Da reportagem
Dois projetos culturais, um voltado ao incentivo à leitura; outro, para a valorização do “falar tatuiano”, realizados com o propósito de unir gerações.
Esta é a mais nova iniciativa da escritora e poetisa Cristina Siqueira que volta o olhar para Tatuí com a retomada do “Livro de Rua”, em nova fase, e o poema “Tatuianês”. Ambos de valorização da arte.
“‘O Livro de Rua’ é um projeto que comecei em 1997, com muito sucesso, de repercussão muito forte e que foi um impulso para a minha carreira literária”, inicia.
A iniciativa consiste em pinturas de poemas de autoria da escritora em diversos pontos da cidade, junto com palestras sobre literatura realizadas com crianças.
No final do ano passado, Cristina começou a etapa de adição de “novas páginas” à obra, que está em processo de construção e deve ser levada a todo o município. Também retomou visitas a estudantes das redes pública e particular.
“O mais importante desse projeto é que ele tem um alcance nas escolas muito grande. E eu caminho dando palestras, contando sobre o projeto, porque o meu interesse é gerar um processo de transformação e sensibilização social, uma humanização”, conta. “Acho que o ser humano está distante da essência, e esse projeto nos sensibiliza, acorda para isso”, complementa.
Já o “Tatuianês” – um mural poético que pode se transformar em um “dicionário” – foi lançado no fim do mês passado. Os versos “brincam” com o jeito tatuiano de falar, considerado pela escritora um dialeto próprio do município. Cristina cita a pronúncia arrastada da letra “R”, com a substituição dela em palavras com o “L”, como em “farta” (falta) e “frecha” (flecha).
Assim como o “Livro de Rua”, o objetivo do projeto é incentivar a leitura em espaços públicos, focando em pessoas de todas as idades. Ele tem ainda a característica de valorizar o MHPS (Museu Histórico “Paulo Setúbal”), pois está instalado na rua 7 de Maio, em frente à casa de cultura. “A rua é um espaço democrático. E o ‘Tatuianês’ está lá, estampado, para todo mundo ver”, enfatiza.
O trabalho conta com ilustração de Antonio Carlos de Paula, copista de Tatuí, e assessoria de Talita Diniz, que auxilia a artista na elaboração de etapas, como a captação de muros. “O poema não é inserido em qualquer lugar. Não é dessa maneira que funciona. Existe todo um processo”, descreve.
Para a realização da pintura dos poemas, Cristina explica que várias fases precisam ser cumpridas. O processo envolve desde a escolha do melhor espaço à autorização. “Faço uma maratona pela cidade. Saio fotografando, descobrindo locais e, nesse processo, a cidade conversa comigo”, diz.
Andar pelas ruas do município ajuda a artista a entender qual trabalho se encaixa melhor nos espaços visualizados, de forma a instigar a atenção de crianças e adultos para a literatura. “E é assim que eu vou distribuindo os poemas pelos murais”, explica.
O processo de estímulo à cultura, iniciado em 1997, foi retomado em 2021 pela artista a partir do “recolhimento da pandemia”. Cristina conta que, em função das normas de isolamento social, ela permaneceu mais tempo em Tatuí, focando na “reflexão sobre o momento e a necessidade das pessoas de consumir cultura”.
A artista tem residência no município, mas já realizou projetos em várias partes do Brasil, além de Lisboa, Coimbra, Barcelona, Córdoba e Granada.
Na cidade, Cristina recuperou o “fôlego” para retomar as ações, sendo impulsionada pelo ProAc LabExpress, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, do governo do Estado de São Paulo. O programa viabilizou o capítulo “Escritos Atrás do Pensamento”, que prevê cinco murais na nova fase do “Livro de Rua”.
Há um na Praça da Matriz; outro na Praça de Alimentação, nos arredores da praça Martinho Guedes (Santa); um terceiro no Magazine Metrópoles; e um quarto no Ópera Mix. “Muita gente se envolve no projeto, que inclui uma grande pesquisa de material e pessoas que estão comigo nessa empreitada”, diz.
Cristina relata que sabatinou muitas pessoas para compor a equipe de trabalho. Nesse processo, optou por cercar-se de profissionais do município para colocar os projetos em prática. Teve um cuidado maior na escolha do ilustrador.
“O processo é bastante complicado, porque cada artista tem uma vocação. Às vezes, ele é incrível, mas não tem o preparo para o muro; a arte é muito mais refinada. Ou, então, traz consigo a história do grafite, que é uma linguagem própria. E eu entendo o cenário da rua como a minha casa”, argumenta.
Como todo trabalho de arte, Cristina diz que a produção de uma das páginas “desencadernadas” do livro demanda tempo, dedicação e dinheiro.
“O desafio maior da cultura é, realmente, a parte financeira. É o artista receber de acordo com o trabalho proposto. Então, esses incentivos (o ProAc e a Lei Aldir Blanc) deram a todos nós, artistas, um impulso muito grande”, afirma.
Entretanto, Cristina aponta que a classe precisa de mais apoio. Razão pela qual ela passou a visitar empresários, para que o projeto pudesse alcançar mais pessoas.
“Dois aderiram de cara. E isso foi uma prova, um teste para eu saber como seria a resposta de quem pode contribuir um pouco mais com a cultura”, analisa.
Os próximos passos são a pintura de outros dois novos muros, por meio de patrocínio empresarial. A ideia da artista, com a terceira fase do “Livro de Rua”, é produzir 50 páginas. “O meu objetivo é tornar Tatuí uma cidade que pode ser lida, é resgatar a cultura, tudo aquilo que sempre tocou meu coração”, diz.
Sobre o “Tatuianês”, Cristina prevê a inclusão de novos poemas com expressões que estão sendo apresentadas espontaneamente pelo público. Embora o projeto tenha sido muito bem recebido pela nova geração, a artista explica que é com “os mais velhos” que a interação tem sido maior. “Muitas pessoas estão me sugerindo novas expressões. E eu já estou com uma relação de tatuianês em casa”, conta ela, que pode lançar um “dicionário de rua”.
Da mesma forma que o livro, o poema com o “jeito de falar” do tatuiano tem atraído boa audiência. Cristina diz que a população tem sido simpática ao projeto.
“Tatuí tem um cerne cultural de longo tempo, construído por pessoas como Jaime Pinheiro, Ivan Gonçalves, Mingo Jacob, pintores, escritores, poetas que pavimentaram o caminho para que tudo isso se desenvolvesse”, enfatiza.
Ela menciona, ainda, a parceria de longa data com o jornal O Progresso de Tatuí, veículo para o qual colaborou como colunista. “Eu sou da casa, eu me sinto da casa e a arte precisa disso, a cultura e a poesia precisam de ventilação, de divulgação, de ocupar os espaços. E é isso que eu proponho, é pensar para cima”, diz.
Cristina também destaca o apoio de todos os agentes culturais do município, incluindo o secretário municipal do Esporte, Cultura, Turismo e Lazer, Cassiano Sinisgalli, e o diretor municipal de cultura, Rogério Vianna.
O projeto mais recente da artista, além de outros poemas, pode ser visto no canal do MHPS (Museu Histórico “Paulo Setúbal”) no YouTube. Cristina tem dois vídeos publicados na plataforma e um bate-papo sobre literatura.
Os materiais estão disponíveis no link https://bit.ly/3NoZUy6.