Se há um ponto de convergência entre os discursos extremos à direita e à esquerda no país, neste inusitado, preocupante e catastrófico momento – na instância econômica, certamente, o mais grave de todos na história – é a crítica à corrupção.
Todos afirmam não ser mais possível suportá-la. Alguns, mais bem informados, até chegam a apontar pesquisas evidenciando o volume de perdas em recursos, esvaídos dos cofres públicos para o ralo abaixo dos desvios tão ilegais quanto imorais.
Até os que se posicionam contra a reforma da Previdência, por exemplo, argumentam que o problema da crescente falta de dinheiro para pagar os aposentados atuais – e, especialmente, os futuros – seria resolvido com o combate à corrupção – a qual, neste caso, impactaria sobre os benefícios fraudulentos.
Óbvio que há fraudes, tal como a economia de recursos investidos nos benefícios indevidos ajudaria a contrabalançar o peso em favor da Previdência.
Não obstante, essa balança já está absurdamente tendida para um lado. Simplesmente o combate à corrupção, ainda que tivesse pleno e total êxito, não seria capaz de equilibrar a balança da Previdência, que precisa sustentar, em seus extremos, os recursos e as despesas.
Essa realidade é tão evidente quanto a lei da gravidade, embora muitos insistam em não a admitir. Os céticos podem, até, atirar-se de um edifício negando a força fundamental da atração, mas nem por isso planarão ao vento. Certamente, vão se espatifar no chão.
Com a mesma certeza, é possível observar que, na mesma proporção em que diminui a população mais jovem a recolher suas contribuições no caixa da Previdência, aumenta a população mais velha, a receber esses mesmos tributos.
Esse desequilíbrio, portanto, não é de hoje, mas real e anunciado há tempo. Focá-lo em especial, neste contexto que se iniciou pela corrupção, serve a uma reflexão: seriam os “políticos corruptos”, esses que a galera das redes sociais quer tanto varrer do cenário nacional, tão diferentes da população em geral?
Ou seriam eles, literalmente, dignos representes do povo? Afinal, existe um aspecto também convergente entre as facilidades e oportunismos intrínsecos à vida pública e a realidade do cidadão comum, que, da mesma forma, não aceita, supostamente, “perder direitos”?
A correlação estaria no fato de que, pela visão de um político “tradicional”, seria normal, comum, o desprezo à lei para cobrar propina ou fazer caixa dois em campanha eleitoral, por exemplo.
Isso é algo comum no país – como disse o próprio ex-presidente Lula, já na época do mensalão. E, com o perdão do extremo no comparativo, também seria natural se aposentar com os mesmos anos de contribuição ainda hoje, quando a expectativa de vida saltou de 62 anos, na década de 1980, para 75 anos, na atualidade?
Claro, o cidadão comum recebe, quando aposentado, um salário (quase sempre injusto) pelo que contribuiu, pelo que, de fato, trabalhou, enquanto o político (o desonesto, ressalte-se, lembrando que jamais se poderia generalizar) não tem desconto no salário para algum fundo de falcatruas previdenciárias.
Naturalmente, essa diferença não se discute, servindo a comparação apenas como exemplo provocativo e para relevar o aspecto da sensação de direito adquirido – senão “tradicional’.
O relevante é que, de uma forma ou de outra, todos devem e vão acabar perdendo: uns justamente; outras, não. O político desonesto perder a liberdade seria justo; o trabalhador perder alguns anos de descanso ao se aposentar mais tarde, não necessariamente – embora, algo inevitável.
Mas, ok. Deixando de lado comparação por demais polêmica, vale olhar para outros exemplos sobre a índole em geral. Um deles: em Tatuí, ainda há um grave problema nas vias públicas, com pontes a serem reconstruídas, ruas com crateras etc.
Aí, o cidadão vai até a avenida Pompeo Reali, entrada da cidade e uma das mais críticas por conta do trânsito, severamente comprometido graças à queda de seu acesso principal ao centro, e o que ocorre ali? Civilidade? Educação?
No geral, não. O que se observa são muitos motoristas alheios às dificuldades, uns entrando na frente dos outros, desconsideração total aos pedestres que precisam cruzar a avenida, indiferença à sinalização…
É de se questionar o que fariam esses motoristas se fossem políticos, do presidente da República para baixo. Seriam exemplos de moralidade ou, também, iriam pisar fundo no sentido da corrupção? Afinal, “levar vantagem em tudo”, seja no trânsito ou na vida pública, é máxima nacional! Ou não?
Que dizer, então, desse pessoal que, diante de um grave acidente no qual se encontra um caminhão tombado, ataca feito urubus alcoólatras a carga de cervejas espalhada na estrada?
Esses cidadãos – flagrados em vídeo, disponível na internet – não são políticos, são “gente comum”. Ou seja, os tais corruptos são extraterrestres ou “gente comum”? A despeito disto, não raro, os oportunistas do povo são os primeiros a urrar nas redes sociais ou em “manifestações” pelo fim da corrupção…
Óbvio, novamente: a corrupção tem de ser combatida, assim como as leis devem servir para frear e, quando necessário, punir todos os que dela acabam se desprendendo.
Contudo, é muito incômodo – quase infantil – esse discurso de que existe “nós”, o povão unanimemente coitadinho e honesto, e “eles”, os safados, como se espécies distintas…
Vai daí porque, com ou sem Dilma, com ou sem Temer, pouco deve mudar no cenário político – nessa instância, pelo menos. Se o atual presidente deixar o cargo, eleição indireta deverá dar posse a outro político que, por certo, não carregará virtudes para ser canonizado no futuro.
Nesta hipótese, que seja ele alguém da parcela da população que consegue conter-se diante de uma tragédia, preferindo trabalhar para pagar sua própria cerveja.
E, ainda, que tenha a maturidade de saber que nossos empregos e pequenas empresas (estes que mais sustentam o país) dependem totalmente da realidade econômica nacional.
Que o próximo governante, brevemente ou daqui a pouco mais de um ano e meio, seja não apenas confiável, mas responsável na área econômica.
Isto porque, por mais que outros tantos não admitam, o que mais prejudica o Brasil, o que verdadeiramente colocou o país em sua maior crise da história, não foi a corrupção, mas a desastrosa política econômica.
A verdade é que os governantes podem, até, conseguir escapar das leis da Constituição, mas, jamais, terão sucesso nas tentativas de desrespeitar as leis de mercado.