, afirmou.

Casos como acidentes de trânsito (colisões que resultam em danos superficiais e em desentendimentos) são levados para resolução via PC. Castilho declarou que esse tipo de ocorrência não é criminal e, portanto, não deveria ser registrado na delegacia. Nessa situação, o delegado disse que quem procura o órgão espera uma reparação de danos, questão para a área cível.

Outro problema nesse sentido é que quando não há um acordo entre as partes, no momento do ocorrido, muitos casos são registrados como fuga de local de acidente. “A pessoa vem aqui e alega fuga, mas não é. Então, são pequenas coisas que acabam interferindo no trabalho da polícia”, afirmou o titular.

Castilho reforçou que a opção por registrar boletins apenas para facilitar a resolução de problemas cíveis gera impacto não só na rotina de escrivães e escriturários, mas de investigadores. Isso porque eles são contabilizados no estatístico, junto ao governo do Estado, elevando os dados da violência no município.

Esse é o caso da perda de documentos que, invariavelmente, entra no sistema da PC como furto. O delegado informou que muitas pessoas optam por informar que tiveram documentos furtados para não terem de pagar pela segunda via. Com o boletim nas mãos, o cidadão é isento de arcar com nova taxa.

Castilho sustentou, ainda, que há o fato de o documento poder substituir, com facilidade, explicações perante a família ou a patrões. Às vezes, ele é usado como “um caminho para tornar mais rápido o processo de expedição de uma nova via”.

“Nós precisamos conscientizar a população que, primeiro, delegacia não é um lugar para você vir passear, porque é uma área de segurança”, declarou o delegado.

Conforme o titular, a preocupação reside no fato de que a presença de presos autuados em flagrante e recapturados por policiais militares, guardas civis municipais ou investigadores pode representar riscos à população. Especialmente, quando os cidadãos vão até o plantão no período da noite ou madrugada.

“A delegacia é um órgão público que tem uma função essencial, mas a pessoa tem que ter essa conscientização”, disse Castilho. O delegado informou que, na medida do possível, os cidadãos são orientados quanto a essa questão.

Quem procura a delegacia exclusivamente para elaborar BO para segunda via de documento não precisa, necessariamente, registrar a queixa para conseguir retirá-la.

Conforme o titular, basta que o cidadão apresente uma declaração de perda, preparada de próprio punho, na unidade do Poupatempo. Em Tatuí, a unidade está localizada à avenida Coronel Firmo Vieira de Camargo, 135, no centro. “Ocorre que é muito mais fácil vir aqui e ter alguém para digitar algo”, falou.

Para casos menos complicados, Castilho ressaltou que a população conta com a Delegacia Eletrônica. Pelo site www.ssp.sp.gov.br/nbo, o cidadão tem a opção de registrar o chamado “boletim de ocorrência eletrônico”.

Ele vale para casos de roubo e furto de veículo, roubo, furto e perdas de documentos e pequenos objetos, ameaça, injúria, calúnia e difamação, acidente de trânsito sem vítima, desaparecimento de pessoas, comunicação de encontro de desaparecidos e para complemento e acompanhamento de registros.

As ocorrências que entram no sistema da PC são registradas no Cartório Central, da Delegacia Central. De lá, são despachadas para a mesa do delegado titular. Castilho dá a destinação para os documentos. Grande parte deles vira inquérito policial, outra parcela é computada como TCO (termo circunstanciado).

Quando a ocorrência envolve fatos atípicos, os boletins são arquivados. Em casos de captura de procurados, o delegado procede com as comunicações. Os avisos são disparados pela “sala de e-mails”, que informa a recaptura e insere os dados dos envolvidos. Concluído esse trabalho, o boletim vai para arquivo.

Em média, a PC recebe 600 boletins por mês. “E o número tem aumentado, porque no ano passado essa quantidade era bem menor”, alertou o delegado.

Perto de 33% dos BOs elaborados na cidade dizem respeito à lesão corporal. “A maior parte deles por desentendimento familiar, entre casal. Essa é uma das coisas que eu mais estranhei quando vim para cá”, disse Castilho.

De acordo com ele, alguns são elaborados por orientação jurídica, envolvendo situações como “desobediência ao descumprimento de regras da separação”. Nesse caso, dizem respeito a horários e dias de visitação dos pais aos filhos.

“Nós temos 52 semanas no ano, o que dá 200 BOs de um fato que não é necessário ser lavrado, mas que é por causa de uma petição”, informou o delegado.

Castilho declarou que o boletim não tem valor maior que a declaração do cidadão. Segundo o titular, o documento apenas descreve o que a pessoa informou e o que ela repetirá em juízo, caso queira que a situação seja levada adiante.

“Não tem uma lógica para ele ser elaborado. O BO não é tão obrigatório quanto as pessoas pensam, porque ele não dá fé. Não foi o policial que constatou uma situação de discussão, de briga, ou outros fatos. É simplesmente a pessoa dizendo o que ela vai falar em juízo”, completou o delegado.

Em paralelo a esse serviço, o titular destacou que a corporação precisa dar conta dos flagrantes. São ocorrências que geram, em média, 60 prisões por mês na cidade (duas por dia).

O volume de atendimento pode afetar o trabalho da instituição, com relação à escolta e transferência de presos, intimação, oitiva e, mesmo, investigação.

Castilho não vê, necessariamente, um problema para a produtividade da corporação. Tanto que a PC computou lavratura de 405 flagrantes no primeiro semestre deste ano. Entretanto, os transtornos podem ocorrer caso o efetivo da corporação sofra baixa.

Até o fim deste ano, conforme apurado pelo jornal, 12 policiais devem se afastar, dez deles por conta de aposentadoria e dois por aprovação em concurso público.